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Folha mente sobre protesto do MST

16 de fevereiro de 2014

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Altamiro Borges em seu blog

O jornal Folha de S.Paulo – o mesmo que apoiou o golpe militar de 1964 para derrotar a “república sindicalista” de João Goulart e que cedeu suas peruas aos órgãos de repressão da ditadura – nunca gostou do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O jornal já publicou vários editoriais e “reporcagens” contra o MST e acionou seus “calunistas” para atacá-lo – inclusive usando recursos públicos durante o reinado de FHC.

Na sexta-feira, dia 14, a Folha obrou mais uma calúnia contra os sem-terra. Afirmou que seus líderes incitaram a violência durante uma marcha em Brasília. As cenas exibidas na tevê, porém, mostram o inverso. A polícia provocou os manifestantes e ainda foi salva por um cordão de isolamento.

O objetivo do editorial da Folha é evidente. Visa satanizar o MST e inviabilizar a reforma agrária. Para o jornal, o movimento é uma “criança de 30 anos” que, “cada vez menos relevante, encontra nos tumultos um meio de chamar a atenção de uma sociedade voltada para outras causas”.

Na visão da decrépita famiglia Frias, o MST possui ideias “arcaicas”, “caráter arbitrário e pendor para o confronto”. Para o jornal, porta-voz do velho latifúndio e do “moderno” agronegócio, não há mais espaço para a reforma agrária no país. “O setor é um dos que mais se moderniza no Brasil, ostentando seguidos saltos de produtividade… O MST, a despeito disso, insiste numa reforma agrária utópica”.

“Talvez por causa desse sinal de irrelevância o MST considerou importante chamar a atenção por outros meios. Anteontem, em Brasília, alguns de seus integrantes ameaçaram invadir o STF e provocaram tumulto na praça dos Três Poderes. O grupo ganhou o noticiário, como decerto desejava, mas não por suas ideias ou sua pujança. A organização já não mobiliza como na década de 1990, e sua direção é cada vez mais refém do próprio movimento, vendo neste um fim em si mesmo, e não apenas um meio. Está na hora de o MST crescer, mas de nada ajuda que, um dia depois da confusão, a presidente Dilma Rousseff tenha se reunido com líderes da entidade”, conclui o rancoroso editorial.

O jornal da famiglia Frias sabe que mente sobre o “tumulto”. Até o insuspeito Jornal Nacional da TV Globo mostrou que a polícia provocou e agiu de forma desequilibrada e que os líderes do MST evitaram consequências mais graves no incidente. O ódio estampado no editorial, porém, tem outro propósito. A revolta é exatamente contra a demonstração de força do movimento, que levou mais de 15 mil camponeses a Brasília, reuniu lideranças políticas de vários partidos em seu sexto congresso nacional, promoveu uma bela exposição dos produtos da reforma agrária e definiu os próximos desafios do MST. Para coroar de êxito a iniciativa, seus líderes ainda foram recebidos em audiência pela presidenta Dilma Rousseff.

O episódio irrita a Folha, que não tem nada de “criança” – é uma velhaca reacionária, cada vez mais “irrelevante”!

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Os 30 anos de ódio ao MST nas páginas de Veja

16 de fevereiro de 2014

Veja_MST01O que os ataques e silêncios da revista sobre o maior movimento social brasileiro revelam sobre a história recente da política brasileira.

Najla Passos, via Carta Maior

O ódio da mídia ao MST acompanha os 30 anos do movimento, desde a sua fundação, em janeiro de 1984. Mas o padrão de manipulação usado para tentar fraudar a imagem do movimento muda bastante, acompanhando a conjuntura e tentando tirar proveito dela. Prova é a forma com que a maior revista do país, a Veja, teceu a trajetória do MST em suas páginas: primeiro com a tentativa de cooptação, depois com total invisibilidade, até a campanha permanente de criminalização, que oscilou da associação com o perigo comunista, herdada da ditadura, à acusação de terrorismo, no período pós 11 de setembro. Nos últimos anos, uma nova condenação ao ostracismo, acompanhada pelo conjunto da mídia, garantiu a retirada do tema reforma agrária da pauta nacional.

O MST foi fundado no bojo do mesmo desejo de democracia que levou às ruas a Campanha das Diretas Já, como um movimento pacífico de luta pela terra. Mas o esforço dos companheiros que tentavam retomar a pauta da reforma agrária, interrompida com o deposição de João Goulart em 1964, não mereceu nem mesmo uma linha nas páginas da revista. Isso só viria a acontecer em junho do ano seguinte, quando José Sarney já havia herdado de Tancredo Neves o posto de primeiro presidente civil pós-ditadura, e acabava de lançar um pacote para viabilizar uma espécie de reforma agrária que jamais sairia do papel.

Assumindo para si um papel nunca a ela delegado de mediadora do “pacto social” que Sarney propunha ao Brasil polarizado, Veja defendeu o pacote na reportagem de capa “Reforma Agrária – os fazendeiros se armam”, de 19 de junho de 1985. O MST, que não apoiava a proposta, aparecia como um movimento localizado apenas em Santa Catarina, sem respaldo suficiente para se tornar um grande interlocutor do governo em relação ao tema.

O movimento voltou a ser capa da revista quando o país já se deparava com as falsas promessas de desenvolvimento do neoliberalismo, defendido com veemência pela revista. O alagoano Fernando Collor de Mello, lançado nas famosas páginas amarelas como o Caçador de Marajás, havia ganhado a primeira eleição presidencial pós-ditadura, prometendo abertura às importações e diminuição das funções do Estado, em contraposição ao sindicalista Luiz Inácio da Silva, que defendia pautas mais sociais, como a bandeira da reforma agrária do MST.

No dia 15 de agosto de 1990, a Veja publicou sua primeira reportagem atacando frontalmente o MST. Na foto de capa, um único sem-terra, “armado” com sua foice, aterrorizava um exército de policiais armados com escudos, cassetetes e revólveres. Inaugurou ali a utilização do clássico termo “baderna”, com que até hoje descreve as ações do movimento. Depois disso, a revista se calou acerca do MST, que continuou crescendo, a ponto de se transformar no maior movimento social brasileiro.

Ostracismo midiático

Em 1994, na corrida presidencial que contrapunha o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e novamente o operário Lula, o MST começou a ganhar espaço em outros órgãos de imprensa. A Folha de S.Paulo, em 1994, publicou 40 matérias sobre o MST. Em 1995, já com Fernando Henrique na presidência, foram 450. A Veja, porém, continuou firme no seu propósito de condenar o movimento ao ostracismo e, assim, manter longe da agenda nacional a pauta da reforma agrária. Duas grandes tragédias, porém, lançaram nova luz sobre o movimento: os massacres de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás.

Em 9 de agosto de 1995, 355 sem-terra foram presos e torturados, 125 ficaram gravemente feridos e nove morreram, incluindo a pequena Vanessa, de 6 anos. Eles não eram ligados ao MST, mas a imprensa não fez esta distinção ao tratar do caso. O assunto ganhou repercussão internacional. Ainda assim, Veja resistiu o quanto pode. Só foi noticiar o massacre quase um mês depois, na edição de 6 de setembro. A matéria “Executados, torturados e humilhados” apresentava o tom de indignação que tomava o mundo e não fazia alusões ao MST.

Em 17 de abril de 1996, 21 sem-terra ligados ao MST foram brutalmente executados e 51 ficaram feridos, no Massacre de Eldorado dos Carajás. O crime causou comoção mundial e a Veja não pode mais ignorar o movimento. Na edição de 24 de abril, a revista era pura indignação. A própria capa já era uma denúncia contra a atrocidade, com a exibição de um trabalhador rural assassinado com um tiro na nuca.

Na reportagem, Veja trouxe pela primeira vez a menção a um Brasil arcaico e um outro moderno, a partir de uma analogia usada dias antes pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo a revista, “como um sociólogo debruçado sobre personagens de uma tese acadêmica, e não pessoas de carne e osso, com sonhos de um futuro melhor, filhos pra criar e uma vida para tocar, Fernando Henrique classificou os sem-terra e a PM de representantes do “Brasil arcaico”, em oposição ao “moderno”, do qual se considera representante, talvez condutor”. Mas se a matéria principal tecia uma das raras críticas da publicação ao presidente e se mostrava solidária aos sem-terra, o box intitulado “O Sindicato-partido do MST” fazia o oposto, ao afirmar que o movimento era armado e tinha tradição de enfrentar a polícia.

Alvo prioritário

Após 1996, durante o império do pensamento único, a Veja transformou o MST em seu alvo prioritário. De acordo com a pesquisadora Carla Silva, no livro “Veja: o indispensável partido neoliberal”, as investidas contra o movimento superaram até mesmo os ataques ao PT e a igreja combativa. “Neste caso [do MST] não há uma tentativa de cooptação ou de diálogo, como se vê em relação ao PT, a quem a revista busca em vários momentos apontar linhas de ação. Também não há uma visão despolitizada como a Renovação Carismática colocada em oposição à CNBB. No caso do MST, a crítica é permanente”, registrou ela.

Na edição de 16 de abril de 1997, “A marcha dos radicais – quem são e o que querem os sem-terra” apresentava o movimento como o retrato mais perfeito do Brasil arcaico de que falava FHC em 1995 – e que até a própria Veja condenara. Os sem-terra eram apresentados como um povo inculto e atrasado, tal como os beatos seguidores de Antônio Conselheiro que desafiaram a República a se lançar na Guerra de Canudos. “Representantes de um Brasil arcaico, descalços, dentes ruins, bicho-de-pé e pouco estudo, os sem-terra invadem propriedades, desrespeitam a lei e enfrentam a polícia. Já morreram e mataram nesses conflitos. Parecem um pouco os fanáticos do beato Antônio Conselheiro”, pregava a revista.

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Em outro momento, a reportagem acabava por revelar o porquê do seu ódio ao MST, considerado por ela a única oposição, de fato, ao governo FHC, após o que classificava de “desmoronamento da oposição sindical, da oposição de esquerda (PT e Lula) e também da de direita (o PPB de Maluf)”. E, em um terceiro momento, justificava porque precisava inverter a imagem do movimento perante a população: pesquisa do Ibope realizada no período mostrava que 83% dos brasileiros apoiavam a reforma agrária e 40% eram favoráveis, até mesmo à invasão de fazendas.

O MST e o “perigo vermelho”

As investidas da Veja contra o MST se tornaram mais agressivas nos anos seguintes. Na edição de 3 de junho de 1998, às vésperas da eleição que reconduziu FHC à presidência, a revista apresentava aos seus leitores um MST absolutamente aterrorizante. A foto de capa trazia João Pedro Stédile, umas das principais lideranças do movimento, com feições sérias, em tons vermelhos, a própria encarnação do demônio. O texto “A esquerda com raiva – inspirados por ideais zapatistas, leninistas, maoístas e cristãos, os líderes do MST pregam a implosão da democracia burguesa e sonham com um Brasil socialista” resgatava o pânico do perigo vermelho inculcado nos brasileiros pela ditadura.

Em 10 de maio de 2000, mais um exemplo: a matéria de capa “A tática da baderna – O MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista” voltava a semear o pânico. O texto da reportagem seguia a mesma linha: “Numa palavra, o MST não quer mais terra. O movimento quer toda a terra, quer tomar o poder no país por meio da revolução e, feito isso, implantar por aqui um socialismo tardio […]”. Num box com a suíte “Meu nome é Stédile, João Stédile”, uma fotomontagem apresentava o líder sem-terra vestido de smoking e portando pistola automática, no melhor estilo James Bond, o espião da série 007 que tinha licença da rainha da Inglaterra para matar.

O MST terrorista

Depois dos atentados de 11 de setembro de 2011, com o mundo estarrecido frente ao perigo terrorista, a Veja se apropriou do pânico generalizado para, mais uma vez, inovar no tratamento destinado ao MST. A etapa da tentativa de construção desse “MST terrorista” propagado pela revista começou com a publicação, em 18 de junho de 2003, quando Lula já havia assumido a presidência, da reportagem de capa em analogia direta à capa de 1998 que trazia Stédile travestido de diabo.

Nesta, o eleito para compor o quadro foi o então líder do movimento, José Rainha, estampado em foto de capa com a manchete “A esquerda delirante – Para salvar os miseráveis dos “desconfortos do capitalismo, o líder sem-terra José Rainha ameaça criar no interior de São Paulo um acampamento gigantesco como o de Canudos, instalado há um século por Antônio conselheiro no sertão da Bahia”.

Na reportagem, os mesmos estereótipos martelados na década anterior: anacronismo, atraso, radicalismo e táticas agressivas foram algumas das expressões reutilizadas. Também veio da década anterior a associação do líder sem-terra com o beato Antônio Conselheiro, tratado pela história oficial como o fanático que não aceitava os tempos modernos da república. Seguidores, pregação, beato, promessas e glorificação ideológica ajudavam a compor o texto que não poupou nem mesmo Euclides da Cunha, autor do clássico Os Sertões, que fala sobre Canudos, a ser citado na matéria para respaldar os absurdos propagados pela revista.

A partir daí, as matérias negativas contra o MST se tornaram pauta obrigatória em todas as edições da revista. Exemplo claro é o editorial “Veja avisou”, da edição de 2 de julho de 2003, que recuperava todas as críticas feitas pela revista ao movimento ao longo da década. Em 30 de julho, a matéria “Stédile declara guerra” reforçava a associação do movimento à baderna e à violência, acusando-o de misturar os “excluídos do campo e da cidade, o complexo de culpa da classe média e a falta de firmeza das autoridades com as ilegalidades praticadas”. Foi nesta toada que a Veja concluiu o primeiro ano do mandado do ex-presidente Lula.

No início de 2004, a bancada ruralista, munida das páginas de Veja, começou a colher assinaturas para a instalação da CPI da Terra. A revista continuou firme na campanha, cada vez mais ácida. Na edição de 14 de abril daquele ano, a reportagem “O abril sem lei do MST” atestava a inoperância do governo Lula para conter as “ações criminosas” do movimento: a luta pela reforma agrária. Na semana seguinte, a matéria “Como na guerra” narrava a história de um fazendeiro obrigado a fazer barricadas para se proteger dos “beligerantes” sem-terra.

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As “madraçais” do MST

No final de setembro, o deputado João Batista usou a Tribuna da Câmara para exigir que o MEC fiscalizasse as escolas mantidas com dinheiro público nos assentamentos. Com base em matéria publicada pela Veja, ele acusava as escolas de formar futuros revolucionários, extirpando “o raciocínio lógico e o senso crítico” dos futuros cidadãos brasileiros. A base da denúncia que gerou calorosos debates foi a matéria “Madraçais do MST”, publicada na edição de 8 de setembro de 2004. “Assim como os internatos muçulmanos, as escolas dos Sem-Terra ensinam o ódio e instigam a revolução. Os infiéis, no caso, somos todos nós”, bradava a revista.

Em 2005, uma nova e ousada tentativa de criminalizar o MST. Na matéria “Ligações perigosas – escuta mostra que o MST orientou a facção criminosa PCC a organizar uma manifestação”, a revista acusava, sem nenhuma base palpável, o maior movimento social de brasileiro de ter relações sólidas com o movimento criminoso que, à época, assustava o país. As ligações jamais foram comprovadas, mas a revista nunca desmentiu as acusações.

No final do ano, a tal CPI da Terra apresentou seu relatório final propondo a transformação de invasão de terra em prática terrorista. Veja apelou de novo. Na reportagem “O terror contra o saber – braço feminino do MST destrói laboratório com mais de uma década de pesquisas”. A revista, claro, omitiu que o tal laboratório, da empresa Aracruz, realizava pesquisas com sementes transgênicas que causavam imensos prejuízos à agricultura familiar e agroecológica da região.

Nesta época, o desgaste sofrido pela imagem do MST já era claramente perceptível. Uma nova pesquisa do Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em 2006, mostrou o efeito de uma década de propaganda de Veja contra o MST: 56% dos brasileiros achavam que as ações do MST causavam mais resultados negativos para a reforma agrária do que positivos e 53% acreditavam que o governo deveria usar a polícia para conter as invasões.

Ataques e omissões recentes

Em 2009, a Veja conseguiu, enfim, respaldar a instalação de mais uma CPI para investigar o MST, a partir da reportagem de capa “Por dentro do cofre do MST”, na qual a revista acusava o governo federal e entidades internacionais de financiar as atividades classificadas como criminosas do movimento. Era a terceira, criada em cinco anos, para investigar e desgastar o MST. Para o governo Lula, ficava cada vez mais temerário apoiar o movimento já associado ao terrorismo, mesmo que, contra eles, não se provasse nada. A causa da reforma agrária foi sendo cada vez mais minada e abandonada.

Desde então, a presença do MST nas páginas da revista foi declinando. A luta dos sem-terra pela reforma agrária nunca mais mereceu reportagem de capa, ainda que para criticá-la. A presidenta Dilma Rousseff assumiu a presidência e governou os três primeiros anos do seu mandato com o MST e a reforma agrária na mais absoluta invisibilidade. Portanto, foi mais fácil para ela registrar os piores índices de investimentos na causa: conseguiu destinar um volume de terras à reforma agrária menor do que seu adversário, FHC, e assentou um número menor de famílias do que seu antecessor, Lula. E com a benevolência da revista.

Resposta à Veja: Onde está o Brasil? Acorrentado ao poste, como aquele negro. A corrente é a mídia

12 de fevereiro de 2014

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Fernando Brito, via Tijolaço

A revista Veja, uma espécie de toque de Midas ao inverso, que transforma em imundície tudo em que toca, coloca em sua capa a imagem do menino negro, acorrentado a um poste por um bando de tarados do Flamengo, pergunta “Onde está o Brasil equilibrado, rico em petróleo, educado e viável que só o governo enxerga?”.

A Veja merece resposta.

Não para ela, que é muito mais incorrigível que o pequeno delinquente que lhe serve de carniça. Porque ela, ao contrário dele, tem meios e modos para entender o que é civilização, enquanto ele precisa ocupar o tempo arranjando algum resto de comida para engolir, uma cola de sapateiro para cheirar em lugar do respeitável pó branco das festas da elite, e uma banca de jornal que lhe sirva de colchão de lata ou teto de zinco, se chove ou se faz sol.

A resposta à Veja é necessária para que este império de maldade e seus garbosos centuriões saibam que existe quem não lhe abaixe a cabeça e anuncie que fará tudo, tudo o que puder, enquanto a vida durar, para arrancar o Brasil das correntes com que a fina elite e seus brucutus anabolizados da mídia o amarram no poste do atraso, da submissão, da pobreza e da vil condição de uma sociedade de castas, onde eles são a nobreza opulenta.

O Brasil, senhores de Veja, é este negrinho. Está cheio de deformações, de cicatrizes, de desvios de conduta, de desesperança e fatalismo. Estas marcas, nele, foram você que as fizeram, abandonando-o à sua própria sorte, vendo crescer gerações nas ruas, ignorando-os, desprezando.

Tudo estaria bem se ele estivesse lá, no gueto das favelas, tendo uma existência miserável e conformada. Ou sendo um dos muitos que, por uma força até inexplicável, conseguem se sacrificar, como seus pais se sacrificam, para ter uma pobre escola pública, um trabalho mal-pago, uns bailezinhos funk por lá mesmo, com as devidas arrochadas da PM, os capitães de mato, negros e pardos como eles, mas a serviço dos “buana”.

Não é isso o que diz um dos “civilizados” aos quais a Veja serve de megafone, como está lá em cima?

A pobreza em que os governos que vocês apoiam, as elites que vocês representam e os interesses a que vocês servem tem, entretanto, destes efeitos colaterais. Porque aquele menino, como o Brasil, vê o mundo como vocês mostram, canta as músicas que vocês tocam, pensa o que vocês martelam em sua cabeça, tem os desejos que vocês glamorizam.

É foda, foda é assistir a propaganda e ver: “Não dá pra ter aquilo pra você”.

E o que tem pra eles, mesmo um pouquinho, vocês combatem furiosamente: uma bolsa-família, um salário mínimo menos pior, uma cota para a universidade…

Populismo, dizem vocês…

Aquele menino e as mazelas de sua vida nunca tiveram de vocês o tratamento do “Rei dos Camarotes”, aquele idiota. Ou como o “Rei dos Tribunais”, que vocês bajulam porque, politicamente, lhes é interessante explorar seu comportamento para atacar o Governo, embora ele tenha ficado quieto diante desta monstruosidade, quando gosta tanto dos holofotes para outros temas.

Aliás, quanto ele terá contribuído para a visão do “mata e esfola”, do pré-julgamento, do “não tem lei” para quem eu ache bandido?

Vocês não fazem uma matéria sobre os monstros que andam em bando, encapuzados, de porrete na mão, para distribuir bordoadas no “lixo social”, lixo que o seu sistema de poder produz há séculos.

Aqueles que tentam amenizar um pouco que seja isso é tratado como um primitivo, um arcaico, que não entendeu que só “o mercado” nos salvará.

Ou um “escravo”, como os médicos que aceitaram ir tratar dos negrinhos da periferia ou do interior, onde os coxinhas da Veja não querem ir.

O mercado do qual o menino terá – se tiver – a xepa. E ele tem direito a mais, porque ele brotou – feio e torto – desta terra. Não veio de fora para fazer fortuna entre nós e não ser um de nós.

O negrinho está acorrentado, Veja, e acorrentado por quem o domina.

O Brasil também, e também seu governo que, se não se “comportar” para com os que de fato o dominam, levará mais bordoadas do que já leva, por sua insubmissão.

Acorrentado por uma cadeia mental, a mídia, uma corrente da qual vocês são um dos maiores e mais odiosos elos.

Aquele negrinho não pode ter um destino próprio, apenas o papel que lhe derem, como o Brasil não pode ter seu próprio destino, aquele que convém a vocês e não nos tira do mesmo lugar.

Esta corrente, entretanto, é podre. Podre, podre de não se poder disfarçar o fedor que exala. E está se esgarçando, para desespero dos que contam com ela para nos manter atados.

O “Brasil equilibrado, rico em petróleo, educado e viável” que vocês dizem que só o Governo enxerga, de uns anos para cá, surgiu diante do povo brasileiro, depois de décadas de fatalismo de “este país é uma merda mesmo” que vocês nos inculcaram, a nós, os negrinhos. E ele nos atrai com tanta força que não será esta corrente imunda, de elos podres, que o deterá.

Por mais que vocês se arreganhem, como fazem os impérios em decadência, por mais que se comportem, nas bancas, como aqueles facínoras de porrete, será inútil.

Vocês já não são a única voz, embora muitos ainda os temam e procurem, inutilmente, cair nas suas boas graças com juras de vassalagem ao que vocês representam.

O mundo de vocês é o passado, é o da escravidão, é o da aristocracia que, tão boazinha, até deixa entrar alguns negrinhos na cozinha, desde que se comportem e não façam sujeira.

É o passado, porque o futuro tem uma força tão grande, tão imensa, tão inexorável que, logo, vocês penderão de um poste.

Não, fiquem calmos, não estou sugerindo enforcamentos, como foi o do Mussolini…

Apenas penderão como um elo roto de um poste velho e carcomido, que não tem mais luz, nem serventia.

Demóstenes da Veja vai para a cadeia?

2 de fevereiro de 2014

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Altamiro Borges em seu blog

Finalmente, o Tribunal de Justiça de Goiás decidiu analisar e julgar as denúncias sobre a ligação do ex-senador Demóstenes Torres com o mafioso Carlinhos Cachoeira. O escândalo envolvendo o “mosqueteiro da ética” da revista Veja e o “empresário dos jogos de azar”, como a mídia insiste em tratar o mafioso, veio à tona em 2012 com a “Operação Monte Carlo” da Polícia Federal. Segundo a apuração do Ministério Público, o demo travestido de moralista, que chegou a ser apontado como presidenciável do DEM, recebeu vantagens indevidas, como bebidas importadas, eletrodomésticos de luxo e mais de R$5 milhões, para favorecer Carlinhos Cachoeira em vários negócios ilícitos.

O Ministério Público também denunciou a participação do ex-senador em negociatas favoráveis à construtora Delta. Diante do risco de cassação, Demóstenes Torres renunciou ao seu mandato em 2012. A manobra fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhasse o caso para o Tribunal de Justiça de Goiás, sob a alegação de perda da prerrogativa de foro. Passado todo este tempo, agora o tribunal goiano decide analisar o escândalo. Neste longo período, o ex-senador continuou recebendo seus altos proventos como procurador da Justiça e pode passear pela Itália e fazer compras em boutiques de luxo. Além disso, ele continuou atuando para limpar a sua barra, inclusive com o uso de violência.

Na sexta-feira, dia 24, o Estadão informou que o advogado Neilton Cruvinel “registrou boletim de ocorrência na polícia de Goiás no qual diz que o ex-senador prometeu degolá-lo”. A ameaça de morte teria ocorrido durante encontro no próprio apartamento de Demóstenes Torres em dezembro passado, que teve também a presença de Carlinhos Cachoeira e do empresário Maurício Sampaio. “Na versão de Cruvinel, Demóstenes passou a xingá-lo, a dizer que tinha feito intrigas, e a acusá-lo de haver dito para várias pessoas que o escritório de advocacia de ambos seria também de Cachoeira. Cruvinel declarou que Demóstenes tentou agredi-lo, mas foi contido por Sampaio e por Cachoeira”.

Ainda segundo o jornal, o advogado registrou no boletim de ocorrência que “só conseguiu sair do apartamento porque o ex-senador era contido pelo empresário, mas Demóstenes se desvencilhou e segurou a porta do elevador para dizer que iria ‘matá-lo, degolá-lo e que iria acabar com sua vida’. Cruvinel afirmou ainda que ‘não tinha como deixar de relatar essa ameaça porque sabe que ela é real, que Demóstenes planeja atentar contra sua vida’”. Procurado pela equipe do Estadão, Demóstenes Torres preferiu não se manifestar sobre a “suposta ameaça”. Será que agora o “cavaleiro da ética” da Veja, que se projetou por sua postura midiática contra os “mensaleiros petistas”, vai para a cadeia?

A conferir!

Serra, Gilmar, Demóstenes e Dantas: Operação Banqueiro revela as duas maiores fábricas de dossiês do Brasil

16 de janeiro de 2014

Luis Nassif, via Jornal GGN

O livro Operação Banqueiro, do jornalista Rubens Valente, caminha para se tornar um clássico na devassa das relações estado-lobbies privados, especialmente o capítulo “As ameaças do grande credor”, que descreve a correspondência do superlobista Roberto Amaral com Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity, reportando e-mails e conversas que manteve em 2002 com o então presidente Fernando Henrique Cardoso e o candidato José Serra.

As mensagens constam de dez CDs remetidos à Procuradoria Geral da República em Brasília – e que permaneceram na gaveta do PGR Roberto Gurgel, que não tomou providência em relação ao seu conteúdo.

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Serra e o lobista Roberto Amaral.

Nas mensagens a FHC e Serra, Amaral insiste para que se impeça a justiça de Cayman de entregar a relação de contas de brasileiros nos fundos do Opportunity. Amaral acenava com os riscos de se abrir os precedentes e, depois, o Ministério Público Federal investir sobre as contas do Banco Matrix – de propriedade de André Lara Rezende e Luiz Carlos Mendonça de Barros, figuras ativas no processo de privatização. E, principalmente, sobre as contas de Ricardo Sérgio, colocado por Serra na vice-presidência internacional do Banco do Brasil. Parte das mensagens havia sido divulgada em 2011 pela revista Época (clique aqui).

São relevantes para demonstrar que o Opportunity tornou-se uma questão de Estado, com envolvimento direto de FHC (tratado como “pessoa” nos e-mails entre Amaral e Dantas), José Serra (alcunhado de “Niger”) e Andréa Matarazzo (tratado como “Conde”). Dantas era alcunhado de “grande credor”.

Mostra também como Gilmar Mendes, então na Advocacia Geral da União (AGU), foi acionado em questões que interessavam ao Opportunity junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Não apenas por isso, mas pelo levantamento minucioso de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), das pressões sobre procuradores e policiais, da atividade pró-Dantas de advogados ligados ao PT, trata-se de obra definitiva para se entender os meandros da estratégia que resultou na anulação da Operação Satiagraha.

Em entrevista a Sérgio Lyrio, da CartaCapital, Valente afirma que “sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular”.

É mais do que isso. Nem Mendes nem Dantas individualmente teriam o poder de influenciar os quatro grandes grupos de mídia. O único personagem com capacidade de unir todas as pontas em torno de uma bandeira maior – a conquista da Presidência da República – era José Serra. É a partir dele que deve ser puxado o fio da meada.

Satiagraha foi a 1ª Guerra Mundial da mídia, um ensaio para as guerras seguintes, nas eleições de 2010 em diante.

As fábricas de dossiês

Valente não aborda o papel da mídia e a maneira como eram construídos os dossiês. Os dados abaixo são de levantamentos antigos do blog, aos quais se somam algumas revelações adicionais do livro.

Na série “O caso de Veja” havia mostrado a maneira como Dantas e a Veja se valiam de dossiês para fuzilar não apenas adversários políticos, mas magistrados e jornalistas que ousassem investir contra os interesses do banqueiro. É a mesma tecnologia – de dossiês e assassinatos de reputação, com ampla repercussão midiática – reproduzida no modo Cachoeira-Veja de atuar e, antes, no modo Serra exemplificado no caso Lunus.

Dois capítulos da série merecem atenção especial:

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● Desembargador do STJ, Edson Vidigal confirmou uma sentença contra Dantas. Veja fuzilou-o em uma matéria com acusações dúbias. A matéria informava que as acusações mereceram representação contra ele no CNJ. Vai-se conferir a representação e ela tomava como base a própria reportagem da Veja. Ou seja, a revista noticiou a representação mesmo antes da denúncia que serviu de base para ela ser publicada.

O caso Márcia Cunha – uma juíza séria, do Rio, foi fuzilada pela Folha por contrariar interesses de Dantas e ter recusado proposta de suborno. Tempos depois, constatou-se sua inocência e comprovou-se a tentativa de suborno.

O livro de Valente passa ao largo da atuação da mídia, mas permite colocar as últimas pedras do quebra cabeça para entender as sementes do modelo de manipulação visando resultados políticos e jurídicos, e que se torna padrão na atuação de Dantas, de Serra (com o ápice do caso da “bolinha de papel”) e de Cachoeira.

O infográfico abaixo mostra os principais atores desse período de uso intensivo de factoides, que se inicia com o caso Lunus, em 2002, e se encerra (pelo menos nesta fase) com dois episódios simultâneos: a CPI de Carlinhos Cachoeira e o julgamento da AP 470. Todos os personagens citados estiveram envolvidos na indústria de dossiês.

Ao longo do artigo, essas ligações serão melhor esmiuçadas. Não fazem parte do livro, que fornece apenas algumas peças do quebra-cabeças, como o fato de até 2002 Serra considerar Dantas homem de ACM. Embora desde alguns anos antes, Dantas já tivesse se tornado sócio de Verônica Serra.

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Sobre a tecnologia de manipulação da Justiça

Na Satiagraha foi colocada em prática a tecnologia midiática que tornou-se padrão nos anos seguintes, até o ápice no julgamento da AP 470.

Consistia nas seguintes etapas:

Etapa 1 – O ministro Gilmar Mendes criava um fato político, verdadeiro ou falso, visando provocar comoção no STF e na opinião pública. Em geral eram fatos baseados exclusivamente nas afirmações dele, sem nenhuma testemunha que os corroborasse.

Etapa 2 Veja transformava o fato em reportagem de capa, valendo-se do padrão que consagrou nas parcerias com Carlinhos Cachoeira.

Etapa 3 – No momento seguinte, o fato era repercutido pelo Jornal Nacional e demais grupos integrantes do cartel jornalístico.

Etapa 4 – Com base na repercussão, parlamentares ou autoridades judiciais aliadas da revista solicitavam providências que acabavam se completando devido ao clamor da mídia.

O clamor da mídia, a criação da figura do inimigo externo e o macartismo colocado em prática forneciam a blindagem para as ações de outros personagens, como os ex-procuradores gerais da República Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, além de ministros do STF.

O piloto desse tipo de operação foi o caso Lunus, que inviabilizou a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da República. E a continuação foi a campanha de 2010, com a fabricação infindável de dossiês falsos repercutidos pela velha mídia.

A montagem da central de dossiês

É na Operação Lunus que estão as pistas para se chegar ao início do nosso modelo. Ele nasce com a nomeação de José Serra para ministro da Saúde. Por intermédio da Central de Medicamentos (Ceme), Serra monta o embrião de sua indústria de dossiês, contratando três especialistas em trabalhos de inteligência: o subprocurador da República José Roberto Santoro, o policial federal Marcelo Itagiba e o ex-militar Enio Fonteles, dono da Fence Consultoria Empresarial, especializada em arapongagem.

A primeira grande ação do grupo foi a Operação Lunus. Usou-se o poder de Estado para tal. Do lado do Ministério Público, Santoro imiscuiu-se em um inquérito que não era dele e coordenou a ação cujo titular era o procurador Mário Lúcio Avellar. Policiais federais montaram campana, identificaram o dia e a hora em que a Lunus – de Jorge Murad – receberia contribuições e montaram um flagrante acompanhado de uma equipe do Jornal Nacional. Para melhorar a cena, arrumou-se o dinheiro em pacotes de grande visibilidade, facilitando o impacto televisivo.

Essa mesma jogada – de empilhar o dinheiro para dar impacto televisivo – foi repetida no caso dos “aloprados”, em 2006, entre um delegado da Polícia Federal e o Jornal Nacional.

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Impacto no PIG: A cena da Lunus (esquerda) e dos aloprados (direita).

Houve indícios de envolvimento direto da Presidência da República com a Operação Lunus. Da própria empresa foi enviado um telex para o Palácio do Planalto dando conta do sucesso da operação. A mídia ainda não estava fechada com Serra e a cobertura da época desvendou rapidamente a jogada.

A Fence recebia por varredura efetuada. Segundo reportagem da revista Veja, de 20/3/2002, de 1º de janeiro a 28 de fevereiro de 2002, período que antecedeu a Operação Lunus, a Fence recebeu do Ministério R$210 mil. Para tanto, necessitaria ter realizado 840 varreduras em menos de 60 dias, ou quase 14 varreduras por dia (clique aqui).

É evidente que o pagamento não se devia a varreduras internas no Ministério. Depois que tomou posse como governador, Serra contratou a Fence para monitorar todos os telefonemas do Estado de São Paulo que passavam pela Prodesp (empresa de processamento de dados do estado) e “outras de seu interesse”.

Reportagem da Folha, de 17 de março de 2002, dizia o seguinte sobre Santoro e Itagiba (clique aqui):

“O presidenciável tucano, senador José Serra (SP), conseguiu reunir sob as asas de aliados as duas principais investigações em curso que podem prejudicar sua candidatura ou implodir a campanha de seus adversários. São eles o subprocurador da República José Roberto Santoro e o delegado de Polícia Federal Marcelo Itagiba”.

A reportagem mostrava como Santoro coordenou informalmente o pedido de busca e apreensão de documentos na Lunus. E como Itagiba se valeu do cargo de superintendente regional da PF para afastar um delegado que investigava doações de campanha a Serra. Segundo a matéria, era antiga a parceria de Santoro e Itagiba:

“José Roberto Santoro e Marcelo Itagiba fazem parte da tropa de choque de Serra no aparato policial e de investigação. Os dois já estiveram juntos antes. Em 2000, enquanto Santoro promovia ações judiciais de interesse do então ministro José Serra na área da saúde, Itagiba coordenava uma equipe instalada na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]para investigar laboratórios”.

A aproximação com Cachoeira

O esquema Serra gerou dossiês contra competidores internos no PSDB – Paulo Renato de Souza, Tasso Jereissatti e Aécio Neves. Já no governo Lula, o passo seguinte do grupo foi na Operação Valdomiro Diniz, primeiro petardo contra o então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

Foi divulgado vídeo de 2002, no qual Valdomiro, servindo no governo Benedita da Silva, pedia propina a Carlinhos Cachoeira. Quando o vídeo vazou, Valdomiro trabalhava como assessor da Casa Civil. A bomba acabou explodindo no colo de Dirceu, que pagou o preço de não ter ouvido assessores sobre o passado de Valdomiro.

Assim que o caso explodiu, Santoro e o procurador Marcelo Serra Azul reuniram-se com Cachoeira de madrugada, no próprio prédio do Ministério Público Federal, em Brasília, para obter a íntegra da fita em troca de proteção jurídica. Santoro já era subprocurador geral, sem nenhuma relação com o episódio.

A conversa foi parar no Jornal Nacional, que precedeu a divulgação com um enorme editorial para justificar porque não abriu mão do furo.

No grampo, Santoro pede pressa a Carlinhos Cachoeira porque já amanhecia e o PGR Cláudio Fonteles poderia chegar e acusá-lo de estar armando para prejudicar o chefe da Casa Civil José Dirceu. A maneira como Santoro prevê o que seria a fala de Fonteles – caso os flagrasse na reunião noturna – revela nitidamente suas intenções políticas.

Atualmente, Santoro é advogado contratado pelo PSDB para atuar no caso do cartel dos trens.

Carlinhos Cachoeira e Jairo

A partir dessa primeira abordagem de Santoro sobre Cachoeira, muda o comportamento da mídia. De bicheiro suspeito, passa não apenas a ser blindado como torna-se íntimo colaborador da revista Veja em uma infinidade de escândalos com objetivos políticos. É como se a Operação Lunus estivesse sendo reproduzida em uma linha de montagem.

A de maior impacto foi o do grampo no funcionário dos Correios Maurício Marinho, que resultou por linhas tortas no escândalo do “mensalão”. No capítulo da série de Veja, “O araponga e o repórter” (clique aqui) conto em detalhes essa armação.

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Serra contrata Santoro; Santoro se aproxima de Cachoeira; logo depois Cachoeira fecha seu pacto com a Veja e a CPI de Cachoeira revela os dois principais braços do bicheiro: o araponga Jairo Martins e o então senador Demóstenes Torres.

Foi a fase de maior poder de Cachoeira. Veja transformou Demóstenes em baluarte contra a corrupção. A mando de Cachoeira, Jairo levantava dossiês, Demóstenes fazia as denúncias e Veja repercutia. Com o poder conquistado, Demóstenes fazia lobby para Cachoeira junto ao governo. E aí vão se fechando os elos da corrente, e entra em cena Gilmar Mendes.

Com Demóstenes, Gilmar estreitou uma relação pessoal já antiga (clique aqui). Jairo, o araponga preferencial de Cachoeira, o especialista em dossiês para a Veja foi contratado como assessor especial de Gilmar. Ou seja, o principal operador de Cachoeira, o homem que abastecia Veja com grampos passou a ter acesso ao sistema de telefonia do STF, na condição de assessor especial de Gilmar. Expôs todos os ministros aos grampos de Jairo.

Fechados os elos da corrente, começam a brotar dossiês por todos os poros da mídia. No início da operação, Gilmar foi ajudado por um sem-número de boatos infundados contra ele, alimentados por seus adversários e por abusos da PF em algumas operações espetaculosas.

Veja_Capa_Medo_SupremoOs factoides contra a Satiagraha

Quando surgiram os primeiros boatos sobre o cerco a Dantas, a primeira investida foi uma capa de Veja, “Medo no Supremo”, de 22 de agosto de 2007, em que cozinhava um conjunto de informações velhas, para dar a impressão de que o STF estava ameaçada pelo grampo. Mereceu um dos capítulos da minha série “O caso de Veja” (clique aqui).

Aparentemente, era uma matéria bombástica:

“É a primeira vez que, sob um regime democrático, os integrantes do Supremo Tribunal Federal se insurgem contra suspeitas de práticas típicas de regimes autoritários: as escutas telefônicas clandestinas. Sim, beira o inacreditável, mas os integrantes da mais alta corte judiciária do país suspeitam que seus telefones sejam monitorados ilegalmente”.

A matéria não passava de um amplo “cozidão” de notícias velhas. Vários ministros citados desmentiram a matéria, de Sepúlveda Pertence a Marco Aurélio de Mello. O único que sustentou o que disse foi Gilmar. E o que disse ele?

“A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes”, afirma o ministro Gilmar Mendes, numa acusação dura e inequívoca”.

Quando estourou a Operação Satiagraha, repetiu-se o estratagema em diversos episódios:

1. Os dois habeas corpus em favor de Daniel Dantas

Gilmar tratou o caso como se o estado de Direito estivesse ameaçado. Sucessivas invasões de escritórios de advocacia pela Polícia Federal forneceram-lhe o álibi necessário. Mas avançou muito além do habeas corpus, com discursos bombásticos que, repercutidos pela mídia, criaram o clima de resistência à Satiagraha. No livro, Valente esmiúça todas as decisões controvertidas de Gilmar para anular a operação.

No vídeo abaixo, Gilmar denuncia supostos grampos de que teria sido alvo. Faz um discurso eficiente. Ainda não tinha em sua ficha os episódios seguintes, que não o qualificariam mais como testemunha confiável.


2. O grampo sem áudio

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Jamais apareceu o áudio do tal grampo de conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, principal parceiro de Veja na conexão Carlinhos Cachoeira.

Investigações divulgadas na época mostravam ser impossível grampear telefones do Senado. Sequer se conferiu se, na tal hora do suposto grampo, houve de fato ligações telefônicas entre Gilmar e Demóstenes, ou ao Senado. Era um grampo consagrador para Demóstenes, onde os dois colegas lembravam as grandes ações cívicas do senador.

Com base em um factoide, Gilmar cobrou explicações do próprio presidente da República. A ameaça de crise entre instituições levou ao afastamento do diretor da Abin Paulo Lacerda e deu início à anulação da Satiagraha.

Segundo o Blog de Noblat, a Abin identificou o araponga que gravou a conversa. Foi o mesmo que passou a transcrição para a revista Veja (clique aqui e aqui). Se o grampo existisse de fato, Veja não teria a menor dificuldade – ou escrúpulo – em divulgá-lo, ou entregar a fonte. Aqui no blog desmontamos a farsa (clique aqui).

É significativo o fato dos dois personagens da história – Gilmar e Demóstenes – terem histórico de criação de factoides sem provas.

Em 2004, Demóstenes já se mostrara exímio fabricante de factoides para gerar mídia e desgaste nos adversários. Como o suposto atentado de que teria sido vítima em 2004 (clique aqui), que rendeu muita manchete sem nunca ter sido devidamente apurado.

Veja_Capa_Espioes013. O grampo no Supremo Tribunal Federal

Um assessor de segurança do STF passou para a revista Veja a informação de que havia detectado grampo em uma das salas do Supremo. Mereceu capa e, com base no alarido, foi criada a CPI do Grampo (clique aqui).

Quando o relatório da segurança do STF foi entregue à CPI, constatou-se que haviam sido captado sinais de fora para dentro do órgão. Logo, jamais poderia ser interpretado como grampo. Coube a leitores do blog derrubar essa armação.

Na CPI ficou-se sabendo que o relatório com as conclusões falsas saíram do próprio gabinete da presidência do STF. Foi tão grande a falta de reação dos demais ministros, ante a manipulação do suposto grampo, que se chegou a aventar a fantasia de que Gilmar teria mandado grampeá-los para mantê-los sob controle.

Nesse período, Jairo Martins, o araponga que armou o grampo dos Correios, assessorava Gilmar.

Veja_Capa_Mensalao014. A reunião com Nelson Jobim e Lula

Mesmo depois da Satiagraha, manteve-se o mesmo modo de operação no julgamento da AP 470. Há um encontro entre Gilmar e Lula no escritório de Nelson Jobim. Passa um mês, sem que nada ocorra. De repente, alguém se dá conta do potencial de escândalo que poderia ser criado. Gilmar concede então uma entrevista bombástica, indignada, dizendo ter sido pressionado por Lula.

Dos três presentes ao encontro, dois – Jobim e Lula – negam peremptoriamente qualquer conversa mais aprofundada sobre o mensalão. Foi em vão. A versão de Gilmar é veiculada de forma escandalosa pela revista Veja, criando o clima propício ao julgamento “fora da curva” da AP 470. O mesmo Gilmar do grampo sem áudio e da falsa comunicação de grampo no STF.

São quatro episódios-escândalos inéditos na história do Supremo, todos os quatro tendo como origem Gilmar Mendes.

Como a mídia brasileira favoreceu FHC e se opôs à Lula

9 de janeiro de 2014
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Aos tucanos tudo, aos petistas os rigores da lei.

Luiz Oss, via Tudo de novo no front

Karl Marx (1818–1883) escreveu que o pensamento predominante em uma sociedade é pertencente à sua classe dominante; logo aqueles que estão inseridos na injusta base da pirâmide tendem a compartilhar das mesmas ideias vindas do topo. O responsável por moldar a opinião pública conforma a “imagem e semelhança” de seus idealizadores é a grande mídia, que não poupa esforços para enaltecer determinadas personalidades em detrimento de outras, conforme os seus interesses políticos.

Este tipo de atitude está sintetizado no modo como os veículos de mídia encararam o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso e de seu sucessor, o presidente Lula, e este foi o tema de uma dissertação de mestrado realizada pelo jornalista Eduardo Nunomura, da USP, que enfatiza a intenção da mídia brasileira em tratar FHC como uma vítima de seus correligionários, e Lula como sendo coautor do suposto escândalo do “mensalão”.

Eduardo Nunomura que havia anteriormente trabalhado no jornal Folha e na revista Veja, iniciou um estudo comparativo dessas publicações com relação à cobertura realizado sobre escândalos de corrupção ocorridos durante ambos os governos. Ficou evidente para Nunomura que houve um favorecimento ao governo FHC, como por exemplo, durante o famoso caso do “Dossiê Cayman” em que apontava que figuras proeminentes do PSDB possuíam contas em paraísos fiscais; Pois em relação ao suposto caso do “mensalão”, os escândalos envolvendo o PSDB tiveram menor notoriedade jornalística, sendo logo abafados pelo silêncio midiático, porém o escândalo atribuído ao PT foi exaustivamente explorado havendo até mesmo condenação prévia por parte dos jornalistas, antes mesmo que houvesse prosseguimento das investigações dos supostos envolvidos.

Esta campanha difamatória perpetrada pela grande mídia atingiu o seu ápice quando a Folha havia mencionado acerca do “impeachment” do então Presidente Lula, antes mesmo que a própria oposição cogitasse tal hipótese. É evidente que toda essa investida impetuosa e virulenta dos meios de comunicação nos faz lembrar o episódio do primeiro golpe de Estado televisivo da História, quando em 11 de abril de 2002, canais de televisão da Venezuela haviam editado imagens de um confronto iniciado por opositores do governo de Hugo Chavez, de modo que sugerisse que chavistas efetuaram disparos contra a população. Depois de incitar à revolta, empresários e soldados de alta patente consolidaram com o golpe, que depois ficou confirmado que havia apoio do governo dos Estados Unidos. Chavez foi deposto por 48 horas até que houve um espontâneo levante popular exigindo que os golpistas entregassem o poder para o Presidente legítimo.

Claro que não acuso a mídia brasileira de pretenderem realizar algo do gênero – não por enquanto –, este paralelo é apenas para termos uma noção de que é uma ingenuidade acreditarmos que um jornal seja 100% imparcial, isso é o mesmo que pensar que todos os jornalistas não possuem qualquer preferência ideológica ou partidária; o que na prática sabemos que não é verdade, como quando a imprensa brasileira boicotou o livro A privataria tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que foi ex-repórter da revista IstoÉ e do O Globo, cuja obra aborda as privatizações realizadas durante o governo de FHC, e que revelou que entre 1993 e 2003, houve lavagem de dinheiro através de empresas de fachada que atuavam em paraísos fiscais. A omissão da grande mídia acerca deste trabalho de 12 meses de investigação nos faz questionar o que venha a ser este “jornalismo de credibilidade” que eles tanto se vangloriam.

Deste modo, fica claro que o compromisso não é necessariamente com os fatos, mas com as versões destes mesmos fatos; e que nenhum meio de comunicação está isento de possuir dois pesos e duas medidas.


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