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CPI da Privataria poderia revelar pontos obscuros do caso Banestado em Minas

13 de março de 2014

Banestado02_MG

Denúncia sobre mensalão tucano via esquema Banestado resulta em condenação de Valério, mas Azeredo continua impune graças à opção do STF de manter caso em segundo plano.

Helena Sthephanowitz, via RBA

No ano passado, o deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB/SP) conseguiu assinaturas suficientes para que a Mesa Diretora da Câmara instaure uma nova CPI, desta vez para investigar as privatizações promovidas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Enquanto esperamos pela decisão, o pedido levanta expectativas de que uma parte do famoso caso Banestado – o Banco Estadual do Paraná –, até agora mantida em segredo nos arquivos do Congresso, volte à tona.

Alvo de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso Nacional em 2003 e de uma força-tarefa formada por 40 procuradores, delegados, agentes e peritos do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, a descoberta de um esquema ilegal de uso das contas CC5 – criadas pelo Banco Central para permitir transferências de dinheiro para o exterior – no Banestado foi a precursora de uma série de outras investigações, muitas delas ainda em curso nos gabinetes de procuradores, delegados e juízes.

Entre as descobertas, as auditorias apontaram que, de 1998 a 2001, bilhões de dólares foram remetidos do Brasil para o exterior, na mais gigantesca evasão de divisas de que se tem notícia. Não há, na história da República, um escândalo financeiro tão longevo e de tantas ramificações quando o caso Banestado.

A devassa no Banestado partiu de uma denúncia feita contra um dos gerentes do banco, que havia enviado dinheiro ao exterior ilegalmente por meio das CC5 e, em depoimento, relatou o esquema montado na instituição. De uma forma inédita na história do país, foram abertas duas frentes de investigação.

A força-tarefa resultou em inúmeras operações da Polícia Federal para investigar o uso do câmbio ilegal no Brasil e acabou varrendo diversos doleiros do mercado. Resultam dela algumas das mais importantes operações da PF já realizadas, como Farol da Colina, Suíça, Kaspar I e II e Satiagraha.

O conjunto de ações integradas entre a PF e o MP foi encerrado em setembro de 2007 após ter denunciado 684 pessoas, resultado em 97 condenações, investigado mais de 1.170 contas bancárias no exterior e bloqueado R$380 milhões no Brasil e R$34,7 milhões fora do país. Após seu término, os inquéritos ainda em andamento foram remetidos para procuradores em diversos Estados e provocaram novas investigações.

Já a CPI do Banestado foi encerrada em dezembro de 2004 sem a aprovação de seu relatório final. Na época, os partidos fizeram um acordo para encerrar as investigações, após a comissão ter recebido dos Estados Unidos um lote de documentos sobre a movimentação de brasileiros em contas bancárias abertas no MTB Bank, outro escritório de lavagem de dinheiro norte-americano. Segundo o jornalista Ribeiro Jr. (autor de A Privataria Tucana), a revelação dos dados do MTB foi determinante para que fosse desencadeada a “operação abafa” na CPI.

Depois de tudo isso, voltemos ao noticiário da semana passada: uma denúncia do MPF afirma que, Marcos Valério e seus sócios promoveram a saída clandestina de recursos financeiros do país, em montante superior a US$628 mil, por intermédio da Beacon Hill Service Corporation e da subconta Lonton. Os investigadores identificaram 23 transferências em que a empresa SMP&B, comandada pelos réus, foi a beneficiária, ordenante e/ou remetente das divisas.

A autoria da denúncia lembrou que o crime de lavagem envolveu o branqueamento dos valores arrecadados no contexto do esquema que ficou conhecido como mensalão tucano, “uma estrutura organizada para favorecer a chapa composta pelo tucano Eduardo Azeredo e Clésio Andrade na campanha ao pleito de Governador do Estado de Minas Gerais no ano de 1998, por meio do desvio de verbas públicas e obtenção de recursos privados, em cuja implementação eram peças-chave as empresas DNA Propaganda Ltda., SMP&B Comunicação Ltda. e seus sócios”.

Em todos eles, as investigações culminaram em uma sequência de operações que incluiu o desvio de recursos públicos, seguido da evasão de divisas por meio de doleiros, da circulação do dinheiro em contas de bancos norte-americanos e da abertura de offshores em paraísos fiscais. Sem a identificação dos seus beneficiários finais, protegidos pelo sigilo oferecido nesses países, as offshores promoviam investimentos no Brasil, reinserindo o dinheiro, já lavado, na economia.

A participação tucana na obscura história do caso Banestado é a parte da história que pode ser revelada, caso nossos deputados efetivamente usem seu poder convocatório para esclarecer os fatos, numa eventual CPI da Privataria.

Afinal de contas, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, ex-sócios nas agências de publicidade SMP&B e DNA Propaganda, já foram condenados e sentenciados pela justiça mineira e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na AP 470, o chamado caso mensalão, pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Já o ex-deputado Eduardo Azeredo continua sem ser julgado, uma vez que o ministro Joaquim Barbosa deixou o mensalão do PSDB em segundo plano.

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Protógenes Queiroz lançará livro-bomba contra banqueiro Daniel Dantas

24 de janeiro de 2014
Delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz

Protógenes vai lançar um relato sobre as investigações da Operação Satiagraha, que envolve o banqueiro Daniel Dantas.

Na esteira do sucesso editorial dos livros A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. e, mais recentemente, Operação Banqueiro, do também jornalista Rubens Valente, o deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB/SP) prepara o lançamento do livro Operação Satiagraha, no qual o ex-delegado da Polícia Federal (PF) diz ter sofrido ameaças por causa da obra e passou a andar armado e em carro blindado. No relato a ser publicado, o banqueiro Daniel Dantas, preso em 2008 devido às investigações conduzidas pelo hoje deputado federal, é tratado como Morcegão.

“Assim como o Morcegão não dorme, eu também não durmo”, escreve Queiroz.

No sábado, dia 18, Protógenes revelou em sua página no Twitter ser vítima de uma “investigação clandestina” da própria PF. O caso estaria relacionado a seus passaportes – quando atuava na PF, Protógenes foi também consultor de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e chegou a movimentar contas bancárias em Lugano, na Suíça.

Segundo o deputado, essa investigação estaria sendo conduzida por “viúvas do Tuma” e pelo banqueiro Daniel Dantas – a quem chama de #BanqBandDD. Em relação a Tuma, o deputado se refere ao também delegado Romeu Tuma Júnior, que lançou recentemente o livro Assassinato de reputações, que acusa o governo petista de preparar dossiês contra adversários.

Tanto na Operação Banqueiro como no próximo lançamento editorial, assinado por Queiroz, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes é citado como forte aliado do banqueiro Daniel Dantas. Nas mensagens obtidas por Valente, Dantas era tido como amigo do ministro, então chefe da Advocacia Geral da União. Um trunfo dentro do governo.

“Um dos e-mails sugere que Dantas contava com o apoio de Mendes numa disputa com a Agência Nacional de Telecomunicações e para manter na agência um procurador simpático a seus interesses. Em 2008, quando Mendes estava no Supremo e Dantas estava preso, o ministro concedeu habeas corpus para libertá-lo e fez críticas públicas à maneira como as investigações foram conduzidas”, afirma o texto de divulgação do livro, publicado no diário conservador paulistano Folha de S.Paulo.

“Eu nunca vi Daniel Dantas. Na Satiagraha, houve abuso na investigação e minhas decisões impuseram uma derrota ao Estado policial”, defende-se Mendes, em entrevista à Folha.

Em mensagem a Rubens Valente, o ex-presidente Fernando Henrique disse que sabia da relação de Roberto Amaral com Daniel Dantas e afirmou que nunca tomou medidas para favorecê-lo. A assessoria do Opportunity afirmou que Dantas desconhece as mensagens encontradas pela polícia na residência de Roberto Amaral.

Advogados de Dantas

O banqueiro Daniel Dantas, figura central de ambos os livros, o que teve sua primeira edição esgotada e o segundo, agora no prelo, ameaçou a editora Geração Editorial, na semana passada, um dia antes do lançamento de Operação Banqueiro, com uma notificação extrajudicial na qual acusa o autor de utilizar materiais ilícitos em suas investigações. O livro traz revelações e novas provas sobre as ações do banqueiro e do Banco Opportunity.

Na notificação extrajudicial, subscrita pelos advogados de Dantas, o banqueiro afirma, segundo a Geração Editorial, que “pode-se concluir que a publicação extrapola – em muito – os limites do exercício da liberdade de expressão, sujeitando V. Sas. [Geração Editorial], na qualidade de editores e distribuidores, à responsabilização pela divulgação dos dados sigilosos e pelos danos causados ao notificante [Dantas] e ao Opportunity”. Segundo os advogados, alguns dados utilizados no livro estão sob sigilo e, por isso, “o conteúdo divulgado no livro intitulado Operação Banqueiro é ilícito”.

Ainda segundo a editora, há na notificação enviada reconhecimento de que pode ter havido uma leitura superficial da obra, uma vez que o preparo e o envio desta se deu anteriormente ao lançamento do livro. Tanto Rubens Valente quanto a editora afirmam não ter utilizado nenhum material ilícito e que os dados obtidos pelo jornalista são provenientes de documentos e inquéritos policiais e administrativos de interesse público.

“Caso prosperasse a tese desenvolvida pelo banqueiro e contida na peça ameaçadora de seus advogados, todos os jornais e revistas do país, todas as emissoras de televisão e todas as editoras estariam impedidas de divulgar quaisquer investigações desenvolvidas, por exemplo, pela Polícia Federal”, afirmou Luiz Fernando Emediato, publisher da Geração Editorial, na página de Operação Banqueiro no Facebook.

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Daniel Dantas sente o golpe e ameaça editora do livro Operação Banqueiro

17 de janeiro de 2014

Daniel_Dantas14_LivroDaniel Dantas ameaça a Geração Editorial pelo livro Operação Banqueiro e quer impedir divulgação de dados de inquéritos e processos judiciais.

Luiz Fernando Emediato, via Carta Maior em 17/1/2014

O banqueiro Daniel Dantas fez a primeira ameaça oficial à Geração Editorial, que na sexta-feira, dia 10, lançou a obra Operação Banqueiro, do jornalista Rubens Valente, com revelações e provas inéditas sobre as atividades do banqueiro e do Banco Opportunity. A primeira edição da obra esgotou nas livrarias em poucos dias e a Geração trabalha para colocar a segunda edição nas livrarias de todo o país.

Em notificação extrajudicial datada de 9 de janeiro, subscrita pelos seus advogados, Daniel Dantas ataca a citação, na obra, de dados obtidos pelo jornalista em inúmeros processos judiciais e inquéritos policiais e administrativos de interesse público. O banqueiro afirma que “pode-se concluir que a publicação extrapola – em muito – os limites do exercício da liberdade de expressão, sujeitando V. Sas. [Geração Editorial], na qualidade de editores e distribuidores, à responsabilização pela divulgação dos dados sigilosos e pelos danos causados ao notificante [Dantas] e ao Opportunity”.

O banqueiro alega que há dados sob sigilo e, por isso, “o conteúdo divulgado no livro intitulado Operação Banqueiro é ilícito”.

A notificação extrajudicial é datada de 9 de janeiro, um dia antes da chegada da obra às livrarias do país. A peça assinada pelos advogados do banqueiro reconhece que houve portanto uma “leitura superficial”. Segundo o banqueiro, “a leitura superficial da obra publicada permite constatar a divulgação indevida, ainda que não se reconheça o seu teor, de informações sigilosas constantes de processos judiciais e administrativos, como por exemplo o conteúdo de interceptações telefônicas, a transcrição de e-mails; a reprodução de documentos e relatórios da Polícia Federal”.

A Geração Editorial e o autor reafirmam que jamais utilizaram material “ilícito” e que a divulgação de dados do gênero é reconhecida em várias esferas judiciais e oficiais que defendem o direito à liberdade de informação e de expressão no Brasil. Caso prosperasse a tese desenvolvida pelo banqueiro e contida na peça ameaçadora de seus advogados, todos os jornais e revistas do país, todas as emissoras de televisão e todas as editoras estariam impedidas de divulgar quaisquer investigações desenvolvidas, por exemplo, pela Polícia Federal.

Os brasileiros já estão acostumados a abrir todos os dias os jornais e revistas ou ligar a televisão no noticiário para ter acesso a gravações telefônicas e e-mails interceptados por ordem judicial no decorrer de processos e inquéritos da Polícia Federal e das várias polícias nos Estados. Estaria o “Jornal Nacional” e os jornais televisivos da Rede Record, da Rede Bandeirantes e do SBT, dentre tantas outras emissoras, fazendo uso de “conteúdo ilícito” em seu noticiário? Estariam a revista Veja, Época, IstoÉ e CartaCapital, semanalmente, e os jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo, diariamente, apenas para citar alguns mais conhecidos no país, usando material “ilícito” em suas páginas? Estariam todos esses veículos “extrapolando – em muito – os limites do exercício da liberdade de expressão”?

A resposta a todas essas perguntas é obviamente não, pois editores e jornalistas apenas cumprem o seu papel e o seu dever de bem informar a população sobre temas de interesse público. Caso a tese levantada pelo banqueiro fosse verdadeira e acolhida pelo Judiciário, seria instituído no país um verdadeiro sistema autoritário de censura e de controle da liberdade de expressão e de informação, no qual jornalistas e editores seriam perseguidos e punidos apenas porque levaram ao público determinadas informações, principalmente as que incomodam forças poderosas no país.

A Geração Editorial e o autor reafirmam o respeito à lei e à Justiça brasileiras e o compromisso com a transparência de seus atos e com o direito do leitor de ter acesso a informações de interesse da sociedade.

Luiz Fernando Emediato é publisher da Geração Editorial.

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Serra, Gilmar, Demóstenes e Dantas: Operação Banqueiro revela as duas maiores fábricas de dossiês do Brasil

16 de janeiro de 2014

Luis Nassif, via Jornal GGN

O livro Operação Banqueiro, do jornalista Rubens Valente, caminha para se tornar um clássico na devassa das relações estado-lobbies privados, especialmente o capítulo “As ameaças do grande credor”, que descreve a correspondência do superlobista Roberto Amaral com Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity, reportando e-mails e conversas que manteve em 2002 com o então presidente Fernando Henrique Cardoso e o candidato José Serra.

As mensagens constam de dez CDs remetidos à Procuradoria Geral da República em Brasília – e que permaneceram na gaveta do PGR Roberto Gurgel, que não tomou providência em relação ao seu conteúdo.

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Serra e o lobista Roberto Amaral.

Nas mensagens a FHC e Serra, Amaral insiste para que se impeça a justiça de Cayman de entregar a relação de contas de brasileiros nos fundos do Opportunity. Amaral acenava com os riscos de se abrir os precedentes e, depois, o Ministério Público Federal investir sobre as contas do Banco Matrix – de propriedade de André Lara Rezende e Luiz Carlos Mendonça de Barros, figuras ativas no processo de privatização. E, principalmente, sobre as contas de Ricardo Sérgio, colocado por Serra na vice-presidência internacional do Banco do Brasil. Parte das mensagens havia sido divulgada em 2011 pela revista Época (clique aqui).

São relevantes para demonstrar que o Opportunity tornou-se uma questão de Estado, com envolvimento direto de FHC (tratado como “pessoa” nos e-mails entre Amaral e Dantas), José Serra (alcunhado de “Niger”) e Andréa Matarazzo (tratado como “Conde”). Dantas era alcunhado de “grande credor”.

Mostra também como Gilmar Mendes, então na Advocacia Geral da União (AGU), foi acionado em questões que interessavam ao Opportunity junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Não apenas por isso, mas pelo levantamento minucioso de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), das pressões sobre procuradores e policiais, da atividade pró-Dantas de advogados ligados ao PT, trata-se de obra definitiva para se entender os meandros da estratégia que resultou na anulação da Operação Satiagraha.

Em entrevista a Sérgio Lyrio, da CartaCapital, Valente afirma que “sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular”.

É mais do que isso. Nem Mendes nem Dantas individualmente teriam o poder de influenciar os quatro grandes grupos de mídia. O único personagem com capacidade de unir todas as pontas em torno de uma bandeira maior – a conquista da Presidência da República – era José Serra. É a partir dele que deve ser puxado o fio da meada.

Satiagraha foi a 1ª Guerra Mundial da mídia, um ensaio para as guerras seguintes, nas eleições de 2010 em diante.

As fábricas de dossiês

Valente não aborda o papel da mídia e a maneira como eram construídos os dossiês. Os dados abaixo são de levantamentos antigos do blog, aos quais se somam algumas revelações adicionais do livro.

Na série “O caso de Veja” havia mostrado a maneira como Dantas e a Veja se valiam de dossiês para fuzilar não apenas adversários políticos, mas magistrados e jornalistas que ousassem investir contra os interesses do banqueiro. É a mesma tecnologia – de dossiês e assassinatos de reputação, com ampla repercussão midiática – reproduzida no modo Cachoeira-Veja de atuar e, antes, no modo Serra exemplificado no caso Lunus.

Dois capítulos da série merecem atenção especial:

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● Desembargador do STJ, Edson Vidigal confirmou uma sentença contra Dantas. Veja fuzilou-o em uma matéria com acusações dúbias. A matéria informava que as acusações mereceram representação contra ele no CNJ. Vai-se conferir a representação e ela tomava como base a própria reportagem da Veja. Ou seja, a revista noticiou a representação mesmo antes da denúncia que serviu de base para ela ser publicada.

O caso Márcia Cunha – uma juíza séria, do Rio, foi fuzilada pela Folha por contrariar interesses de Dantas e ter recusado proposta de suborno. Tempos depois, constatou-se sua inocência e comprovou-se a tentativa de suborno.

O livro de Valente passa ao largo da atuação da mídia, mas permite colocar as últimas pedras do quebra cabeça para entender as sementes do modelo de manipulação visando resultados políticos e jurídicos, e que se torna padrão na atuação de Dantas, de Serra (com o ápice do caso da “bolinha de papel”) e de Cachoeira.

O infográfico abaixo mostra os principais atores desse período de uso intensivo de factoides, que se inicia com o caso Lunus, em 2002, e se encerra (pelo menos nesta fase) com dois episódios simultâneos: a CPI de Carlinhos Cachoeira e o julgamento da AP 470. Todos os personagens citados estiveram envolvidos na indústria de dossiês.

Ao longo do artigo, essas ligações serão melhor esmiuçadas. Não fazem parte do livro, que fornece apenas algumas peças do quebra-cabeças, como o fato de até 2002 Serra considerar Dantas homem de ACM. Embora desde alguns anos antes, Dantas já tivesse se tornado sócio de Verônica Serra.

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Sobre a tecnologia de manipulação da Justiça

Na Satiagraha foi colocada em prática a tecnologia midiática que tornou-se padrão nos anos seguintes, até o ápice no julgamento da AP 470.

Consistia nas seguintes etapas:

Etapa 1 – O ministro Gilmar Mendes criava um fato político, verdadeiro ou falso, visando provocar comoção no STF e na opinião pública. Em geral eram fatos baseados exclusivamente nas afirmações dele, sem nenhuma testemunha que os corroborasse.

Etapa 2 Veja transformava o fato em reportagem de capa, valendo-se do padrão que consagrou nas parcerias com Carlinhos Cachoeira.

Etapa 3 – No momento seguinte, o fato era repercutido pelo Jornal Nacional e demais grupos integrantes do cartel jornalístico.

Etapa 4 – Com base na repercussão, parlamentares ou autoridades judiciais aliadas da revista solicitavam providências que acabavam se completando devido ao clamor da mídia.

O clamor da mídia, a criação da figura do inimigo externo e o macartismo colocado em prática forneciam a blindagem para as ações de outros personagens, como os ex-procuradores gerais da República Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, além de ministros do STF.

O piloto desse tipo de operação foi o caso Lunus, que inviabilizou a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da República. E a continuação foi a campanha de 2010, com a fabricação infindável de dossiês falsos repercutidos pela velha mídia.

A montagem da central de dossiês

É na Operação Lunus que estão as pistas para se chegar ao início do nosso modelo. Ele nasce com a nomeação de José Serra para ministro da Saúde. Por intermédio da Central de Medicamentos (Ceme), Serra monta o embrião de sua indústria de dossiês, contratando três especialistas em trabalhos de inteligência: o subprocurador da República José Roberto Santoro, o policial federal Marcelo Itagiba e o ex-militar Enio Fonteles, dono da Fence Consultoria Empresarial, especializada em arapongagem.

A primeira grande ação do grupo foi a Operação Lunus. Usou-se o poder de Estado para tal. Do lado do Ministério Público, Santoro imiscuiu-se em um inquérito que não era dele e coordenou a ação cujo titular era o procurador Mário Lúcio Avellar. Policiais federais montaram campana, identificaram o dia e a hora em que a Lunus – de Jorge Murad – receberia contribuições e montaram um flagrante acompanhado de uma equipe do Jornal Nacional. Para melhorar a cena, arrumou-se o dinheiro em pacotes de grande visibilidade, facilitando o impacto televisivo.

Essa mesma jogada – de empilhar o dinheiro para dar impacto televisivo – foi repetida no caso dos “aloprados”, em 2006, entre um delegado da Polícia Federal e o Jornal Nacional.

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Impacto no PIG: A cena da Lunus (esquerda) e dos aloprados (direita).

Houve indícios de envolvimento direto da Presidência da República com a Operação Lunus. Da própria empresa foi enviado um telex para o Palácio do Planalto dando conta do sucesso da operação. A mídia ainda não estava fechada com Serra e a cobertura da época desvendou rapidamente a jogada.

A Fence recebia por varredura efetuada. Segundo reportagem da revista Veja, de 20/3/2002, de 1º de janeiro a 28 de fevereiro de 2002, período que antecedeu a Operação Lunus, a Fence recebeu do Ministério R$210 mil. Para tanto, necessitaria ter realizado 840 varreduras em menos de 60 dias, ou quase 14 varreduras por dia (clique aqui).

É evidente que o pagamento não se devia a varreduras internas no Ministério. Depois que tomou posse como governador, Serra contratou a Fence para monitorar todos os telefonemas do Estado de São Paulo que passavam pela Prodesp (empresa de processamento de dados do estado) e “outras de seu interesse”.

Reportagem da Folha, de 17 de março de 2002, dizia o seguinte sobre Santoro e Itagiba (clique aqui):

“O presidenciável tucano, senador José Serra (SP), conseguiu reunir sob as asas de aliados as duas principais investigações em curso que podem prejudicar sua candidatura ou implodir a campanha de seus adversários. São eles o subprocurador da República José Roberto Santoro e o delegado de Polícia Federal Marcelo Itagiba”.

A reportagem mostrava como Santoro coordenou informalmente o pedido de busca e apreensão de documentos na Lunus. E como Itagiba se valeu do cargo de superintendente regional da PF para afastar um delegado que investigava doações de campanha a Serra. Segundo a matéria, era antiga a parceria de Santoro e Itagiba:

“José Roberto Santoro e Marcelo Itagiba fazem parte da tropa de choque de Serra no aparato policial e de investigação. Os dois já estiveram juntos antes. Em 2000, enquanto Santoro promovia ações judiciais de interesse do então ministro José Serra na área da saúde, Itagiba coordenava uma equipe instalada na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]para investigar laboratórios”.

A aproximação com Cachoeira

O esquema Serra gerou dossiês contra competidores internos no PSDB – Paulo Renato de Souza, Tasso Jereissatti e Aécio Neves. Já no governo Lula, o passo seguinte do grupo foi na Operação Valdomiro Diniz, primeiro petardo contra o então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

Foi divulgado vídeo de 2002, no qual Valdomiro, servindo no governo Benedita da Silva, pedia propina a Carlinhos Cachoeira. Quando o vídeo vazou, Valdomiro trabalhava como assessor da Casa Civil. A bomba acabou explodindo no colo de Dirceu, que pagou o preço de não ter ouvido assessores sobre o passado de Valdomiro.

Assim que o caso explodiu, Santoro e o procurador Marcelo Serra Azul reuniram-se com Cachoeira de madrugada, no próprio prédio do Ministério Público Federal, em Brasília, para obter a íntegra da fita em troca de proteção jurídica. Santoro já era subprocurador geral, sem nenhuma relação com o episódio.

A conversa foi parar no Jornal Nacional, que precedeu a divulgação com um enorme editorial para justificar porque não abriu mão do furo.

No grampo, Santoro pede pressa a Carlinhos Cachoeira porque já amanhecia e o PGR Cláudio Fonteles poderia chegar e acusá-lo de estar armando para prejudicar o chefe da Casa Civil José Dirceu. A maneira como Santoro prevê o que seria a fala de Fonteles – caso os flagrasse na reunião noturna – revela nitidamente suas intenções políticas.

Atualmente, Santoro é advogado contratado pelo PSDB para atuar no caso do cartel dos trens.

Carlinhos Cachoeira e Jairo

A partir dessa primeira abordagem de Santoro sobre Cachoeira, muda o comportamento da mídia. De bicheiro suspeito, passa não apenas a ser blindado como torna-se íntimo colaborador da revista Veja em uma infinidade de escândalos com objetivos políticos. É como se a Operação Lunus estivesse sendo reproduzida em uma linha de montagem.

A de maior impacto foi o do grampo no funcionário dos Correios Maurício Marinho, que resultou por linhas tortas no escândalo do “mensalão”. No capítulo da série de Veja, “O araponga e o repórter” (clique aqui) conto em detalhes essa armação.

Roberto_Jefferson10_Correios

Serra contrata Santoro; Santoro se aproxima de Cachoeira; logo depois Cachoeira fecha seu pacto com a Veja e a CPI de Cachoeira revela os dois principais braços do bicheiro: o araponga Jairo Martins e o então senador Demóstenes Torres.

Foi a fase de maior poder de Cachoeira. Veja transformou Demóstenes em baluarte contra a corrupção. A mando de Cachoeira, Jairo levantava dossiês, Demóstenes fazia as denúncias e Veja repercutia. Com o poder conquistado, Demóstenes fazia lobby para Cachoeira junto ao governo. E aí vão se fechando os elos da corrente, e entra em cena Gilmar Mendes.

Com Demóstenes, Gilmar estreitou uma relação pessoal já antiga (clique aqui). Jairo, o araponga preferencial de Cachoeira, o especialista em dossiês para a Veja foi contratado como assessor especial de Gilmar. Ou seja, o principal operador de Cachoeira, o homem que abastecia Veja com grampos passou a ter acesso ao sistema de telefonia do STF, na condição de assessor especial de Gilmar. Expôs todos os ministros aos grampos de Jairo.

Fechados os elos da corrente, começam a brotar dossiês por todos os poros da mídia. No início da operação, Gilmar foi ajudado por um sem-número de boatos infundados contra ele, alimentados por seus adversários e por abusos da PF em algumas operações espetaculosas.

Veja_Capa_Medo_SupremoOs factoides contra a Satiagraha

Quando surgiram os primeiros boatos sobre o cerco a Dantas, a primeira investida foi uma capa de Veja, “Medo no Supremo”, de 22 de agosto de 2007, em que cozinhava um conjunto de informações velhas, para dar a impressão de que o STF estava ameaçada pelo grampo. Mereceu um dos capítulos da minha série “O caso de Veja” (clique aqui).

Aparentemente, era uma matéria bombástica:

“É a primeira vez que, sob um regime democrático, os integrantes do Supremo Tribunal Federal se insurgem contra suspeitas de práticas típicas de regimes autoritários: as escutas telefônicas clandestinas. Sim, beira o inacreditável, mas os integrantes da mais alta corte judiciária do país suspeitam que seus telefones sejam monitorados ilegalmente”.

A matéria não passava de um amplo “cozidão” de notícias velhas. Vários ministros citados desmentiram a matéria, de Sepúlveda Pertence a Marco Aurélio de Mello. O único que sustentou o que disse foi Gilmar. E o que disse ele?

“A Polícia Federal se transformou num braço de coação e tornou-se um poder político que passou a afrontar os outros poderes”, afirma o ministro Gilmar Mendes, numa acusação dura e inequívoca”.

Quando estourou a Operação Satiagraha, repetiu-se o estratagema em diversos episódios:

1. Os dois habeas corpus em favor de Daniel Dantas

Gilmar tratou o caso como se o estado de Direito estivesse ameaçado. Sucessivas invasões de escritórios de advocacia pela Polícia Federal forneceram-lhe o álibi necessário. Mas avançou muito além do habeas corpus, com discursos bombásticos que, repercutidos pela mídia, criaram o clima de resistência à Satiagraha. No livro, Valente esmiúça todas as decisões controvertidas de Gilmar para anular a operação.

No vídeo abaixo, Gilmar denuncia supostos grampos de que teria sido alvo. Faz um discurso eficiente. Ainda não tinha em sua ficha os episódios seguintes, que não o qualificariam mais como testemunha confiável.


2. O grampo sem áudio

Gilmar_Mendes59_Grampo

Jamais apareceu o áudio do tal grampo de conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, principal parceiro de Veja na conexão Carlinhos Cachoeira.

Investigações divulgadas na época mostravam ser impossível grampear telefones do Senado. Sequer se conferiu se, na tal hora do suposto grampo, houve de fato ligações telefônicas entre Gilmar e Demóstenes, ou ao Senado. Era um grampo consagrador para Demóstenes, onde os dois colegas lembravam as grandes ações cívicas do senador.

Com base em um factoide, Gilmar cobrou explicações do próprio presidente da República. A ameaça de crise entre instituições levou ao afastamento do diretor da Abin Paulo Lacerda e deu início à anulação da Satiagraha.

Segundo o Blog de Noblat, a Abin identificou o araponga que gravou a conversa. Foi o mesmo que passou a transcrição para a revista Veja (clique aqui e aqui). Se o grampo existisse de fato, Veja não teria a menor dificuldade – ou escrúpulo – em divulgá-lo, ou entregar a fonte. Aqui no blog desmontamos a farsa (clique aqui).

É significativo o fato dos dois personagens da história – Gilmar e Demóstenes – terem histórico de criação de factoides sem provas.

Em 2004, Demóstenes já se mostrara exímio fabricante de factoides para gerar mídia e desgaste nos adversários. Como o suposto atentado de que teria sido vítima em 2004 (clique aqui), que rendeu muita manchete sem nunca ter sido devidamente apurado.

Veja_Capa_Espioes013. O grampo no Supremo Tribunal Federal

Um assessor de segurança do STF passou para a revista Veja a informação de que havia detectado grampo em uma das salas do Supremo. Mereceu capa e, com base no alarido, foi criada a CPI do Grampo (clique aqui).

Quando o relatório da segurança do STF foi entregue à CPI, constatou-se que haviam sido captado sinais de fora para dentro do órgão. Logo, jamais poderia ser interpretado como grampo. Coube a leitores do blog derrubar essa armação.

Na CPI ficou-se sabendo que o relatório com as conclusões falsas saíram do próprio gabinete da presidência do STF. Foi tão grande a falta de reação dos demais ministros, ante a manipulação do suposto grampo, que se chegou a aventar a fantasia de que Gilmar teria mandado grampeá-los para mantê-los sob controle.

Nesse período, Jairo Martins, o araponga que armou o grampo dos Correios, assessorava Gilmar.

Veja_Capa_Mensalao014. A reunião com Nelson Jobim e Lula

Mesmo depois da Satiagraha, manteve-se o mesmo modo de operação no julgamento da AP 470. Há um encontro entre Gilmar e Lula no escritório de Nelson Jobim. Passa um mês, sem que nada ocorra. De repente, alguém se dá conta do potencial de escândalo que poderia ser criado. Gilmar concede então uma entrevista bombástica, indignada, dizendo ter sido pressionado por Lula.

Dos três presentes ao encontro, dois – Jobim e Lula – negam peremptoriamente qualquer conversa mais aprofundada sobre o mensalão. Foi em vão. A versão de Gilmar é veiculada de forma escandalosa pela revista Veja, criando o clima propício ao julgamento “fora da curva” da AP 470. O mesmo Gilmar do grampo sem áudio e da falsa comunicação de grampo no STF.

São quatro episódios-escândalos inéditos na história do Supremo, todos os quatro tendo como origem Gilmar Mendes.

Operação Banqueiro: Dantas é personagem central do livro que a Folha não quis publicar

12 de janeiro de 2014

Daniel_Dantas14_LivroRodrigo Vianna em seu O Escrevinhador

O repórter Rubens Valente levou mais de dois anos para escrever Operação Banqueiro. O livro (que chegou na sexta-feira, dia 10, ao mercado) narra os bastidores de uma das maiores batalhas do capitalismo selvagem brasileiro, na virada do século 20 para o 21.

Daniel Dantas está no centro da narrativa. Investigado pela Operação Satiagraha da Polícia Federal, o banqueiro acionou mecanismos políticos, midiáticos e judiciais para travar a investigação. O delegado Protógenes foi afastado do cargo. O juiz Fausto de Sanctis sofreu todo tipo de pressão e acabou também afastado da Vara Federal de São Paulo, que lidava com casos de lavagem de dinheiro e crimes financeiros.

De acusado, Dantas passou a acusador. Processa jornalistas que ousaram mostrar o papel por ele exercido nas nebulosas privatizações dos anos FHC. Quais são os aliados de Dantas no Judiciário? E no mundo político? Ele controla mesmo uma rede própria de “inteligência” para “espionar” os adversários? Quem o protege?

Repórter paciente e discreto, Rubens dedicou-se a garimpar os autos da Operação Satiagraha e assim compôs o perfil do banqueiro. Curiosamente, a Folha – jornal em que Rubens trabalha há mais de uma década – recusou-se a publicar o livro. A Folha tem uma editora e costuma lançar livretos sob o selo “Folha explica”. Pelo visto, o diário conservador paulistano achou que a atuação de Dantas não merecia maiores “explicações”.

Pelo que se sabe, Rubens Valente foi enrolado durante anos. A editora dos Frias acenou com a possibilidade de publicar o livro, mas na hora “h” pulou fora.

Por que a Folha não quis publicar Operação Banqueiro? Medo de processos judiciais (Dantas, como se sabe, dedica-se a processar jornalistas)? Ou medo de envolver nas denúncias personagens graúdos, citados no livro como parceiros de Dantas? Na sexta-feira, dia 10, Folha e O Globo trazem matérias sobre o livro. Nenhuma delas tem assinatura. A ordem parece ser: vamos falar sobre o livro, mas de forma discreta.

A Geração Editorial montou uma “operação de guerra” para garantir a distribuição de Operação Banqueiro – sem sustos, sem riscos de que algum personagem citado na obra tentasse barrar a chegada da mesma às livrarias.

A seguir, um pequeno trecho do livro, que pode fornecer pistas sobre os motivos para a recusa da Folha

***

Não se sabe exatamente a reação de Serra, ou de quem recebeu a “vacina”, mas ela parece ter sido bastante negativa. Porque logo depois [Roberto] Amaral(1) enviou a Dantas, “para ler e rasgar”, a cópia de um e-mail que ele disse ter enviado a Serra para protestar contra a suposta reação do tucano. Nessa mensagem, Amaral fez uma declaração enigmática:

“Dantas teria um crédito, um grande crédito, embora poucas pessoas soubessem disso.”

Reprodução do e-mail interceptado pela PF, que consta no processo da Operação Satiagraha:

Recebi seu recado lido por amigo comum. Aviso-lhe: não mais mande me (sic) recados neste tom: acho que você estava fora de si quando mandou esta infeliz mensagem. Não sou lambe cu acanalhado ou acarneirado. Você sabe disso. Já fiquei seis anos sem falar com você e, se necessário, fico mais vinte. Não sou Roseana ou Sarney(2). Você precisa de mim(3) e eu não preciso de você. Você vá ser acavalado, acerbo, com quem tem obrigação de aguenta-lo. Quanto à sua bizantina observação sobre D [Dantas], devo dizer lhe:

“Você não sabe de nada – nada mesmo. Ponha isto na sua cabeça.”

Ele é credor, grande credor(4). Eu e duas pessoas sabemos disso. Não seja encegueirado e não se deixe embair pelo pequeno Sérgio Andrade […]. Cópia deste vai para a Pessoa.”

***

Observações do Escrevinhador

(1) Roberto Amaral seria um “consultor”, com trânsito no mundo que reúne tucanos e obscuros interesses financeiros.

(2) A referência a Sarney e Roseana teria a ver com a Operação Lúnus? Nela, em 2002, a PF apreendeu grande quantidade de dinheiro vivo com o marido de Roseana Sarney, que à época aparecia à frente de Serra nas pesquisas eleitorais. A operação tirou Roseana da corrida presidencial. A família Sarney atribuiu a Serra a “armação”.

(3) Por que Serra “precisa” de Roberto Amaral, homem que aparentemente fazia a ponte entre políticos e Dantas?

(4) Dantas seria credor de quem?

***

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Operação Banqueiro: “Sem Gilmar Mendes, Daniel Dantas não conseguiria reverter o jogo.”

Operação Banqueiro: “Sem Gilmar Mendes, Daniel Dantas não conseguiria reverter o jogo.”

11 de janeiro de 2014
Daniel_Dantas15_Gilmar_Mendes

O banqueiro livrou-se de dez anos de prisão por suborno com a ajuda do ministro Gilmar Mendes, segundo o livro Operação Banqueiro.

Autor de Operação Banqueiro conta como o ministro do STF livrou o dono do Opportunity das acusações da Operação Satiagraha.

Sergio Lirio, via CartaCapital

Com 24 anos de carreira, Rubens Valente é um dos repórteres mais premiados do Brasil. Rigoroso na apuração dos fatos, fiel na interpretação dos acontecimentos, construiu uma carreira respeitada no jornalismo. Durante mais de dois anos, Valente se dedicou à investigação que resultou no livro Operação Banqueiro (462 páginas, R$44,90, Geração Editorial), um mergulho nos documentos e bastidores da Satiagraha. O subtítulo da obra resume o conteúdo escrito com habilidade e independência: “Uma trama brasileira sobre poder, chantagem, crime e corrupção. A incrível história de como o banqueiro Daniel Dantas escapou da prisão com apoio do Supremo Tribunal Federal e virou o jogo, passando de acusado a acusador”. A análise do livro pode ser lida na edição impressa de CartaCapital que chega às bancas nesta sexta-feira 10. Na entrevista a seguir, Valente fala do papel do então presidente do STF, Gilmar Mendes, na campanha contra a operação policial e a favor de Dantas e desmonta algumas versões mentirosas alimentadas com o único intuito de anular a condenação do banqueiro a dez anos de prisão por suborno. Operação Banqueiro é uma ode à verdade factual e presta um grande serviço à democracia e ao jornalismo.

Daniel_Dantas14_LivroCartaCapital: Na sua longa carreira de repórter, você se lembra de uma operação tão peculiar quanto a Satiagraha?

Rubens Valente: O aspecto mais grave foi a interdição da investigação, a impossibilidade de as autoridades levarem a apuração inteira até o final. Em termos gerais, a regra do jogo do processo penal no Brasil é simples: o delegado aponta evidências, o procurador acusa ou não, o juiz julga. Ao longo do processo, o réu se defende. Em caso de inocência, após o processo o réu pode buscar a punição dos responsáveis por um eventual erro judicial. Mas no caso da Satiagraha, o delegado foi proibido de investigar e o juiz foi impedido de julgar. O sistema foi brutalmente bloqueado, de modo a não funcionar, a não concluir sequer a apuração inicial. Ao longo de 24 anos como repórter, li e acompanhei algumas dezenas de inquéritos policiais. Mas nunca vi uma inversão de fatores tão dramática e na dimensão deste caso. Eu só posso qualificar o rumo dos acontecimentos como espantoso. Que dizer de um cidadão que não chega a ser julgado, mas em poucos meses passa a acusador em um processo contra o próprio delegado e o próprio juiz que o prenderam? É o sonho de todo investigado. As instituições estão em risco quando um acusado consegue impedir que a atribuição de um fato criminoso seja devidamente apurada até o fim pelos órgãos públicos. O bloqueio da Satiagraha foi um dos principais motivos do meu empenho neste livro, inclusive financeiro, pois todos os gastos, incluindo as viagens a três capitais e cópias de documentos, foram bancados com as minhas próprias economias.

CartaCapital: Daniel Dantas não só conseguiu anular na Justiça a operação como leis e regras judiciais foram mudadas depois da ação policial, entre elas o uso de algema (a Lei Dantas), que passou a ser disciplinado. De onde provém tanto poder?

Rubens Valente:  Até 2010, o Opportunity sequer constava nas listas de doadores das principais campanhas eleitorais registradas na Justiça eleitoral. Estranho que uma empresa com tantas relações no meio político não tenha colaborado para eleições até aquele ano. Mas certa vez um advogado de Dantas o descreveu como um indivíduo com boas relações com o Congresso, com os poderosos, uma pessoa “que se vira”. De fato, as relações de Dantas com políticos parece ser um traço fundamental na sua trajetória. Mas isso não explica tudo. No livro procurei descrever as relações de amizade e acadêmicas de advogados de Dantas e do banco Opportunity com o ministro do Supremo Gilmar Mendes. Que durante a presidência do STF disse abertamente se opor ao que chamava de abusos do Ministério Público e da Polícia Federal. As coisas se juntaram. Sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular. A alteração de regramentos se deveu ao empenho pessoal de Mendes, que chegou a convocar um “pacto social” e chamar o presidente da República “às falas”. Ele se tornou um ator fundamental no processo de desqualificação da Satiagraha. Partiu do Supremo o vazamento de um relatório, depois desmontado pelos fatos, que sugeria a existência de grampo sobre autoridades do tribunal. E partiu de Mendes a decisão de acolher a tese de que o juiz Fausto De Sanctis havia se “insurgido” contra o Supremo pelo simples fato de ter ordenado uma segunda ordem de prisão contra Dantas. Como se um juiz não pudesse julgar de acordo com sua consciência. A ideia de uma suposta “rebeldia” comoveu outros ministros do STF, que chegaram a falar em “união” em defesa do tribunal. Como se o Supremo fosse um clube no qual os filiados devem “defender” uns aos outros, e não meramente analisar fatos e provas.

CartaCapital: A introdução de Operação Banqueiro cita excessos e equívocos do delegado Protógenes Queiroz. Essas falhas eram suficientes para anular o processo?

Rubens Valente:  A defesa do banqueiro se aproveitou dessas falhas. Mas o delegado muito mais acertou do que errou. Ele acertou ao elaborar e colocar em prática um plano que levou à documentação da oferta de suborno e à apreensão do dinheiro que seria usado como propina para ele e outro delegado do caso. Foi uma situação arriscada, que ele soube concluir com sucesso. Acertou ao conseguir uma ampla interceptação de telefones e de comunicações por internet com ordem judicial que trouxe evidências importantes para a investigação. Acertou ao não se dobrar às dificuldades do inquérito, que tratava de temas variados e de certa complexidade técnica. Esses méritos, porém, foram ofuscados pela intensa campanha de desmoralização que ele e a Satiagraha sofreram em diversos níveis e por diferentes meios. Seus erros, por mais banais, acabaram amplificados à exaustão. Por quê? Porque ele era a peça mais fraca do inquérito, havia sido abandonado à própria sorte pela sua instituição, a Polícia Federal. Qualquer jornalista com alguma experiência em processos judiciais sabe que todo e qualquer inquérito policial, todo e qualquer, repito, contém certa dose de erros, imprecisões ou conclusões sem rigorosa base nos fatos. Mas o trabalho de um delegado é apenas uma parte do processo. O sistema judicial possui freios e contrapesos que permitem que as opiniões do delegado sejam verificadas por outras instâncias, a saber: o Ministério Público, o juiz e os advogados dos réus. O bê-á-bá de um advogado criminalista é descobrir esses erros e, por meio deles, tentar obter alguma vitória judicial, na estratégia de convencer o Judiciário sobre as “ilegalidades” da polícia. O jornalista isento que ler com paciência o inquérito da Satiagraha vai concluir que os erros cometidos pelo delegado ao longo da operação, talvez o principal deles tenha sido pedir a colaboração de agentes da Abin sem um respaldo superior da direção da Polícia Federal, jamais teriam a capacidade de levar à anulação da operação. Em situações normais de temperatura e pressão, seus erros poderiam ser censurados e corrigidos, mas não teriam qualquer repercussão em termos de legalidade.

CartaCapital: Ao longo da apuração, você encontrou alguma prova ou indício de que o então presidente do STF, Gilmar Mendes, ou algum integrante do tribunal foi grampeado pela Policia Federal ou pela Abin?

Rubens Valente:  Sob vários pontos de vista (jornalístico, técnico, jurídico e mesmo ético), não é mais possível aceitar que essa suspeita continue a ser veiculada como fato, pois todas as imensas e complicadas investigações desencadeadas por diferentes órgãos públicos jamais localizaram qualquer prova material de grampo telefônico ou ambiental sobre qualquer ministro do STF. Eu cuidei de verificar esse ponto quase à exaustão. Ouvi com atenção e a necessária dose de desconfiança integrantes da Operação Satiagraha, li as conclusões das investigações policiais, vi os laudos do material apreendido. Não há uma linha sequer sobre constatação de grampo contra autoridades do Supremo. Esses são os elementos concretos que integram o processo. Fora disso, só mesmo a paranoia, alimentada por um estranho silêncio das autoridades encarregadas de verificar a existências desses supostos grampos. A Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República sabem muito bem que não existe prova alguma dos grampos, mas até hoje, mais de cinco anos depois, jamais vieram a público fazer o desmentido cabal. Nunca prestaram contas das investigações. Esse ato de transparência deveria ter ocorrido há muito tempo, pois instituições e figuras públicas foram colocadas em xeque.

CartaCapital: E quanto as supostas ilegalidades cometidas pela Abin?

Rubens Valente:  Li e reli várias vezes os diversos depoimentos e documentos que integram a Satiagraha e o inquérito aberto para apurar a participação da Abin. A única conclusão possível é que a Abin não usurpou o papel de investigação consagrado pela Constituição às polícias. A Abin não interceptou nenhum telefonema, não tomou nenhum depoimento e não requisitou ao juiz do caso nenhuma medida de qualquer natureza. Em suma, os agentes da Abin em momento algum conduziram o inquérito. Por todo o tempo a investigação continuou presidida pela autoridade policial, com a devida fiscalização do Ministério Público e sob os olhares do Judiciário. O papel dos agentes da Abin se restringiu a acompanhar e fotografar alvos nas ruas, ler e-mails interceptados por ordem judicial, transcrever conversas interceptadas com ordem judicial. Ou seja, era um papel meramente auxiliar. Um trabalho braçal. No pen drive do delegado Protógenes foram apreendidos também documentos em Word produzidos por agentes da Abin sobre algumas autoridades. Esses papéis, que incluem dados delirantes e informações de difícil comprovação, jamais foram anexados à Satiagraha. São imprestáveis como prova, tanto que o delegado não os juntou ao inquérito. E foi apenas esse o papel da Abin. Por que a eventual participação de agentes da Abin em certo ponto do inquérito poderia ser capaz de anular a operação inteira? Não há uma única participação, nem mesmo lateral, de agentes da Abin no episódio do suborno de dois delegados federais. A alegação de que a mera e pontual ajuda de alguns agentes da Abin em qualquer ponto da investigação seja capaz de anular um processo inteiro é inteiramente risível. É, na verdade, um tapa na cara dos cidadãos brasileiros pagadores de impostos e cumpridores das leis. Os advogados falam na teoria importada dos EUA dos “frutos da árvore contaminada”. Diz a tese que um processo gerado por uma prova ilícita deve ser anulado pelo vício na origem. Ocorre que a participação dos agentes da Abin n Satiagraha nada teve a ver com a origem do processo, foi sempre posterior, e portanto a teoria é totalmente inválida.

CartaCapital: Dantas já foi condenado fora do Brasil. Cortes britânicas e norte-americanas se referiram a ele em termos duros e o acusaram de fraude, entre outros crimes. No Brasil, a despeito da anulação posterior (agora em análise no Supremo), ele foi condenado em primeira instancia por suborno. Seu nome também tem sido citado nos principais escândalos da era FHC e Lula. Ele continua, porém, a ser tratado em diversos círculos e por considerável parcela da mídia como um “empresário polêmico”. E apenas isso. Pelo seu livro, conclui-se que ele e mais do que polêmico, certo?

Rubens Valente:  Dantas e o banco Opportunity aparecem referidos em diversos escândalos nos últimos anos: grampos do BNDES e as privatizações, caso do extinto banco Banestado, investigação privada da Kroll e a Operação Chacal, CPI dos Correios e o mensalão e, por fim, a Operação Satiagraha. Essa sequência de acontecimentos coloca o banqueiro como um dos principais personagens da história brasileira contemporânea. Tratá-lo como “polêmico” é um resumo pobre e impreciso. Ele foi acusado e investigado não por suas supostas “polêmicas”, mas por fatos e atos que podem e devem ser averiguados.

CartaCapital: As relações de Dantas com o PSDB foram retratadas em várias reportagens e livros ao longo das últimas décadas. Operação Banqueiro acrescenta novas e interessantes provas dessa relação umbilical. O banqueiro, por outro lado, sempre se declarou perseguido pelo PT, mas os interesses do Opportunity e do partido se entrelaçam na Satiagraha. Você chegou a buscar explicações para os motivos de os petistas terem saído em apoio ao banqueiro e participarem da força tarefa para desacreditar a operação?

Rubens Valente:  A Satiagraha veio a público em abril de 2008, no mesmo período de intensas negociações entre os fundos de pensão ligados ao PT, a telefônica Oi e o banqueiro com vistas à criação da gigante da telefonia BrOi. Havia um interesse público e manifesto do governo na criação da nova supertele, uma operação que acabou possível após um ato do próprio presidente Lula. Creio que as investigações da Satiagraha chegaram num péssimo momento para os interesses do governo, que queria logo concluir aquela fusão. Isso pode ter contribuído para a extrema má vontade do governo em relação ao inquérito policial. Por outro lado, Dantas havia conseguido se aproximar de petistas históricos. No livro procurei descrever o papel de dois desses petistas no processo de criação da BrOi. Houve um segundo fato: em 2008, a Polícia Federal havia incomodado muitos interesses de políticos de vários partidos, incluindo petistas e integrantes da base aliada. E a “tolerância” do PT e do governo em relação à PF havia chegado ao ponto máximo um ano antes, quando uma equipe de policiais invadiu a casa do irmão de Lula na Grande São Paulo. Por sua vez, Lula havia superado, do ponto de vista da sua imagem diante o eleitorado, o trauma da acusação do mensalão, e não estava tão dependente das ações espetaculares da polícia, que davam ao governo um discurso anticorrupção.

CartaCapital: Dantas recorre a uma teoria conspiratória para se defender. Diz-se vítima da união de interesses políticos e econômicos de integrantes do PT, seu desafeto Luís Roberto Demarco e a Telecom Itália. Ele tem usado esse argumento para tentar influenciar processos contra ele no Brasil. Nos últimos anos, ele e seus advogados se referem a um inquérito em Milão que investigou e puniu funcionários da Telecom Italia por espionagem. Esse inquérito sempre é evocado em diversos processos pelo Opportunity. Ao longo de sua pesquisa, encontrou alguma evidência dessa conspiração ou alguma relação entre os processos no Brasil e a investigação italiana?

Rubens Valente:  Tive acesso e verifiquei milhares de páginas que integram a investigação realizada na Itália, incluindo os extensos depoimentos dos principais envolvidos. Como digo no livro, o Opportunity enfrenta sérias e talvez incontornáveis dificuldades para demonstrar uma prova objetiva sobre a alegada corrupção de autoridades do Brasil por funcionários da Telecom Italia de modo a “perseguir” o banco brasileiro. Até o momento, essa hipótese não passa disso, uma simples suspeita sem confirmação. Nos autos há apenas referências indiretas e imprecisas. Mas os advogados do Opportunity passaram a manobrar esse fantasma para relacionar a investigação no Brasil à outra da Itália, exigindo que uma acusação só fosse investigada depois da outra. É como se um motorista atropelasse alguém na rua e, quando encontrado pela polícia, alegasse ao juiz: “Lá na Itália uma pessoa disse que esse delegado que me prendeu aqui está me perseguindo. Então eu só posso ser acusado do atropelamento se antes vocês investigarem esse delegado”. É um argumento juridicamente absurdo. Mas que ganhou guarida em variados meios.

CartaCapital: No relatório da Satiagraha, Protógenes Queiroz dedica um capítulo às relações de Dantas com a mídia. Como você definiria essa relação?

Rubens Valente:  O foco do meu livro são as provas, acusações e explicações do caso Satiagraha e não o papel da mídia, embora ela seja um personagem presente em toda a narrativa. Eu também entendi que o debate sobre o papel da mídia na cobertura da Satiagraha havia sido extenso e intenso na internet, por meio de blogs e sites e outras publicações, como CartaCapital, que remaram contra a maré, e por isso eu não precisava gastar páginas que poderiam ser usadas para avaliar outros aspectos do caso. Mas ao longo do livro eu procurei demonstrar diversas imprecisões e enganos divulgados pela mídia que acabaram por ajudar as posições do Opportunity. Outro aspecto notável foi ver que boa parte da mídia não viu nenhum problema na paralisação e anulação do caso Satiagraha, considerando-os fatos quase rotineiros, mas que de banais nada tinham.


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