Posts Tagged ‘Trânsito’

Em 2014, a meta da direita bandida é botar fogo na cidade de São Paulo

27 de dezembro de 2013

Onibus03_Corredor

Haddad lidera reformas indispensáveis para tirar a cidade do caos. A velocidade dos ônibus já deu um salto de 45%. Mas o dinheiro grosso barra novos avanços.

Saul Leblon, via Carta Maior

A velocidade dos ônibus em São Paulo registou um salto de 45% em 2013 (de 14,2 quilômetros/h para 20,6 quilômetros/h). Três milhões de pessoas ganharam 38 minutos por dia fora das latas de sardinha, que agora pelo menos andam.

Embora a maioria ainda desperdice mais de duas horas diárias em deslocamentos pela cidade, é quase uma revolução quando se verifica a curva antecedente. Ninguém pagou mais por isso: as tarifas estão congeladas desde junho sob a pressão de protestos legítimos liderados pelo Movimento Passe Livre.

Financiar a tarifa e modernizar o sistema com 150 quilômetros de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 quilômetros), seria a tarefa do aumento progressivo do IPTU previsto pelo prefeito Fernando Haddad.

A coerência entre os meios e os fins é irretocável. 1/3 dos moradores mais pobres de São Paulo não pagariam nada de IPTU em 2014; os demais, em média, contribuiriam com um adicional de R$15,00 ao mês. Os boletos dos mais ricos, naturalmente, transitariam acima da média. O matrimônio de interesses expresso na aliança entre Fiesp, PSDB e a toga colérica implodiu esse reajuste.

Como Nero, eles querem ver São Paulo pegar fogo para culpar os adversários (os cristãos, no caso do imperador). Em meio às labaredas emergiria o palanque conservador como a escada Magirus que os reconduziria com segurança ao Bandeirantes e, quem sabe, ao Planalto. O dinheiro grosso fornece a gasolina; o tucanato fino de Higienópolis entra com o maçarico.

“Bum!”, diz a mídia obsequiosa que estampa a foto de Haddad com a legenda: o culpado é o oxigênio.

Depois de subtrair R$40 bilhões por ano do sistema público de saúde, ao extinguir a CPMF, eles não hesitam agora em usar o sofrimento da população como recheio de seu pastel de vento eleitoral. É o de sempre, ataca Haddad: a coalizão da casa-grande contra a senzala.

Eles retrucam estalando o chicote da mídia. A rede de ônibus da capital (linha e fretados) transporta 68% das população e ocupa somente 8% das vias urbanas. A frota de automóveis transporta 28% e ocupa cerca de 80% do espaço das vias. A informação é da urbanista Raquel Rolnik, em artigo reproduzido no Viomundo.

A rigor, portanto, a mobilidade melhorou para a maioria dos habitantes da cidade, com uma redistribuição pontual do uso do espaço viário. Mas a emissão conservadora atiça o fim de ano da classe média com bordão do caos no trânsito – por culpa do privilégio concedido aos ônibus.

Na edição de sábado, dia 21/12, o jornal Folha de S.Paulo estampa a manchete capciosa em seis colunas, no caderno Cotidiano: “Trânsito piora, e ônibus anda mais rápido”. No manual de redação dos Frias, trânsito é sinônimo de transporte individual.

Há um traço comum entre esse entendimento do que seja interesse coletivo e individual e o belicismo conservador contra o Programa Mais Médicos. O programa subverteu a lógica protelatória e alocou médicos estrangeiros, cubanos em sua maioria, ali onde os profissionais locais não querem trabalhar: periferias conflagradas e socavões distantes.

Produz-se assim uma mudança instantânea na vida de 16 milhões de brasileiros até então desassistidos. Quantos não morreriam à espera do longo amanhecer incremental preconizado pelo conservadorismo?

A dimensão estrutural desse antagonismo perpassa a luta pelo desenvolvimento brasileiro desde Getulio. Reformas de base ou a delegação do futuro da economia e do destino da sociedade aos mercados? Em 1964 o pelourinho midiático, a Fiesp e o tucanismo, na versão udenista, resolveram a pendência da forma sabida.

Meio século depois, São Paulo reproduz em ponto pequeno a mesma confluência de interesses que se reivindica o direito consuetudinário de tocar fogo no canavial e estalar o açoite para fazer a moenda girar.

Primeiro, a garapa; resto a gente conversa depois. Com a tigrada guardada nas senzalas. Ou imobilizada em ônibus-jaula.

A gestão Haddad precisa modular o timing de suas ações para discuti-las antes com a população. Tem agora um inédito conselho de participação popular para isso. Mas é indiscutível que o prefeito lidera hoje um conjunto de reformas imperativas, as reformas de base da São Paulo do século 21.

Sem elas a cidade afundará no destino que lhe reservou a elite brasileira branca e plutocrática: ser um exemplo de viabilidade de uma das mais iníquas versões do capitalismo no planeta.

Esse é o embate dos dias que correm na metrópole.

Diante dele, o silêncio de quem liderou os protestos de junho chega a ser desconcertante. Mas não é inédito. Há inúmeros antecedentes gravados na história com os predicados de cada época. E nenhum deles é inocência.

Flavio Gomes: Um motoqueiro no trânsito de São Paulo

24 de agosto de 2012

Flavio Gomes em seu blog Warm Up

São Paulo (já deu) – Ando bastante de moto em São Paulo. Não é algo fácil, nem tranquilo. Mas, muitas vezes, é necessário pelo absurdo do trânsito numa cidade totalmente fora de controle. Ando pelo que se chama de “corredor”, também. Aquele espaço entre os carros. Só quando eles estão parados, devo dizer, o que necessariamente não me absolve. E ando devagar, tenho medo de bater nos espelhos dos carros, a ponto de irritar a maioria dos motoqueiros que têm o azar de ficar atrás de mim. Mas procuro não atrapalhar. Saio da frente assim que pinta uma brecha. Não quero encrenca.

Na verdade, chamar de moto minha lambretinha é um exagero. É uma scooter que me serve bem para pequenos trajetos. Nunca passei por nenhum perrengue com motoristas de carros, ônibus, táxis, SUVs, nada. Os problemas são recorrentes com os motoqueiros. Sim, em sua imensa maioria, motoboys. Cheios de pressa, plenos de falta de educação, sem noção alguma de cidadania, segurança e respeito. Verdadeiros animais motorizados, que fazem o que bem entendem diante da total e absoluta inação do poder público.

O poder público, em São Paulo, espalha radares pelas avenidas. Eles sabem se seu carro não fez a inspeção da Controlar ou se estão rodando no horário do rodízio. Leem placas, fotografam, enchem os cofres da Prefeitura. Mas não leem placas de motos. Não reprimem o tráfego em altíssima velocidade pelos corredores. Os motoqueiros são seres à parte na cidade. Têm suas próprias leis, e seguem-nas da maneira que consideram adequadas. Veem todos os outros seres como inimigos em potencial, sejam eles motoristas, pedestres, outros motoqueiros. Lamento dizer, é triste pra caralho, mas acho que nunca notei um único gesto amistoso de um motoqueiro em São Paulo. Um único. É triste demais. Não são todos? Não. Mas são quase todos. E isso é triste pra caralho.

Me mandaram esse vídeo aí embaixo. O autor tem 491 vídeos publicados no YouTube. Tem nome e sobrenome. Tem loja de escapamentos, site e tudo. Tem nome, sobrenome e endereço. Tem 491 vídeos publicados no YouTube. Quando se leem os comentários postados nesses vídeos, de gente sinceramente admirada e excitada pelo que está vendo, perde-se totalmente a esperança em qualquer coisa. Quando se presta atenção nos monólogos do autor a bordo de sua moto quando resolve “botar terror” nas ruas e estradas, idem.

São 491 vídeos. Nome e sobrenome. Alguns mostram até que o rapaz tem lá suas ideias, alerta contra as drogas, contra o preconceito, contra o crime. Não vi todos, claro, foi por amostragem. Talvez tenha bom coração, família, mulher, filhos, sei lá. Não tenho a menor ideia. Mas um vídeo só, apenas um, esse aí embaixo, deveria ser suficiente para que as autoridades da cidade impedissem-no de dirigir qualquer coisa motorizada. Qualquer coisa.

Não estou discutindo caráter, bondade, maldade, nada, nada disso. Não sei quem ele é, não tenho o menor interesse em conhecê-lo, espero apenas nunca cruzar com ele na rua, porque provavelmente vou me assustar, cair da lambreta e me estatelar no asfalto. Quem faz o que esse rapaz faz nesse vídeo aí embaixo é claramente alguém que não tem a mais remota noção do que é ser um cidadão que vive em coletividade. Ele não é único, claro. São milhões, e também ocupam carros, ônibus, táxis, scooters. Somos uma cidade de milhões de cretinos, idiotas, irresponsáveis, egoístas, estúpidos. Alguns deles postam 491 vídeos no YouTube. E fica tudo por isso mesmo. Donde se conclui que cretinos, idiotas, irresponsáveis, egoístas e estúpidos também são facilmente encontráveis entre as autoridades da cidade, medrosas, covardes, patéticas. Na cidade onde não pode gritar na feira, usar celular no banco, comer pastel, levar bandeira ao estádio, vender hot dog na rua, cantar na calçada, fumar no bar, deitar no banco da praça ou dar sopa a moradores de rua, andar no “corredor” da 23 de Maio a 150 km/hora pode. Se uma polícia de uma cidade como São Paulo é incapaz de fazer algo contra alguém que faz o que esse rapaz faz no trânsito, nas ruas e nas estradas, fazendo o favor de dar nome, sobrenome e endereço para quem quiser encontrá-lo, esqueçam. Isso aqui não tem jeito, mais.

Flavio Gomes é jornalista, dublê de piloto e escritor.

Quando se presta mais atenção no alface do dente que na fala indecente

19 de agosto de 2012

Serra fala em evento da Câmara Portuguesa após almoçar com empresários portugueses (Foto: Daia Oliver)

Via Maria Frô

A foto virou meme nas redes, mas o que Serra fala sobre trânsito em São Paulo demonstra bem o ‘conhecimento’ (só que ao contrário) de um sujeito que quer ser presidente do País, que já governou o Estado de São Paulo (meio mandato) e o município de São Paulo (meio mandato).

Espera-se ao menos que ele tenha dados sobre a cidade que quer de novo governar para abandonar mandato pela metade e tentar novamente concorrer à presidência do país.

Mas Serra ignora dados estatísticos óbvios do trânsito da cidade.

Será que é por que ele nunca termina mandatos?

Não, é porque Serra vai para seus compromissos de helicóptero ou só tem coragem de andar de trem em uma das linhas menos cheias de São Paulo e fora do horário de pico em época de campanha.

Serra diz que trânsito em SP “não piorou desde 2005″

Segundo dados da CET, trânsito aumentou 22% em junho durante o horário de pico

Wanderley Preite Sobrinho, do R7, em 15/8/2012

Embora a venda de carros tenha crescido em todo o Brasil nos últimos anos, o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Serra, afirmou na quarta-feira, dia 15, que o trânsito na cidade “não piorou” entre 2005 e 2012. A declaração foi feita em um evento realizado pela Câmara Portuguesa em um hotel de luxo na região dos Jardins, centro expandido da cidade.

De acordo com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o congestionamento em julho deste ano quase dobrou em alguns horários em comparação ao mesmo período do ano passado. Às 15h, a lentidão aumentou 84%, às 16h, subiu 82%. Entre 18h e 20h, no horário de pico, a média de aumento foi de 22%.

Parte desse crescimento se deve ao aumento de crédito ao consumidor, que coloca nas ruas da cidade cerca de 700 carros por dia. De acordo com o Dentran/SP (Departamento de Transito do Estado de São Paulo), a cidade deve ter 8 milhões de carros nas ruas até 2014.

Serra disse, no entanto, que o trânsito não aumentou graças às obras que seu partido, no governo do Estado e na prefeitura, realizou nos últimos anos.

De 2005 para cá o trânsito não piorou, mas também não melhorou.” (grifos nossos)

Ele afirmou que não houve aumento porque o governo do Estado construiu o Rodoanel, “que cerca a cidade”, e aumentou a quantidade de usuários do metrô.

“Em cinco anos [a frequência] aumentou de 5 milhões para 7 milhões de pessoas.”

Ele também lembrou dos investimentos da prefeitura na avenida Jacu Pêssego, na zona leste, e “do maior encomenda de trens do mundo” feita pelo governo estadual.

Atrasado em 1h15 minutos para o encontro com empresários portugueses, Serra foi para a agenda seguinte da campanha, em São Mateus, Zona Leste da cidade, de helicóptero. (grifos nossos)

Leia também:

Serra prefere helicóptero, mas quando anda de trem ouve: “Vem na hora da muvuca.”

Serra defende política de trânsito, mas usa helicóptero

18 de agosto de 2012

Julia Duailibi e Bruno Boghossian, lido em A Tarde

Minutos antes de deixar uma agenda de campanha a bordo de um helicóptero, o candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, José Serra, afirmou nesta quarta-feira que a questão do transporte na capital é “crítica” e disse que o trânsito “não piorou, mas também não melhorou” desde 2005, quando assumiu a Prefeitura.

O tucano é o único dos 12 candidatos a prefeito que usa um helicóptero para se locomover pela cidade e cumprir a agenda de candidato. O PSDB firmou contrato com uma empresa chamada Helimarte, uma das maiores companhias de táxi aéreo em São Paulo. Serra usa uma das 13 aeronaves da empresa, que tem na frota os modelos Esquilo, Bell Jet Ranger e um Robinson R44.

O Estadão apurou que, no contrato firmado com a campanha de Serra e em vigor desde julho, os pagamentos são feitos mensalmente e cada hora de voo custa R$3 mil. Assim, se Serra usasse o helicóptero duas vezes por semana, por duas horas, pagaria R$48 mil, por exemplo.

Depois de almoçar com empresários ligados à colônia portuguesa, Serra pegou na quarta-feira, dia 15, um helicóptero às 15h08 em um hotel na região dos Jardins, com destino a São Mateus, na zona leste. Se tivesse ido de carro, o tucano teria percorrido 30 km e levado, pelo menos, uma hora para chegar ao local.

“A questão do trânsito é absolutamente essencial”, afirmou Serra, antes de embarcar. “Na verdade, se vocês pegarem os números de 2004 e 2005 para cá, pelos indicadores de filas de automóveis [o trânsito] não piorou, mas também não melhorou”, disse o candidato.

Ao discursar, Serra citou investimentos do seu governo e das gestões de aliados em mobilidade urbana. A coordenação da campanha minimiza o uso do helicóptero e destaca os investimentos feitos pelo tucano, como o trecho sul do Rodoanel, a ampliação da Marginal e os corredores metropolitanos. Serra é apresentado pela propaganda tucana como o “administrador que mais investiu na ampliação do metrô e na expansão e modernização dos trens”, com R$10,5 bilhões em quatro anos.

Eleições 2012: Propostas para desatar o nó do transporte em São Paulo

16 de julho de 2012

Leonardo Sakamoto em seu blog

Pedi para o economista, jornalista e paulistano Thiago Guimarães, pesquisador do Instituto de Planejamento de Transportes e Logística de Hamburgo e um dos grandes especialistas sobre a mobilidade urbana em São Paulo, explicar quais seriam as ações a serem adotadas pelo futuro prefeito(a) do município para enfrentar o caos que é o deslocamento na cidade. O texto, que vai direto aos problemas, deveria ser usado pelos eleitores para checar se o seu candidato ou candidata tem a real intenção de resolver a questão ou será outro que empurrará a solução com a barriga, apostando na saída suicida de mais transporte individual.

E lembra que as políticas para melhorar o transporte na capital vão além daquelas sob a responsabilidade dessa secretaria. Por exemplo, como pode a cidade ser tão refém do setor imobiliário e da construção civil e quase nada fazer em defesa da qualidade de vida de seus cidadãos, a ponto de aprovar shopping centers sem vagas suficientes de estacionamento ou sem a adaptação das vias urbanas para aguentar o impacto de um novo empreendimento? Segue o texto.

A primeira coisa que deve ficar clara para o futuro prefeito de São Paulo é que ele deve governar para a cidade para os cidadãos paulistanos até 2016 e não para turistas e fãs que assistirão aos jogos de futebol na Copa de 2014.

Projetos de transporte são duradouros e devem ser levados com muito mais seriedade do que a exposição internacional da cidade em algumas semanas de 2014. Estamos falando aqui do impacto sobre milhões de deslocamentos diários de pessoas entre suas residências, empregos, escolas, universidades, serviços públicos, comércio e opções de lazer. Deslocamentos esses que se dão em redes cada vez mais sufocadas e em condições cada vez mais precárias.

As políticas de mobilidade em uma cidade como São Paulo têm uma importância que ultrapassa as fronteiras do município. Pelo peso demográfico e econômico da cidade, políticas públicas na área da mobilidade podem impactar em toda a região metropolitana. Portanto, o primeiro compromisso sereno e responsável, digno de um estadista que deseje liderar um processo de transformação estrutural das condições de mobilidade, seria buscar alianças e sinergias com os prefeitos de outras cidades do espaço metropolitano, principalmente para propulsionar a integração tarifária (rumo ao bilhete único metropolitano) e amarrar o planejamento no plano regional.

Como esse é um tema espinhoso, os primeiros esforços neste sentido devem ser feitos já em janeiro do ano que vem. Se bem arquitetada, a integração tarifária melhoraria muito a vida da massa de trabalhadores que já está no trem ou no ônibus no escuro da madrugada, rumo seu trabalho na capital. A capacidade de visão e liderança e a vontade de transformar pode ser avaliada já nos primeiros meses de mandato.

O paulistano também já não aguenta mais ouvir o velho chavão “priorizar o transporte coletivo”. Se bem que, nesse ponto, houve uma sensível mudança no discurso, ao longo da última década. Antes, priorizar o transporte coletivo era sinônimo de melhorar o transporte por ônibus urbanos, sistema da alçada da prefeitura. Atualmente, a prefeitura afirma que os ônibus não são a solução e, com orgulho, promete investimentos no metrô. Os ônibus, pelo menos na atual gestão, são deliberadamente deixados de escanteio.

Mas quem quiser fazer bonito nesta área terá de atualizar e executar o plano para o transporte coletivo publicado há oito anos. Este plano, que concebia o desenvolvimento de uma malha de corredores de ônibus, ficou à sombra da inauguração de pontes estaiadas e do alargamento de vias expressas ocorridos nos últimos anos. Neste sentido, é preciso chacoalhar a SPTrans, que deve atentar melhor à qualidade e fiscalizar com mais rigor os serviços prestados por aqueles que receberam a concessão de um serviço de interesse público.

Além disso, as prioridades da companhia devem ser revistas. Antes de oferecer acesso sem fio à internet em algumas paradas de ônibus, seria mais adequado definir um nível de qualidade de estadia nas paradas de bairros mais distantes do centro e definir um plano para que todas tenham abrigos e informações sobre linhas e itinerários. Antes de equipar os ônibus com monitores de televisão, dever-se-ia estipular metas de qualidade para os veículos (piso rebaixado, acessibilidade universal, sistemas de informação a bordo). E melhorar a qualidade dos postos de atendimento. Hoje quem vai a um deles pedir informação, por exemplo, sobre o funcionamento do bilhete único, não recebe nenhum material sobre ele e é aconselhado a obter as informações pela internet.

Também é importante que a equipe de governo esteja consciente de que mobilidade urbana não é futebol. Não se trata de deixar cada modo de transporte brigar entre si em busca da primeira colocação em termos de número de viagens. Não deve se deixar levar pelas pressões das torcidas organizadas a favor de um ou de outro meio de transporte, em detrimento dos demais. Mesmo assim, no caso de São Paulo, os investimentos em infraestruturas que beneficiam o trânsito de automóveis particulares são tão desproporcionalmente gritantes, que é indefensável dar continuidade à política de transportes atualmente desenvolvida.

As trágicas consequências da cidade refém do automóvel nunca estiveram tão à vista: tempo perdido e desperdício de combustível em congestionamentos que já beiram os 300 quilômetros na incompleta medição realizada dia a dia pela CET; estresse relacionado com o barulho intermitente emitido pelos motores; e principalmente a redução da expectativa de vida da população que respira um ar carregado de elementos insalubres.

Já passou da hora de romper com esse paradigma de mobilidade e de política, sistematicamente estimulado pelo governo federal, que concede subsídios à indústria automobilística e mantém artificialmente a nível baixo os preços dos combustíveis fósseis e não renováveis.

Em função deste contexto, o papel da Companhia de Engenharia de Tráfego também não pode ser mais o mesmo de quando a cidade era produzida para a massiva absorção de mais e mais automóveis. É necessário reorientar a companhia e dotá-la de meios para priorizar o trânsito seguro de pessoas pela cidade. O que significa, por exemplo, dar mais atenção aos pedestres e às calçadas – esses locais onde regularmente se flagra veículos da própria companhia estacionados irregularmente.

Associações de ciclistas pedem que os candidatos a prefeito assinem um documento em que se comprometem a aumentar progressivamente a parcela do orçamento destinado à mobilidade por bicicleta e a elaborar um plano cicloviário para a cidade. Ainda que esses documentos, mesmo quando assinados, sejam vez ou outra considerados meros papeizinhos, sem valor algum, creio que o foco de tais compromissos deveria ser outro, com metas mais palpáveis e que façam sentido. Sentido não para o governante ou para os especialistas em transporte. Mas para os cidadãos.

Por exemplo: assegurar que toda criança tenha acesso seguro a pé ou por bicicleta a estabelecimentos de ensino público em um intervalo de 20 minutos. O prefeito pode, para isso, construir mais escolas, instalar ciclofaixas e ciclovias, remodelar drasticamente o desenho das vias públicas ou repensar a localização de locais de moradia. Pode investir recursos de diversas origens e com diversas finalidades. Embora nem todas elas se encaixarem necessariamente no rótulo “bicicleta”, essas ações podem definitivamente favorecer a mobilidade por meios de transporte não motorizados.

No entanto, as mais profundas mudanças nos padrões de mobilidade devem surgir de intervenções que não competem diretamente a uma secretaria de transportes. Como pode as decisões de aprovação ou reprovação de empreendimentos imobiliários em uma cidade como São Paulo, praticamente, dependerem apenas da assinatura de uma pessoa? Como pode haver shopping centers que funcionam há décadas sem oferecer o número mínimo de vagas de garagem estipulado pelas autoridades? Como pode a cidade ser tão refém do setor imobiliário e da construção civil e quase nada fazer em defesa da qualidade de vida de seus cidadãos? Como impedir que o próprio município desrespeite as leis urbanísticas que torna públicas, a começar pelo próprio Plano Diretor, que foi alvo de uma mal esclarecida tentativa de reforma?

O candidato que quiser tratar seriamente a questão da (i)mobilidade urbana deve depositar sua atenção a essas perguntas que ficarão de fora dos debates televisionados e do horário eleitoral gratuito.

Governo de São Paulo recomenda: “Não ande de bicicleta na rua.”

13 de julho de 2012

Diário Oficial do Estado de São Paulo diz para ciclistas saírem das ruas.

Piero Locatelli, lido no Envolverde

O Diário Oficial do Estado de São Paulo de quarta-feira, dia 11, traz a manchete “Mais ciclistas, mais acidentes”. Dentro da reportagem, um especialista sugere: “Para não colocar a vida de quem pedala em risco, recomendo não usar a bike no trânsito de São Paulo. É uma opção segura de lazer em cidades menores, parques públicos e em ciclovias instaladas na capital, aos domingos.”

A reportagem, assinada pela assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde, deixa claro o tratamento dispensado à bicicleta em São Paulo. O governo do Estado não a trata como um meio de transporte, mas como uma brincadeira de fim de semana. Em vez de estimular o uso das duas rodas, o governo cria medo justamente em quem não é responsável pelos acidentes.

Um quadro de recomendações feito pela Companhia de Engenharia do Tráfego (CET) endossa a reportagem, jogando a responsabilidade dos acidentes nos ciclistas. “O aumento da velocidade implica maior risco, portanto não é uma boa prática no trânsito”, recomenda o órgão responsável pela segurança no trânsito.

O discurso do governo de São Paulo em dias normais contrasta com o do Diário Oficial de quarta-feira, dia 11. O governador Geraldo Alckmin propagandeia que integrou a bicicleta ao Metrô, com a possibilidade de carregá-la dentro dos trens. Mas só é possível fazer isso em horários restritos do fim de semana. Ou seja, a bicicleta continua sendo tratada como diversão de crianças que vão ao parque no final de semana e não um jeito de chegar ao trabalho.

No município de São Paulo, as atitudes também são fracas. O prefeito Gilberto Kassab prometeu construir 100 quilômetros de ciclovias na cidade em sua gestão. Há seis meses do fim de seu mandato, só entregou 18 quilômetros.

Seria ingênuo acreditar que a bicicleta sozinha solucionaria os problemas do trânsito paulistano e tornaria a cidade um lugar melhor. A cidade concentra os empregos em regiões distantes e milhões de pessoas a atravessam todos os dias. Não é possível pedir que alguém saia de bairros dormitórios na Zona Leste para trabalhar no centro de bicicleta, percorrendo mais de 30 quilômetros.

De qualquer forma, o Estado deveria estimular o uso de um transporte que traz benefícios à cidade. Em vez de criar uma cultura do medo e mandar o ciclista ficar em casa, deveria tornar a vida deles mais fácil.


%d blogueiros gostam disto: