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O cordão da ditabranda cada vez aumenta mais

28 de fevereiro de 2014
Folha_Ditabranda01

Há um debate importante na sociedade que precisa encontrar uma conclusão. Ele diz respeito ao fenômeno do uso da violência contra a democracia.

Antonio Lassance, via Carta Maior

Há um debate importante na sociedade que precisa encontrar uma conclusão. Ele diz respeito ao fenômeno do uso da violência contra a democracia.

Seja dentro ou fora de manifestações, seja praticada por grupos de direita ou de esquerda, o debate é sobre o nível de repúdio e condenação que se deve empregar contra quem usa a violência não como autodefesa, mas como meio de afirmação política.

Esse é o debate que deveria estar por trás da chamada lei antiterrorismo (Projeto de Lei do Senado nº 499, de 2013). A proposta ficou perambulando no Legislativo, sendo no meio do caminho envenenada pela mídia tradicional, com o auxílio luxuoso dos que trazem uma memória seletiva da velha ditadura de 1964.

O tema deveria mobilizar uma ampla parcela dos cidadãos, pois interessa a todos. Tudo o que mexe com a vida e a liberdade de cada cidadão precisa, antes, ser profundamente debatido.

Ao mesmo tempo, em uma democracia, não se faz debate pelo debate. O que se pretende e se deve fazer é chegar a uma conclusão e tomar uma decisão amplamente respaldada.

Não é o que se vê, porém, na discussão da lei antiterrorismo. A questão está diante de dois graves riscos. Um é o de se tomar decisões erradas, aprovando uma lei mal feita.

O outro risco vai em sentido contrário. É o risco de que esse debate seja simplesmente abandonado, com a grave consequência de se manter um entulho autoritário, a Lei de Segurança Nacional.

A democracia e a cidadania clamam por um meio termo.

Acirrado e federalizado desde a morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade, o debate sobre a lei antiterrorismo acabou sendo açodado.

Na base do oito ou oitenta, ficamos entre os que quiseram aprovar a lei a toque de caixa e os que foram ao êxtase ao defender que a nova lei seria mais dura do que a famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN).

A LSN existe no Brasil desde 1935, forjada na esteira da dura repressão de Vargas contra a Aliança Nacional Libertadora, contra os partidos e organizações de esquerda.

Acabou servindo depois a todo o período da Guerra Fria, incluindo o que compreende a ditadura de 1964. Tal lei foi sucessivamente modificada, em 1969, 1978 e 1983. É uma lei das ditaduras, pelas ditaduras e para as ditaduras.

Os adeptos da ditabranda saborearam o tema com um sorriso nos lábios. A turma da ditabranda é aquela que defende a tese de que a ditadura instaurada em 1964 não foi lá tão dura assim, comparada à de países vizinhos.

Que a ditadura brasileira foi diferente da chilena e da argentina, é fato. Daí dizer que ela foi “branda” vai uma distância imensa.

Enfim, pelos argumentos dos defensores da ditabranda, a legislação em vias de ser aprovada no Senado seria mais dura que a LSN.

Não só defensores da ditabranda, mas muitos que repudiam aquele regime distribuíram a esmo o artigo de Elio Gaspari, “A histeria dos comissários”, que segue essa linha de ataque. Foi publicado em O Globo e na Folha de S.Paulo.

O problema é que o artigo de Gaspari traz “erros” banais que só interessam a quem quer e gosta de banalizar a ditadura. Vale a pena indicar tais erros para evitar que o cordão da ditabranda cada vez aumente mais.

Um “erro” elementar foi ter acusado o senador Paulo Paim (PT/RS) de ser o autor do projeto da lei antiterrorismo. Não é. O “erro” poderia ter sido facilmente evitado com um mínimo de apuração jornalística.

Sendo o jornalista sabidamente experiente, ficam as aspas sobre o “erro”, de modo a manter uma saudável dúvida quanto ao deslize.

Afinal, uma das profissões de fé de Gaspari é tratar os governos do PT (Lula e Dilma) como um regime de “comissários”, os quais, a qualquer momento, podem implantar uma ditadura. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, é o que está encravado nas entrelinhas de seus artigos.

Diz Gaspari que, enquanto a proposta em trâmite no Congresso prevê penas que vão de 15 a 30 anos de prisão, a LSN previa, para crimes similares, penas de 8 a 30 anos.

Nesses termos, se o pior de uma ditadura se mede pelo tempo de pena, vamos chegar à conclusão de que a mais ditatorial de nossas leis é o Código Penal, que prevê penas ainda mais duras, de 20 a 30 anos, por exemplo.

Vamos ter que incluir o Canadá na lista de ditaduras cruéis das Américas. O país acaba de transformar em crime o uso de máscaras em manifestações. Um mascarado pode ser condenado a passar até 10 anos preso, seja vestido de Batman ou de Homem Aranha. Isso é que é ditadura!

Muitos passaram batidos pela mais imaculada de todas as frases do artigo de Gaspari sobre a brandura da Lei de Segurança Nacional:

Caso o delito resultasse em morte, a pena seria de fuzilamento. Apesar de ter havido uma condenação, ninguém foi executado dentro das normas legais”.

Vale a pena ver de novo: “ninguém foi executado dentro das normas legais”.

Mais uma vez, só para reforçar: “ninguém foi executado dentro das normas legais”.

Isso é que é ditadura. “Ninguém foi executado dentro das normas legais”. Éramos felizes e não sabíamos.

A LSN de 1969, se alguém se der ao trabalho de lê-la direto na fonte, para entender do que se tratava sem precisar de intermediários, verá que ela prevê, em caso de morte de algum agente da repressão, desde a prisão perpétua, “em grau mínimo”, até a pena de morte, “em grau máximo” (artigos 80 a 107).

Mas fiquemos tranquilos. Na ditadura cinquentenária, ninguém foi executado. Não legalmente. Que bom saber disso!

De repente, não mais que de repente, parece que ser contra o terrorismo é que se tornou antidemocrático.

De repente, não mais que de repente, a mesma legião de articulistas e comentaristas que defendeu, histérica e macarronicamente, a extradição de Cesare Battisti (acusado de terrorismo na Itália) resolveu ser contra a lei antiterrorismo.

O Congresso discute faz tempo a proposta de legislação antiterrorismo. Falhou, como tem falhado, ao deixar o assunto se arrastar inconcluso. Tem sido assim com muitos outros assuntos que aguardam regulamentação.

Nada disso deve nos levar a tirar conclusões erradas, que sepultem um debate extremamente importante. O Brasil precisa sim de uma lei antiterrorismo para sepultar de vez a LSN.

É preciso colocar em seu lugar uma lei que proteja as pessoas da violência e que faça jus ao que diz o art. 5º. da Constituição, que equipara a condenação ao terrorismo à condenação da tortura.

É disso que se trata e é nisso que a proposta que tramita no Congresso está longe de atender. Ela ainda é genérica o suficiente para deixar margem ao perigo da discricionariedade tanto de juízes quanto do guarda da esquina.

O tema é delicado como nitroglicerina e deve se lidar com todo o cuidado do mundo, mas sem que seja deixado de lado, esquecido.

Muito menos o assunto deve servir de pretexto para fazer aumentar o cordão da ditabranda.

Às vésperas dos 50 anos da dita cuja, é preciso rechaçar a todo o momento as tentativas reiteradas, reeditadas e em liquidação de se mascarar a lógica daquele tenebroso regime de exceção.

Um regime em que as normas eram apenas para Inglês ver.

Um regime em que, sabidamente, a verdadeira lei era ditada no cárcere e cumprida por tribunais compostos por torturadores.

Mais sobre o assunto:

O termo ditabranda foi cunhado por um editorial do jornal Folha de S.Paulo de 17 de fevereiro de 2009. Marco Aurélio Weissheimer, em Carta Maior, nos mostra “O que a falácia da ditabranda revela”.

A lei antiterrorismo, na íntegra, com seus de autoria e tramitação, pode e deve ser acompanhada na página do Senado.

Uma visão ponderada sobre a discussão da lei antiterrorismo está no artigo do Fábio de Sá e Silva, em Carta Maior “O terrorismo da impaciência”.

A versão da Lei de Segurança Nacional editada em 1969 está na íntegra no Portal de Legislação da Casa Civil da Presidência da República Portal de Legislação da Casa Civil da Presidência da República.

Obs.: a lei aparece rabiscada nessa página para deixar claro que não está em vigência.

A LSN atual pode ser lida no Portal de Legislação da Casa Civil da Presidência da República

Antonio Lassance é cientista político.

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As polianas e os “protestos”

26 de fevereiro de 2014

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Sergio Saraiva, via Jornal GGN

Temos visto ultimamente um movimento de pretensos polianas que afirma que o governo está tentando sufocar, ou criminalizar, movimentos sociais quando reprime com a polícia ou por meio de uma legislação específica para protestos as ações dos Black Blocs que agora se travestiram de “protestos contra a Copa” e em reivindicações genéricas, tais como, “pela felicidade geral da Nação, padrão Fifa”.

Querem nos fazer crer, portanto, que tais grupos de desordeiros são pertencentes aos movimentos sociais. São tanto quanto o PCC ou o Comando Vermelho, ao seu modo, também são.

Então, um governo que dialoga com tantos movimentos sociais, dos sindicatos aos “sem”, sem-teto, sem-terra, sem floresta e que tais, não saberia dialogar com mais um? Ocorre que não se pode dialogar com o “Movimento dos Sem Diálogo”, com o “Movimento dos Sem Noção”.

Firmemos um ponto:

É um absurdo o uso da violência como forma de ação política na vigência do Estado Democrático de Direito. Logo, a reação do governo é a adequada quando cria formas de reprimir ações que são antidemocráticas porque têm fins antidemocráticos. É da defesa da democracia que estamos falando.

Vitorioso o “não vai ter Copa”, a próxima manifestação é o “não vai ter eleições”, quem ainda não percebeu isto? Os polianas aparentemente não. Não sejamos ingênuos, desde a Copa das Confederações, ano passado, quem vai a tais “protestos” sabe que vai participar de uma ação violenta, pretende isso.

A violência foi o único legado das tais “jornadas de junho”. A violência é filha do momento em que as reivindicações deixaram de ser pelos R$0,20 do MPL e passaram a ser “contra tudo isso que está aí”.

Acreditar que, hoje, existem “manifestações pacíficas” infiltradas de Black Blocs é uma forma de autoengano. Quem usa de um argumento tal como “não vai ter Copa” não está reivindicando nada, está ameaçando.

O que estamos assistindo é a surrada união tácita da extrema-esquerda com a direita no combate à esquerda democrática, no combate à social-democracia.

A extrema-esquerda só acredita na forma revolucionária de chegar ao poder. Uma esquerda que mostre ser possível fazê-lo pela via democrática é seu maior inimigo. Tira-lhe a razão de existir. Melhor, então, apoiar a tomada do poder pela direita, pois isso permitiria a retomada da luta radical. É o tal de “reforçar as incoerências do sistema para fomentar a consciência social do povo”. Também conhecida como a tática do quanto pior melhor.

Do lado da direita, a extrema-esquerda está fazendo o papel de idiota útil, criando a conturbação social que justifica as “medidas de exceção temporárias” necessárias ao “reestabelecimento da ordem”. Já vimos esse filme, durou 21 anos.

Não deverá se repetir, já que, como nos ensina Marx, “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Dá-lhe razão o número ínfimo dos “manifestantes” que vêm sistematicamente incendiando nossas ruas e depredando patrimônio público e privado, criando situações de provocação e confronto que tragicamente já acabaram em morte. Assassinato seria melhor dito.

Que representatividade tais grupos têm? Nenhuma, eis porque do uso da violência. Sem ela, lhes restaria os guetos autorreferentes e carregados de ódio das redes sociais. Restariam desapercebidos pelo mais da população.

Ainda assim, seria temerário se o governo nada fizesse. O partido no governo, ainda que de esquerda, ainda que comprometido com a causa popular, não lidera passeata de protesto contra si mesmo. Ainda mais de grupos tão radicalizados e reduzidos querendo se passar por “povo”.

Só os polianas parecem não entender que nessas situações o preço da liberdade é a eterna vigilância.

***

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26 de fevereiro de 2014

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Dividir o mundo entre bons e maus está na moda. Nas ruas e nos meios de comunicação.

Luiz Gonzaga Belluzzo, via Carta Capital

A explosão de vandalismo nas ruas e nas redações dos telejornais desatou uma nova rodada de manifestações de baixo moralismo empenhadas em desfazer os padrões de convivência conquistados a duras penas ao longo do processo civilizador.

Dividir o mundo entre bons e maus está na moda. A reinvenção dessa banalidade alcançou foros de seriedade na construção do discurso midiático e político contemporâneo.

Não estamos sós nessa empreitada. Sugiro ao brasileiro a leitura do livro The outrage industry, political opinion media and the new incivility. Trata-se de um estudo acurado da degradação do debate político nos Estados Unidos entre a extrema-direita e liberais dispostos a responder no mesmo tom agressivo e violento. Nessa batalha é impossível distinguir godos de visigodos. O livro analisa os comentaristas de telejornais, celebridades dos talk shows, blogueiros e comentaristas fulminantes da internet, porta-vozes das insanidades midiáticas, sempre protegidos pelo anonimato, isto sim, em escracho ao direito à livre expressão do pensamento.

Os ululantes atacam com as armas do preconceito, da intolerância e com as bordunas da apologia da brutalidade, sem falar nos ataques em massa à última flor do Lácio, inculta e bela. Alguém já dizia que há método na loucura, mas, em sua marcha, a desrazão capricha na metodologia. As expressões “fascistas”, “idiotas politicamente corretos”, “elite vagabunda” poucas vezes foram utilizadas com tanta liberalidade e descuido. Em alguns sítios e comentários, as generosas imprecações adjetivadas ganham a companhia de exaltadas conclamações para o retorno dos militares ou sugestões para que os Black Blocs sejam mais eficientes em seu “empreendedorismo” anárquico, destruidor e, não raro, mortal.

Os estudiosos do totalitarismo sabem que a “autovitimização” da “boa sociedade” e a inculpação do “outro” foram métodos eficientes para a conquista do poder absoluto. Vejo nos blogs: os mais furiosos se apresentam como “humanos direitos”, em contraposição aos defensores dos “direitos humanos”. Fico a imaginar como seria a vida dos humanos direitos na moderna sociedade capitalista de massa, crivada de conflitos e contradições, sem as instituições que garantam os direitos civis, sociais e econômicos conquistados a duras penas. A possibilidade da realização desse pesadelo, um tropismo da anarquia de massa, tornaria o Gulag e o Holocausto um ensaio de amadores.

O magnífico projeto iluminista-burguês da liberdade, igualdade e fraternidade, avaliado em seus próprios termos e objetivos, está fazendo água diante do desenvolvimento alucinante e alucinado da competição das mídias para buscar os esgotos.

Fredric Jameson, no livro A cultura do dinheiro (Vozes, 2001), lamenta: “Os quatro pilares ideológicos, jurídicos e morais do alto capitalismo – constituições, contratos, cidadania e sociedade civil – são, hoje, vadios maltrapilhos, mas sempre lavados, barbeados e vestidos com roupas novas para esconder sua verdadeira situação de penúria”.

A civilização ocidental, disse Gandhi, teria sido uma boa ideia. Imaginei, santa ingenuidade, que as batalhas do século 20, além do avanço dos direitos sociais e econômicos, tivessem finalmente estendido os direitos civis e políticos, conquistas das “democracias burguesas”, a todos os cidadãos. Mas talvez estejamos numa empreitada verdadeiramente subversiva, ainda que não revolucionária: a construção da República dos Mais Desiguais. Uma novidade política engendrada nos porões da inventividade contemporânea, regime em que as garantias republicanas recuam diante dos esgares da máquina movida pela “tirania das boas intenções”. Um sistema em que bons meninos exibem sua retidão moral para praticar brutalidades em nome da justiça. O direito e a eticidade do Estado desaparecem no buraco negro do moralismo particularista e exibicionista.

Desterrar o conflito social para fora da esfera pública e colocá-lo à margem da ordem jurídica certamente fará irromper na sociedade de massa a verdadeira face da política de aniquilamento do outro. Muitos democratas sinceros e outros nem tanto são incapazes de avaliar corretamente o papel do ultraje pessoal na avacalhação do debate público. A ofensa pessoal desqualificadora usada como argumento, sobretudo se praticada sob a capa do anonimato, e a resposta no mesmo tom são instrumentos da brutalização das consciências.

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18 de fevereiro de 2014

Black_Bloc03

Sim, há algo de podre na política brasileira, mas enganam-se os que presumem que a podridão esteja só no Legislativo ou que de lá provenha.

Wanderley Guilherme dos Santos, via Carta Maior

Há algo de podre na política brasileira. O discurso do ódio contaminou a cultura. A violência física que assusta não é mais condenável do que a degradação pela palavra. Introduzido durante os debates da Ação Penal 470, a televisão propagou Brasil a fora o escárnio como argumento, a salivação como prova irrefutável e a falta de compostura de alguns magistrados como aparte retórico. Surpreendente a cada dia, durante todo o segundo semestre de 2013, os indiscutíveis mestres do STF, solidamente preparados, transformavam-se em arengueiros pernósticos a vociferar vitupérios em latim, em alemão e em inglês. À língua portuguesa reservaram-se rebuscadas construções gramaticais com que degradavam de modo vil os réus em julgamento. O valor intrínseco das evidências, muitas vezes nulo, era irrelevante para o altissonante juízo que os homens de capas fúnebres proferiam.

Foi negado aos acusados a preservação última da dignidade de pessoa, a mesma que foi concedida ao assassino de Tim Lopes, Elias Maluco, ao ser descoberto: “Prende, mas não esculacha”. Com linguajar de estilo maneirista, as capas fúnebres do Supremo Tribunal Federal esculacharam quanto quiseram os réus da Ação Penal 470 perante uma audiência nacional, nela incluídos os “Elias Malucos” em liberdade. E continuam, buscando proibir que sejam depositários da solidariedade de cidadãos e cidadãs em pleno gozo de seus direitos civis e políticos. Não podendo oficialmente matá-los ou bani-los, apostam impor-lhes o ostracismo. É o discurso da vingança impotente movido a ódio.

O estímulo ao linguajar desabrido e ao julgamento apressado e irrecorrível encontrou na já virulenta blogosfera a ecologia apropriada para reprodução cancerosa. Com a ferramenta do anonimato e a indulgência prévia a qualquer desvario, o Caim em nós desabrochou com velocidade sônica. A filosófica vontade de morte, a definição humana de um ser para morte, revela-se menos conceitual e inocente na real inclinação para matar. A internet veicula milhares de assassinatos virtuais e de convocatórias à destruição. Sem não mais do que o subterfúgio de códigos primários, quando muito, ações predatórias são incentivadas a qualquer título. É total o descompasso entre avanço social e econômico do País e as toscas bandeiras eventualmente desfraldadas. Na internet ou nas manifestações selvagens até mesmo os partidos radicais perdem importância. Não são eles que se aproveitam da turba para propaganda e crítica ao governo, é a violência irracional que se serve deles como escudo e defesa ideológica.

As antigas irrupções de quebra-quebra, de confronto entre polícia e manifestantes, e até mesmo episódios de grande magnitude, como a destruição das barcas em Niterói, no século passado, não têm parentesco próximo com o vírus do ódio contemporâneo. Aquelas eram manifestações tópicas, de enredo conhecido e de duração previsível. Estas são projetos de vida e morte. Tempo mal empregado o debate sobre a responsabilidade partidária dos confrontos atuais. O novo é a capacidade de mobilização a-e-trans-partidária das convocações subliminarmente homicidas.

A agressão pela palavra é companheira da agressão à palavra, à linguagem. A amputação da língua portuguesa tem sido o resultado não antecipado da linguagem de Caim. São as frases, os verbos, as concordâncias as primeiras vítimas de todos os blocos de suposta vanguarda. Essas agressões são antigas, mas da blogosfera estão sendo trasladadas ao vocabulário jornalístico e da televisão. Não só os textos de colunistas, repórteres e comentadores trazem conteúdo hiperbolicamente crítico, mas o vocabulário que utilizam é vulgar e de cada vez mais miserável. Não mais m…, pqp, fdp ou c……o.

Agora, intelectuais e jornalistas se esmeram por extenso na vulgaridade da frase e na crueza dos termos. É uma violência à palavra, ajudando a violência pela palavra, destruindo importante fonte de transmissão de cultura. Não se aprimora o aprendizado da língua portuguesa lendo os jornais, as revistas, seus colunistas e editoriais rasteiros. Tornaram-se tão decadentes quanto o ressentimento que difundem. Nem se discorda mais, se ofende. A violência está usurpando a democracia.

Sim, há algo de podre na política brasileira, mas enganam-se os que presumem que a podridão esteja só no Legislativo ou que de lá provenha. Para essa há remendos que asseguram a sobrevivência democrática. Em putrefação está a cultura nacional pelo envenenamento de parte de suas fontes de elite: a cultura jurídica, o debate político e a cultura da informação. O péssimo é que, tal como os políticos costumam absolver seus pares, é mínima a probabilidade de que juízes ou professores ou jornalistas reconheçam a responsabilidade que lhes toca nessa podridão. São castas autoimunes.

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17 de fevereiro de 2014

Black_Bloc27

O povo brasileiro é violento e ponto final. Chega de hipocrisia. É curioso que grande parte das pessoas que estão “assustadas” com a violência não perdem uma luta de MMA.

Laurez Cerqueira, via Brasil 247

Curiosa essa perplexidade com a violência. Quando a violência explode em ondas como a de agora ouve-se muito dizer que nunca antes na história deste país se viu coisa igual. O senhorio posa de vestal coberto com o manto do “homem cordial”, um tipo que escamoteia a violência em templos religiosos e de consumo, forjando a felicidade do país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza.

O povo brasileiro é violento e ponto final. Chega de hipocrisia. Quando os brancos europeus desembarcaram nas praias brasileiras, esfarrapados, desdentados, fedorentos, cheios de escorbuto, sífilis, e sedentos por sexo, índios e índias viviam nus, em perfeita harmonia com mares, rios, florestas, em paz com sua divindade espalhada ao redor. Mas era um paraíso perigoso. Por aqui havia algumas tribos de antropófagos, chegados a uma coxa humana suculenta. Comeram até o bispo Sardinha.

Os católicos trataram de arrancar as crenças pagãs dos índios e substituir pelo deus único. Instalou neles o pecado e a culpa. Foram ocupando as terras, corrompendo os gentios com badulaques, exterminando nações inteiras. O sangue correu por campos e florestas. Como índio não tinha alma, na visão dos brancos europeus, virou esporte sair aos domingos para caçar nativos. Atiravam para ver o tombo.

Tentaram submetê-los à base do chicote. Como não conseguiram, partiram para a África e escravizaram os negros. As marcas da barbárie continuam vivas. Tanto que a arquitetura “moderna” reproduz o modelo colonial nas residências brasileiras. Ou seja, mantém a senzala na divisão sala, cozinha e dependência de empregados. Um cubículo onde enfiam os trabalhadores domésticos e assumem o tratamento “nós e eles”. Tudo isso encarado como “normal”.

Essa mesma violência, herança da escravidão, permanece nas relações sociais, principalmente no trabalho. Quem não conhece a exploração, o tratamento desumano, o assédio moral de patrões e chefes? Nas relações entre marido e mulher, entre pais e filhos? Quem não sabe de pessoas destruídas psicologicamente por assédio moral? Pessoas que vagam no dia a dia, no vaivém da casa para o trabalho, do trabalho para casa, tomadas por sofrimento pesaroso, provocado por humilhação e desqualificação.

Aqui vale uma ressalva: em partidos de esquerda, sindicatos e outras entidades, o assédio moral ocorre até com requintes de crueldade. Justo as organizações que se propõem como instituições de pedagogia política libertária. Há relatos inimagináveis. O educador Paulo Freire denominava isso de “opressão do oprimido”. Ou seja, muitos dos que sofreram opressão tendem a tornar-se opressores ainda mais violentos.

No Congresso Nacional tramitam projetos de lei para tipificar o assédio moral, mas grupos, sobretudo aqueles de apoio ao patronato, não permitem sua aprovação.

Violência, aplausos e negócios

Curioso também é que grande parte das pessoas que estão “assustadas” com a violência, por exemplo, não perdem uma luta de MMA, essa “rinha humana” que faz os espectadores vibrarem quando os lutadores são brutais. Quanto mais lambuzados de sangue, mais a plateia vibra. As imagens fazem disparar a audiência nos meios de comunicação. Os donos de tevê, portais, jornais, revistas e patrocinadores movimentam seus negócios milionários e enchem os bolsos de dinheiro.

Muitos dizem que essa rinha é um esporte, que “educa”, que tem regras, mas não dizem que as regras foram feitas pelos próprios empresários que exploram os negócios dos eventos violentos.

O que se vê por aí são jovens adotando como referência os lutadores de MMA, cultuando o machismo e a violência como afirmação de virilidade. A referência de beleza agora é a aparência de mau, violento. Músculos e tatuagens alimentam o delírio narcísico, potencializado com a telinha dos celulares, que se tornaram espelhos hedonistas da modernidade.

Com essa estética ressurge um conservadorismo ancestral, medieval. E o que tem a ver a luta de MMA com a violência? A violência sob aplausos de torcidas aguerridas, aos gritos de: “Mata! mata! mata!”

Os mesmos assistem às missas, aos cultos aos domingos e às lutas de MMA, cada um com seu duplo. Nas torcidas de futebol, no trânsito, nos shows, nas festas, a violência explode, gera imagens chocantes para a felicidade dos donos dos meios de comunicação. Estes exploram os infortúnios e as lágrimas à exaustão, com posturas hipócritas, moralistas, de bom mocismo, para faturar ainda mais com a audiência. Uma retroalimentação que domina corações e mentes.

Nos programas de tevê, apresentadores falam diretamente com cerca de 40 a 70 milhões de pessoas todos os dias, em comentários e editoriais, como se fossem autoridades no assunto. Muitos instigam à barbárie, como fez recentemente a apresentadora Sheherazade, do SBT, ao incitar a população à violência. Nas redes sociais, jornalistas a defenderam com unhas e dentes, num corporativismo cego, a ponto de a considerar uma “grande profissional”. O que se pode esperar desse jornalismo?

Enfim, a violência é latente, recrudesce em ondas coloridas de sangue, de tempos em tempos, e expõe a hipocrisia da sociedade.

Como disse o modernista Oswald de Andrade, “ninguém escapou da vagina fraudulenta e do pênis opressor”. O mito do “homem cordial” do grande historiador Sérgio Buarque de Holanda se desfez. Por que não optamos por amarrar o jirau no firmamento, virado no brilho inútil das estrelas, como queria Macunaíma, nosso herói sem caráter, imaginado pelo escritor Mário de Andrade? O balanço do ranger rede pode bem lembrar moda de viola, dizia.

“Ai que preguiça!”

Laurez Cerqueira é autor, dentre outros trabalhos, de Florestan Fernandes – vida e obra e O outro lado do real.

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16 de fevereiro de 2014

Black_Bloc23A

A baderna paga a R$150,00 demonstra o fracasso de quem não tem capacidade de atrair a população para suas ideias.

Paulo Moreira Leite em seu blog

A notícia de que dirigentes de alguns partidos de esquerda não-petista decidiram pagar R$150,00 para garantir presença em seus protestos políticos não é grave. É deprimente.

Se é imoral comprar votos numa eleição, eu acho ainda mais condenável comprar presença em manifestação. É prova de um grande fracasso político.

Apenas lideranças incapazes de formular propostas para atrair uma parcela significativa população para seus projetos têm necessidade de fazer isso. Claro que nossa história está recheada de cabos eleitorais profissionais e que a maioria dos partidos com alguma estrutura – e mesmo organizações pequenas – tem lã seus funcionários pagos. Já fui a vários comícios, de vários partidos, onde a massa presente era composta de funcionários públicos forçados a bater palma. É vergonhoso, é desagradável, mas não é disso que estamos falando.

Estamos diante de pessoas que são arregimentadas – e pagas – para cometer atos de provocação.

É possível travar um debate legítimo com uma pessoa que comete atos de violência.

Ela pode estar convencida de uma ideia errada – mas há um debate a ser feito. Você pode queimar a garganta falando sobre a conjuntura, a relação de forças, os valores democráticos, o diabo.

Outra coisa é enfrentar alguém que é pago para fazer uma provocação.

O que se faz? Paga-se R$200,00 para o cara mudar de ideia?

É claro que essa situação serve de estímulo a um coral conservador contra a democracia, a favor da criminalização dos movimentos sociais e, não se enganem, contra a luta política em geral.

O alvo final é a democracia.

Veja o absurdo: a morte de Santiago Andrade, provocada por um rojão arremessado por um capanga – o nome está errado? é forte? – contra um cinegrafista que poderia ter tido a vida salva se lhe tivessem dado equipamento adequado, ameaçou criar uma crise política real.

E era tudo teatro, artifício, encenação – apenas o sangue era de verdade.

Há outro ponto curioso para se observar.

Como ficou claro em junho de 2013, a baderna e mesmo a violência dos protestos chegaram a receber estímulos – dentro de certo limite – por parte da oposição ao governo Dilma. A razão era óbvia. Estes movimentos ajudavam a desgastar o governo Dilma, associavam o Planalto com a ideia de baderna, o que poderia se transformar num motivo a mais para se tentar mudar o voto do eleitorado em 2014.

Resta saber o que vai acontecer agora.

Como aconteceu em outras eleições, partidos de esquerda planejam lançar candidatos próprios em 2014.

É claro que, sem nenhuma chance real de vitória, todos serão preservados – na medida do possível – em sua função de roubar votos à esquerda do governo, ajudando a oposição conservadora em seu esforço estratégico de garantir uma eleição em dois turnos. Todos estão unidos na bandeira Não vai ter Copa, lembram?

Todos têm o direito de apresentar propostas e defender suas ideias. Mas a provocação e o embuste não fazem parte de métodos aceitáveis de disputa política.

O fundo da questão é este.

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