Estudiosos de segurança pública e mídia avaliam que noticiário fortalece “marca” da facção e que governo tucano faz “jogo de cena”. Para sociólogo, tema é “calcanhar de aquiles” do PSDB.
Gisele Brito, via RBA
Desde o dia 27 de fevereiro, parte da imprensa dá detalhes de um plano de fuga de quatro líderes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC). Entre eles Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Bandidos treinados para pilotar helicópteros iriam fazer o resgate. A história veio a público graças ao vazamento de uma investigação das polícias Civil e Militar e do Ministério Público de São Paulo. Após a revelação, o governo estadual pediu a transferência dos nomes investigados para o Regime de Detenção Diferenciado (RDD), onde os presos ficam 22 horas diárias em solitárias durante 60 dias. Para especialistas em segurança pública e comunicação ouvidos pela RBA, o estardalhaço em torno da suposta fuga fortalece a “marca” do PCC e é motivado pelo ano eleitoral.
Antes de se tornar público o plano, nenhum planejamento preventivo havia sido feito para impedir a execução. Houve apenas o deslocamento de homens do Comando de Operações Especiais (COE) da PM – com armamento capaz de derrubar helicópteros – para o entorno da Penitenciária 2, em Presidente Venceslau, no interior paulista.
Além da transferência de Marcola e de mais três membros do PCC para o RDD, ninguém foi preso. Pelo contrário. Segundo notícia da Folha de S.Paulo do dia 12 de março, Márcio Geraldo Alves Ferreira, o Buda, um dos principais articuladores do plano, foi, no dia 12 de janeiro, levado para a 73º DP, no Jaçanã, zona norte da capital, por estar com documentos falsos. Na época já se investigava a fuga e a sua participação, mas ele foi liberado.
Ainda assim, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) repetiu o discurso de que “São Paulo não se intimida”, minimizou a força do PCC e enfatizou a qualidade da polícia. E setores da mídia potencializaram tanto o espetacular plano de fuga quanto a inteligência dos órgãos de segurança pública do estado.
A coordenadora do curso de jornalismo da Universidade Mackenzie, Denise Paieiro, que pesquisa a relação entre mídia e discurso do terror, destaca que a cobertura dedicada ao assunto fortalece a imagem da organização criminosa. “Os veículos de comunicação perderam um pouco a mão em vários momentos. Deram detalhes da operação. Entrevistaram especialistas que ampliaram esses detalhes, o que aumenta o medo potencial de terror. Tem notícia? Tem. Mas é uma informação realmente relevante ou estamos fortalecendo a imagem da organização?”
Sobre a atuação do governo, mais do que o discurso, a postura da gestão tucana aponta uma tentativa de conciliação com o PCC, o que se explicita com o episódio da fuga. “Tem toda uma sensação de combate efetiva, mas, do outro lado, tem uma ação de manter o acordo feito em 2006, de manter a acomodação para que não ocorra uma ruptura generalizada em todo o sistema”, avalia a socióloga Camila Nunes Dias, autora do livro A história secreta do PCC.
A maior demonstração de força do PCC ocorreu em maio de 2006, quando policiais foram assassinados em emboscadas e ônibus foram queimados, levando pânico à capital paulista. A ação foi coordenada de dentro de presídios e executada por dezenas de pessoas nas ruas. Depois de dois dias de terror, os ataques só cessaram depois do governo negociar com Marcola.
O grupo atingiu tal capacidade de articulação depois de crescer à margem das preocupações do governo estadual, responsável pelos presídios e que, como agora, manteve o discurso de minimizar o poder da facção.
Camila Nunes aponta que a resposta ao suposto plano de fuga era previsível e que, na realidade, o governo Alckmin manobraria a situação para se beneficiar dela. “Considerando o perfil do Marcola, não acho razoável que ele fosse armar algo tão mirabolante. E, se fosse verdadeiro esse plano, você pediria uma internação em RDD por apenas 60 dias? A leitura que eu tenho feito é que é um jogo de cena para mostrar ação.”
A socióloga entende que a divulgação do plano se trata de estratégia política de grupos que fazem parte do governo do PSDB. “Tem gente pensando nos debates das eleições que vem aí. Tudo isso é parte desse cenário pré-eleitoral. O PCC é um dos calcanhares de aquiles desse governo”, prossegue.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Lima, vê no reconhecimento do poderio de uma organização criminosa a peça fundamental para seu enfrentamento. “Isso aconteceu, por exemplo, no caso da máfia italiana, quando os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo se uniram para criar mecanismos de contenção. Mas não no enfrentamento com tiro. Isso, no caso brasileiro, é ainda mais complexo, pois nós não temos a cultura da transversalidade, das secretarias que se conversam, interação entre as polícias e outros órgãos do sistema de justiça”, comenta.
Enquanto o enfrentamento não vem, o PCC se fortalece. O doutor em Ciências Sociais Guaracy Mingardi, ex-secretário nacional de Segurança Pública, diz que a transferência dos líderes da facção para o RDD, odiado pelos detentos, pode ser o estopim para uma nova rodada de rebeliões ou terror, como a de 2006. “Para isso acontecer, só depende de clima. Mas se não houver esse clima, não é por enfraquecimento do PCC ou ação do Estado. Desde 2006, o PCC só se fortaleceu”, analisa.
Mingardi lembra que, em anos eleitorais, o Estado fica mais frágil, submetido a interesses obscuros, e as organizações criminosas ganham mais poder de barganha para pressionar os governantes e não serem incomodados. “Por isso, a tendência é tentar apaziguar com medidas pouco efetivas, como o RDD de 60 dias”, conclui.
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