Posts Tagged ‘Redução’

Cai o número de brasileiros endividados e inadimplentes

17 de março de 2014

Dinheiro06_CarteiraJosé Carlos Peliano, via Carta Maior

Segundo pesquisa da Serasa Experian, empresa com banco de dados de crédito de consumidores, empresas e grupos econômicos, os brasileiros têm conseguido reduzir os comprometimentos devedores inadimplentes de suas rendas com compras a prazo nos últimos quatro anos.

Se em 2012 o total chegava a 6 milhões, em 2013 há uma redução de 100 mil, somando 5,9 milhões. Este total veio decrescendo também de 2010 a 2011. A inadimplência, caracterizada pelas dívidas não quitadas por mais de 90 dias, vai ficando aos poucos menor de ano a ano.

Este é um sinal positivo por pelo menos duas razões. Começa a existir por parte dos detentores de dívidas uma preocupação maior com a administração dos seus gastos mensais, o que torna mais eficiente a distribuição correspondente de suas rendas nos mais diversos itens, além de folgar os bolsos e escapar do vermelho.

Como também permite aprender a definir com mais clareza quais gastos podem ser feitos a prazo, à espera de períodos posteriores para efetuar outros, para não criar dificuldades e aborrecimentos futuros.

Ainda assim a pesquisa revela que 36,6% dos inadimplentes são do grupo reincidente. Pelo menos 1 entre 3 inadimplentes não conseguiu segurar a peteca, tendo que postergar e rolar os seus créditos para dar conta das despesas assumidas anteriormente e não pagas a tempo. O descontrole permanece, no entanto, assustando esses brasileiros.

O descontrole pesa mais para os mais pobres: 11,5% dos integrantes da classe D, que recebem entre R$299,00 e R$993,00, têm 10% de suas rendas mensais comprometidas com inadimplência, enquanto 21,9% têm 201% ou mais de suas rendas mensais penduradas no prego na mesma situação – ou seja, dois meses de renda mensal assumidos para a cobertura de dívidas não pagas.

Já para os mais ricos o descontrole é menor: 40,6% dos integrantes da classe A, que ganham mais que R$6.503,00, têm 10% de suas rendas mensais na situação de devo não nego, pago quando puder, enquanto 10,7% têm 201% ou mais de suas rendas igualmente na espera de algum dia serem quitadas.

Por certo que há muitas razões pelas quais os tomadores de crédito entram no circuito de dívida. Ricos e pobres têm motivações diversas que os levam a consumirem por conta de promessas de pagamentos futuros. Mas têm também informações diferentes sobre o processo de compra de bens e endividamento.

O sistema comercial de vendas a prazo esconde mais dados do que esclarece. Para os mais pobres em especial, a matemática dos juros compostos e dos valores à vista e a prazo, são os grandes vilões que acabam por compromete-los com dívidas assumidas mais por desconhecimento do que esclarecimento. A eles são repassados muitas vezes gatos por lebres.

Os números da pesquisa evidenciam por si mesmos: pouco menos da metade dos ricos pendura proporções menores de suas rendas em dívidas não pagas. Os pobres se comprometem mais.

O sistema de crédito por sua vez confunde os pobres, pouco acostumados com o uso a organização do crediário para as compras a prazo, o que não acontece com os ricos com mais experiência no assunto. Aliás boa parte de sua riqueza acumulada veio pelas mãos do parcelamento de compras e investimentos.

O ponto central da questão está em como usar o sistema de crédito. Afinal ele está aí para facilitar compras e evitar a descapitalização. Os pobres há bem pouco tiveram acesso a ele, graças em boa parte à melhoria de suas rendas obtidas nos últimos 12 anos, nas administrações dos três governos federais do PT. O que lhes falta é mais informações bem como orientações, as quais podem lhes ser fornecidas por organismos públicos, paraestatais ou não governamentais. Quem sabe os procons da vida ou assemelhados!

A tarefa de entender o financiamento das compras a prazo via crédito bancário, de saber o papel da inflação na correção das dívidas, de aceitar o sistema de juros compostos, que chuta o valor presente da compra lá para as nuvens, e de conseguir administrar mais de perto e com segurança as rendas mensais com os comprometimentos das dívidas assumidas, tudo isso, de uma só vez, assim de repente, complica até mesmo a cabeça de muita gente da classe A. Imagine de gente pouco experiente das classes D, C e B!

Para complicar ainda mais a tomada de decisões nas compras a prazo e no posterior rolo da inadimplência, todas as classes se deparam com as pesadas campanhas do marketing comercial nas tevês, rádios e outdoors. O efeito demonstração é difícil de ser contido, tanto entre os adultos, na compra de utensílios domésticos de primeira necessidade, quanto entre os mais jovens que querem chegar às ruas na moda, bem vestidos e tecnologicamente equipados.

De toda maneira, a queda gradativa do número de inadimplentes nos últimos anos pelo menos indica uma situação menos apertada para os bolsos dos brasileiros.

Um sinal de que, ou pela razão, ou pela dificuldade, a administração das dívidas mensais toma um rumo mais respirável, livrando devagar um bom número de ter o nome sujo na praça. O que igualmente ajuda a colocar a economia com os pés mais ao chão, ao ser financiada por dívidas melhor administradas e pagas mais em dia.

Bolsa Família influencia na redução da mortalidade infantil

6 de novembro de 2013

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Entre 2004 e 2009, a taxa de mortalidade infantil brasileira diminuiu de 21,7 para 17,5 por mil nascidos vivos.

Via Portal Brasil

O programa Bolsa Família mudou as condições e expectativa de vida das crianças. No estudo Efeitos do Programa Bolsa Família sobre a Mortalidade de Crianças, um dos capítulos do livro comemorativo dos dez anos do programa, Davide Rasella e outros quatro pesquisadores atestam que o programa de distribuição de renda desempenhou “papel significativo na redução da mortalidade infantil, geral e por causas relacionadas com a pobreza, como desnutrição e diarreia, nos municípios brasileiros”.

Entre 2004 e 2009, a taxa de mortalidade infantil brasileira diminuiu de 21,7 para 17,5 por mil nascidos vivos. Entre as causas específicas, essa redução foi ainda maior. Os óbitos por diarreia reduziram-se a quase a metade (–46,3%), enquanto a redução dos óbitos por desnutrição foi de quase 60% – de 0,55 por mil nascidos vivos, em 2004, para 0,23, em 2009.

O artigo explora os efeitos conjuntos do Bolsa Família e do Saúde da Família, que foi implantado em grande escala no mesmo período e compara ainda os resultados do Bolsa Família com o programa mexicano de distribuição de renda, o “Progresa”, que se mostrou capaz de reduzir a mortalidade infantil em áreas rurais. Em ambos os casos, dois fatores contribuem para a redução: reduz a desnutrição infantil, ao aumentar a renda das famílias muitos pobres, e, ao colocar condicionalidades para o pagamento do benefício, aumenta o acesso à saúde.

Os autores defendem que, além de o monitoramento do crescimento infantil ser eficaz para a redução das taxas de mortalidade nesta faixa etária, o contato rotineiro com o sistema de saúde, também se mostra determinante para a sobrevivência das crianças em países em desenvolvimento.

Também reduziu as taxas de hospitalização em menores de cinco anos e aumentou a cobertura vacinal e as consultas de pré-natal. As razões encontradas para a diminuição da incidência de doenças foram o melhor acesso ao serviço de saúde, que evita casos graves e diminui a incidência de doenças.

Já o artigo sobre a ocorrência de baixo peso ao nascer entre crianças beneficiárias do Bolsa Família, assinado por técnicos da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), relata um estudo comparativo, que cruzou informações do Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal com as do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), no período de 2006 a 2008, de toda a Região Nordeste, o que representou uma amostra de mais de 1,3 milhão de nascidos vivos.

Nas famílias com renda per capita de até R$70,00 mensais, a prevalência de baixo peso ao nascer foi de 5,5% entre as mães que recebiam o benefício, enquanto a prevalência entre as famílias que não recebiam o Bolsa Família e contavam com a mesma renda ficou em 6,3%.

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PNAD: A redução da taxa de desemprego em 20 anos

30 de setembro de 2013

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Miguel do Rosário, via Tijolaço

Interessante observar o gráfico, publicado no site do Estadão, com base em dados do último Pnad do IBGE. Ele mostra bem o que foi o governo FHC, até hoje incensado pela mídia e pelas elites. Foi um período de aumento constante das taxas de desemprego, o qual só começa a declinar após a chegada de Lula ao poder.

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Corte de impostos federais permite queda de até 7,23% na tarifa de ônibus

19 de junho de 2013

Via Blog do Planalto

O governo federal fez neste ano e em 2012 uma redução de impostos das empresas de transporte coletivo que permite queda de até 7,23% no valor da tarifa de ônibus urbano. O corte de tributos anunciado pelo governo possibilita que os preços das passagens caiam em algumas grandes cidades ou tenham reajuste menor em outras localidades.

Em 31 de maio, o governo encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória nº 617, que isenta de PIS/Cofins os serviços de transporte coletivo rodoviário, metroviário e ferroviário. Segundo dados do Ministério da Fazenda, tal desoneração tem um impacto de 3,65% sobre o valor do faturamento das empresas. Isso quer dizer que deixou de incidir sobre o valor da passagem do transporte coletivo 3,65%.

Em 17 de agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff sancionou o Projeto de Lei de Conversão 18/2012 (MP 563), desonerando a folha de pagamento das empresas de transporte coletivo rodoviário. A medida passou a vigorar a partir de janeiro de 2013. Agora, em 15 de junho de 2103, o governo enviou ao Congresso Nacional, através da MP 612, a desoneração da folha de pagamento para o transporte coletivo metroviário.

A redução de 20% sobre a folha de pagamento das empresas de transporte coletivo rodoviário equivale a 5,58% do faturamento. Subtraindo deste percentual o recolhimento de 2% de tributo sobre o faturamento das empresas, chega-se a um impacto de 3,58% de redução sobre as tarifas.

Confira o impacto da desoneração de impostos nas tarifas de ônibus urbano (arquivo em .PDF).

Tarifa_Onibus12AFonte: Ministério da Fazenda

Eliane Brum: Pela ampliação da maioridade moral

23 de abril de 2013

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E pelo aumento de nosso rigor ao exigir o cumprimento da lei de governantes que querem aumentar o rigor da lei (e também dos que não querem).

Eliane Brum em seu blog

Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto – maioridade moral.

Se é de crime que se trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um documento da Fundação Abrinq bastante completo, que reúne os estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos.

Será que o assassinato de mais de 8.600 crianças e adolescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a nossa indignação?

Diante desse massacre persistente e cotidiano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maioria da população, talvez os mesmos que clamam por redução da maioridade penal, é que há muitos adolescentes assassinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes infratores realizou o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a 5ª e a 6ª séries. E quase 90% não completou o ensino fundamental.

Será que não há algo para pensar aí, uma relação explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbólico – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimento, a um desejo que vá além do consumo e também a formas não violentas de se relacionar com o outro – os principais espaços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e na adolescência?

É demagogia fazer relação entre educação e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maioridade penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis – a cumprir com sua obrigação constitucional de garantir educação de qualidade?

Não encontro argumentos que me convençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a violência. E encontro muitos argumentos que me convencem de que a violência está relacionada ao que acontece com a escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças e adolescentes quando os professores são pagos com um salário indigno. Aqueles que escolhem (e eles são cada vez menos) uma das profissões mais importantes e estratégicas para o País se tornam, de imediato, desvalorizados ensinando (ou não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violência – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação com a outra que tanto nos indigna?

Teríamos mais esperança de mudança real se, diante de um crime bárbaro, praticado por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educados – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos. Vale a pena pensar, e com bastante atenção: a quem isso serve?

É uma mentira dizer que os adolescentes não são responsabilizados pelos atos que cometem. O tão atacado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a responsabilização, sim. Inclusive com privação de liberdade, algo tremendo nessa faixa etária. Mas, de novo, o Estado não cumpre a lei. Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possibilidade de mudança e desenvolvimento.

Alguém pensa em se indignar contra isso?

Se você se alinha àqueles que querem que os adolescentes sejam encarcerados, torturados e sexualmente violados para pagar pelos seus crimes, pode se alegrar. É o que acontece na prática numa parcela significativa das instituições que deveriam dar exemplo de cumprimento da lei e oferecer as condições para que esses adolescentes mudassem o curso da sua história, como mostrou uma reportagem do Fantástico feita por Marcelo Canellas, Wálter Nunes e Luiz Quilião. Segundo a pesquisa do CNJ já citada, em 34 instituições brasileiras, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses, em 19 há registros de mortes de jovens sob a tutela do Estado, e 28% dos entrevistados disseram ter sofrido agressões físicas dos funcionários. Sem contar que, em 11 estados, as instituições operam acima da sua capacidade.

Será que a perpetuação da violência juvenil decorre da falta de rigor da lei ou do fato de que parte das instituições de adolescentes funciona na prática como um campo de concentração? Antes de tentar mudar a lei, não seria mais racional cumpri-la?

É o que o bom senso parece apontar. Mas é previsível que, num ano pré-eleitoral e com 93% dos paulistanos a favor da redução da maioridade penal, segundo pesquisa do Datafolha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prefira enviar ao Congresso um projeto para alterar o ECA, passando o período máximo de internação dos atuais 3 anos para 8 anos em casos de crimes hediondos. Uma medida tida como enérgica e rápida, num momento em que o estado de São Paulo sofre com o que o próprio vice-governador, Afif Domingos (PSD), definiu como “epidemia de insegurança” – situação que não tem colaborado para aumentar a popularidade do atual governo.

Vale a pena registrar ainda que o número de crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer. Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do problema: da população total dos adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas socioeducativas como infratores. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles cometeram crimes contra o patrimônio.

É claro que, se alguém acredita que os crimes cometidos pelos adolescentes não têm nenhuma relação com as condições concretas em que vivem esses adolescentes, assim como nenhuma relação com as condições concretas em que cumprem as medidas socioeducativas, faz sentido acreditar que se trata apenas de “vocação para o mal”. Entre os muitos problemas desse raciocínio que parece afetar o senso comum está o fato de que a maioria dos adolescentes infratores é formada por pretos, pardos e pobres. (São também os que mais morrem e sofrem todo o tipo de violência no Brasil.) Essa espécie de “marca da maldade” teria então cor e estrato social? Nesse caso, em vez de melhorar a educação e as condições concretas de vida, a única medida preventiva possível para quem defende tal crença seria enjaular ao nascer – ou nem deixar nascer. Alguém se lembra de ter visto esse tipo de tese em algum momento histórico? Percebe para onde isso leva?

Há que ter muito cuidado com o que se deseja – e com o que se defende. Assim como muito cuidado em não permitir que manipulem nossa indignação e nossa aspiração por um mundo em que se possa viver sem matar ou morrer.

Se eu estivesse no lugar dos pais de Victor Hugo Deppman, talvez, neste momento de dor impossível, eu defendesse o aumento do número de anos de internação, assim como a redução da maioridade penal. Não há como alcançar a dor de perder um filho – e de perdê-lo com tal brutalidade. Diante de um crime bárbaro, qualquer crime bárbaro e não apenas o que motivou o atual debate, os parentes da vítima podem até desejar vingança. É uma prerrogativa do indivíduo, daqueles que sofrem o martírio e estão sob impacto dele. Mas o Estado não tem essa prerrogativa.

O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado não pode ser vingativo em seus atos. Do Estado se espera que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de direitos humanos tão duramente conquistadas. E, como sociedade, nossa maturidade se mostra pelo conteúdo que damos à nossa indignação. É nas horas críticas que mostramos se estamos ou não à altura da nossa época – e de nossas melhores aspirações.

De minha parte, sempre me surpreendi não com a violência cometida por adolescentes, mas que não seja maior do que é, dado o nível de violência em que vive uma parcela da juventude brasileira, a parcela que morre bem mais do que mata. E só testemunhei a sociedade brasileira olhar de verdade – olhar para ver essa realidade – uma única vez: quando o Brasil assistiu, em horário nobre do domingo, ao documentário Falcão – Meninos do tráfico. É um bom momento para revê-lo.

Sabe por que a violência praticada por adolescentes não é maior do que é? Por causa de seus pais – e especialmente de suas mães. A maioria delas trabalha dura e honestamente, muitas como empregadas domésticas, cuidando da casa e dos filhos das outras. Contra tudo e contra todos, numa luta solitária e sem apoio, elas se viram do avesso para garantir um futuro para seus filhos. O extraordinário é que, apesar de sua enorme solidão, sem amparo e com falta de tudo, a maioria consegue. Àquelas que fracassam cabe a dor que não tem nome, a mesma dor impossível que vive a mãe de Victor Hugo Deppman: enterrar um filho.

Em 2006, espantada com uma geração de brasileiros, a maioria negros e pobres, cuja expectativa de vida era 20 anos, andei pelo País atrás dessas mulheres. Elas respiravam, mas não sei se estavam vivas. Lembro especialmente uma, a lavadeira Enilda, de Fortaleza. Quando o primeiro filho foi assassinado pela polícia, ela estava com as prestações do caixão atrasada. O pai do menino tinha ganhado um dinheiro fazendo pão e, em meio à enormidade da sua dor, eles correram para regularizar o pagamento. Quando conversei com ela, Enilda pagava as prestações do caixão do segundo filho. O garoto ainda estava vivo, mas em absoluta impotência, essa mãe tinha certeza de que o filho morreria em breve. Diante de minha perplexidade, Enilda me explicou que se precavia porque testemunhava muitas mães nas redondezas pedindo esmola para enterrar os filhos – e ela não queria essa humilhação. Enilda dizia: “Meu filho vai morrer honestamente.”

Nunca alcancei essa dor, que era não apenas de enterrar um filho, mas também de comprar caixão para filho vivo, o único ato de potência de uma mulher que perdera tudo. Enilda vivia numa situação de precariedade quase absoluta, tentando trancar nas peças apertadas da casa os filhos que restavam, num calor infernal, para que não fossem às ruas e se viciassem em crack. É claro que perdia todas as suas batalhas. A certeza de ser honesta era, para ela, toda a sanidade possível. (leia aqui).

O que podemos dizer a mulheres como Enilda? Que agora podem ficar tranquilas porque o País voltou a discutir a redução da maioridade penal e o aumento do período de internação? Que é por falta de cadeia logo cedo que seus filhos vendiam e consumiam drogas, roubavam e foram assassinados? Que, ao saber que podem ir presos aos 16 em vez dos 18 anos, seus filhos ainda vivos aceitarão as péssimas condições de vida e levarão uma existência em que não trafiquem, roubem nem sejam mortos? Que é disso que se trata? Quando o primeiro filho de Enilda foi executado, ele tinha 20 anos – e já tinha passado por instituições para adolescentes e pela prisão.

Antes de tornar-se algoz, a maioria das crianças e adolescentes que infringiram a lei foi vítima. E ninguém responde por isso.

Não há educação sem responsabilização. É por compreender isso que o ECA prevê medidas socioeducativas. Mas, quando a solução apresentada é aumentar o rigor da lei – e/ou reduzir a maioridade penal –, pretende-se dar a impressão à sociedade que os adolescentes não são responsabilizados ao cometer um crime. Essa, me parece, é a falsa questão, que só empurra o problema para a frente. A questão, de fato, é que nem o Estado, nem a sociedade se responsabilizam o suficiente pela nova geração de brasileiros.

Educa-se também pelo exemplo. Neste caso, governantes e parlamentares poderiam demonstrar que têm maioridade moral cumprindo e fazendo cumprir a lei cujo rigor (alguns) querem aumentar.

Eliane Brum é jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance – Uma Duas (LeYa) – e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda (Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua – uma repórter em busca da literatura da vida real (Globo).

Magistrados divulgam carta contra redução da maioridade penal

22 de abril de 2013
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Magistrados reunidos no Fórum Nacional da Justiça Juvenil manifestaram posição contrária à redução da maioridade penal. Foto de Tais Valle/TJES.

Via Ajuris

O posicionamento de magistrados sobre a cobrança da sociedade por mais rigor na punição a adolescentes que cometem atos infracionais consta da Carta de Vitória em Defesa da Responsabilidade (leia íntegra aqui). Reunidos no 13º Fórum Nacional da Justiça Juvenil (Fonajuv), em Vitória (ES), entre 11 e 13 de abril, juízes de todo o Brasil, dentre eles, os gaúchos Vera Deboni, da Vara de Execuções Socioeducativas do 3º Juizado da Infância e Juventude, e Leoberto Brancher, da Vara Regional da Infância e Juventude de Caxias do Sul, manifestaram-se contrários a redução da maioridade penal.

O tema não é recente, mas a polêmica foi reascendida porque na terça-feira, dia 9/4, um adolescente de 17 anos assaltou e matou, três dias antes de completar 18, um jovem de 19 anos na zona leste de São Paulo. A carta expõe a visão dos juízes em relação à cobrança da sociedade por mais rigor na punição a adolescentes que cometem atos infracionais e destaca a posição contrária à redução da maioridade penal.

O texto contempla diretrizes e expectativas para a adoção de políticas voltadas para crianças e adolescentes que necessitam de medidas socioeducativas. Os magistrados manifestam preocupação com a “permanente exposição dos cidadãos brasileiros a toda sorte de riscos, violências e vitimizações, que entendem poderiam estar sendo evitadas mediante soluções de maior responsabilidade na gestão das políticas de Estado correspondentes”. Os juízes, no entanto, ponderam que o “problema da violência é cercado de grande complexidade e não será resolvido por soluções simplistas como o mero endurecimento das legislações punitivas”.

O debate também foi abordado pelo magistrado aposentado João Batista Costa Saraiva, consultor para Área da Infância e Juventude, em entrevista na segunda-feira, dia 15, ao programa Manhã Bandeirantes, da rádio Band AM (ouça a íntegra aqui). O assunto também rendeu um programa Polêmica, pela manhã da mesma segunda-feira, na Rádio Gaúcha, com a presença do desembargador aposentado Aramis Nassif. Além dele, participaram o deputado federal Ênio Bacci (PDT), e o promotor de Justiça da Infância e Juventude encarregado de fiscalizar a aplicação de medidas socioeducativas nas unidades da Fase, Júlio Alfredo Almeida (para ouvir o Polêmica acesse 1º Bloco, 2º Bloco, 3ºBloco, 4ºBloco, 5º Bloco, 6º Bloco e 7º Bloco).


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