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O discurso de Obama, a hipocrisia e o silêncio dos culpados

18 de janeiro de 2014
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Obama em discurso no Departamento de Estado dos EUA, em Washington, na sexta-feira, dia 17. Foto de Jim Watson / AFP.

A espionagem continua, mas vai ficar tudo bem. Obama finge ceder à pressão externa e os aliados vão fingir acreditar. A hipocrisia da diplomacia venceu.

José Antonio Lima, via CartaCapital

Em um longo e aguardado discurso realizado na sexta-feira, dia 17, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que Agência de Segurança Nacional (a NSA) vai espionar governos de países aliados e amigos apenas em casos especiais. Seria uma boa notícia, caso a promessa de cessar o escândalo denunciado em 2013 pelo ex-NSA Edward Snowden não estivesse acompanhada de tantos adendos que a tornam praticamente vazia. Ainda assim, isso não deve ser um problema para governos como os de Brasil e Alemanha, líderes da gritaria contra a NSA – a fala de Obama tem tudo para apaziguar os aliados e normalizar as relações desses com Washington.

Obama optou por falar sobre a espionagem de líderes estrangeiros no fim de seu discurso. E escolheu uma das frases bem humoradas que costuma usar para tratar de assuntos sérios. “Os líderes de nossos amigos próximos e aliados merecem saber que, se eu quiser saber o que eles pensam sobre um assunto, vou pegar o telefone e ligar, em vez de recorrer à vigilância”. A descontração, entretanto, não esconde o fato de que a espionagem continuará, quando for necessária. O próprio Obama revelou isso ao dizer que as comunicações dos chefes de estado e governo de aliados e amigos não serão monitoradas “a não ser que haja um convincente fim de segurança nacional”. Quem define se um assunto é ou não de segurança nacional para os EUA são, como se sabe, os próprios EUA.

A justificativa para a manutenção da espionagem, ainda que atenuada, veio em seguida: todos os governos espionam, os EUA só fazem isso de uma forma melhor. “Vou ser claro: nossas agências de inteligência vão continuar a coletar informação sobre as intenções dos governos ao redor do mundo, da mesma forma como os serviços de inteligência de todas as outras nações fazem”, afirmou Obama. “Não vamos pedir desculpas simplesmente porque nossos serviços são mais efetivos”, disse.

Obama aproveitou o discurso para salientar as contradições não apenas de seu governo, mas daqueles que criticam Washington. O presidente dos EUA afirmou que, em privado, muitos líderes reconhecem a importância da vigilância feita pelos norte-americanos e lembrou que as capacidades de monitoramento dos EUA “ajudam a proteger não apenas nossa nação, mas também nossos amigos e aliados”.

O discurso de Obama consagra a hipocrisia na diplomacia, algo que não é apenas comum, mas necessário nas relações entre os países. Uma vez surgido o escândalo, o governo brasileiro, entre outros, manifestou indignação com a espionagem. E estava coberto de razão ao fazer isso, pois as revelações feitas por Snowden romperam o véu de sigilo que cobre a diplomacia, colocando na berlinda a soberania nacional.

Pressionado pelo Brasil e por outros países, Obama fez o que eles desejavam: um discurso de mea culpa, que servirá ao menos para salvar a face dos espionados. Com o passar do tempo, as relações vão melhorar, Dilma Rousseff (ou seu eventual sucessor) pode até mesmo fazer a visita de Estado a Washington adiada no ano passado e tudo ficará bem. Pelo menos até surgir o próximo Snowden.

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5 pontos que Obama apagou da fala sobre NSA-EUA

Lorenzo Franceschi-Bicchierai, via Mashable e enviado por Vila Vudu

Em fala longamente esperada, o presidente Barack Obama propôs ontem algumas mudanças nas atividades de vigilância da Agência de Segurança Nacional dos EUA que vêm causando indignação nos últimos meses. Mas… nem uma palavra sobre mudanças importantes que lhe foram sugeridas pelo grupo interno para reforma do mesmo sistema de vigilância que o próprio Obama criou.

Aqui, cinco pontos sobre os quais Obama ou disse que não mudarão ou apagou completamente, em sua fala sobre a NSA-EUA.

1. Todos os outros programas de coleta em massa de dados

O programa de coleta em massa de metadados de conversações telefônicas, que permite que a NSA-EUA recolha e armazene virtualmente todos os dados de telefonemas dos norte-americanos numa base de dados, à qual seus analistas têm acesso, parece que terá fim. Obama apoiou a proposta de seu grupo interno de estudo e revisão desse assunto, que sugeriu que esse banco de dados saia das mãos da Agência de Segurança Nacional dos EUA.

Mas… e quanto à coleta em massa de metadados da Internet, usados para construir grafos sociais com dados dos norte-americanos, atividade legalizada nos termos da seção 702 da Lei Fisa [orig. Foreign Intelligence Surveillance Amendments Act / aprox. “Emendas à Lei da Vigilância Contra Atividade da Inteligência Estrangeira”]? E quanto à vasta coleta de mensagens de texto? E quanto à coleta de milhões de listas de contactos de e-mails e “torpedos”, inclusive os enviados e recebidos por norte-americanos e que pertencem a norte-americanos?

Obama não disse coisa alguma sobre isso. O mais provável é que esses programas continuem intactos. De fato, a Casa Branca até elogiou o “programa da Seção 702”: disse que é “valioso”, no resumo por escrito da fala de ontem [“facts-sheet”], enviado a jornalistas.

2. O Defensor Público, no Tribunal Fisa

O grupo interno de análise e estudo sobre atividades da NSA-EUS criado por Obama recomendou a criação de um “Advogado Defensor do Interesse Público, para defender interesses de privacidade e liberdades civis perante o Tribunal Fisa [orig. Foreign Intelligence Surveillance Court].” Muitos especialistas apoiaram a criação desse Defensor Público, porque, nos julgamentos por esse Tribunal Fisa, não havia “o contraditório”, quer dizer: quando o governo solicita autorização para vigiar alguém, não há quem argumente contra a solicitação.

Obama não confirmou a presença desse Defensor Público: disse que um grupo de especialistas participará das sessões secretas do Tribunal Fisa. Mas esses especialistas não interferirão sempre. Serão ouvidos só em “casos significativos”, se o Tribunal tiver de decidir sobre questões gerais relacionadas à privacidade e a como a NSA-EUA opera a vigilância.

Um alto funcionário do governo Obama defendeu essa decisão, dizendo que até em casos da justiça criminal “comum”, quando o governo pede autorização para vigiar alguém, o juiz pode decidir sem ter de ouvir nenhum advogado da parte contrária ou qualquer tipo de Defensor Público.

“Ouvir pontos de vista externos à questão é quase sempre desnecessário, e seria um custo administrativo a mais” – disse esse funcionário que falou a Mashable, mas pediu que seu nome não fosse citado.

Também o Tribunal Fisa considerou “desnecessário” e potencialmente “contraproducente” criar-se um Defensor Público, em carta que enviou às comissões de Inteligência e Justiça do Senado e da Câmara de Deputados.

3. O trabalho da NSA-EUA para derrubar os padrões de segurança e encriptação

Em setembro, documentos vazados por Edward Snowden revelaram que a NSA-EUA montou vasto esforço, em vários setores, com especialistas de várias áreas, para derrubar os padrões de segurança e encriptação, de modo a permitir que os espiões da NSA-EUA tenham acesso a comunicações que os usuários da Internet acreditam que sejam protegidas.

A NSA-EUA e até o FBI, já foram acusadas de invadir sistemas de encriptação, depois de terem solicitado e conseguido que empresas de software incluíssem “portas do fundo” nos programas vendidos a consumidores. As empresas de software negaram que tivessem feito isso. Mas a NSA-EUA contratou e pagou US$10 milhões à empresa de segurança RSA, em contrato secreto, para que trabalhasse na direção de enfraquecer os protocolos de encriptação.

À luz dessas revelações, o grupo que Obama criou apoiou a criação de tecnologia mais forte de encriptação, argumentando que o governo dos EUA não pode “de modo algum subverter, minar, enfraquecer ou trabalhar para tornar vulneráveis, softwares oferecidos à venda a consumidores como se fossem seguros.”

Obama nada disse sobre isso em sua fala. Mas um porta-voz da Casa Branca disse que Obama e seu governo “apoiam o objetivo da recomendação com vistas a proteger a integridade dos padrões da encriptação comercial.” Mas o problema é que, até agora, a Casa Branca nada fez além de – segundo um porta-voz da Casa Branca – ter solicitado um estudo, que será preparado pelo assessor especial para ciber-segurança e pelo Gabinete de Políticas para Ciência e Tecnologia.

Para os especialistas, essa questão é vitalmente importante.

“O presidente deve dizer claramente, sem ambiguidades e sem margem para dúvidas, que a política do governo dos EUA visa a fortalecer, não a enfraquecer, a ciber-segurança, e que renuncia a todas as práticas correntes nas agências de inteligência que visem a introduzir ‘portas do fundo’ e ‘pontos vulneráveis’ em produtos vendidos a consumidores” – disse Daniel Castro, analista sênior da Fundação para Inovação Tecnológica e Tecnologia da Informação [orig. Information Technology and Innovation Foundation (ITIF).

4. Revisão Judicial das Cartas da Segurança Nacional [National Security Letters, NSL]

O FBI vem usando as NSLs há anos, para exigir que empresas de internet e de telefonia entreguem dados de seus clientes e usuários. Essas Cartas são uma espécie de “salvoconduto” administrativo, para liberar o FBI de ter de pedir autorização judicial antes de requerer os dados diretamente às empresas. Essas cartas ordenam que os agentes que recebam os dados não revelem a existência deles a ninguém nem aos interessados no caso em que o FBI esteja investigando, nem no momento nem por muitos anos depois de as cartas terem sido redigidas.

Os especialistas que trabalharam no grupo interno que Obama criou sugeriram mudar esse procedimento, reformando a lei, para tornar indispensável a aprovação de um juiz, em todos os casos em que seja usada alguma Carta de Segurança Nacional. Obama apoiou mais “transparência”, mas não disse uma palavra sobre a necessidade de supervisão judicial.

5. Espionagem nas bases de dados de empresas comerciais norte-americanas em todo o mundo

Documentos vazados por Snowden revelaram em outubro que a NSA-EUA vem recolhendo vastas quantidades de dados de usuários da Internet, porque tem acesso aos links que conectam os centros de dados das empresas Google e Yahoo.

Obama não disse uma palavra sobre isso. Porta-voz da Casa Branca, contatado por nós, não quis comentar.

Opera Mundi: Dez personalidades que marcaram 2013

1 de janeiro de 2014

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Presidentes e delatores de programas norte-americanos estiveram entre destaques do globo neste ano.

Via Opera Mundi

O ano de 2013 foi marcante, sobretudo no Brasil, devido às manifestações de junho e todo o embate ideológico que as cercou. A pauta – mais atuação do estado nas áreas de transporte urbano, saúde e educação – era tipicamente de esquerda, mas a direita também foi às ruas. Mas o ano, em que morreram Hugo Chavez e Nelson Mandela, também foi significativo nas relações internacionais, sendo que algumas figuras tornaram os últimos 363 dias especialmente relevantes. Vamos a elas:

1. José Mujica

O presidente do Uruguai pode festejar em 2013 duas grandes conquistas políticas: implementou a liberação do aborto e aprovou a liberação da maconha. O velho combatente tupamaro, que se dá ao respeito e vai à posse de ministro usando uma humilde sandália, coerente com o calor do verão de Montevidéu e com seu “carro oficial”, um fusca, será lembrado pelas próximas décadas pelo pioneirismo em questões comportamentais, sem ter deixado de fazer um governo também popular em outras áreas.

2. Bradley Chelsea Manning

Quando ainda atendia pelo nome de Bradley, e vivendo um inconformismo com a violência que o país que defendia como militar espalhava pelo mundo, Manning divulgou segredos que constrangeram o governo dos Estados Unidos. Após a condenação por uma corte marcial, Manning novamente demonstrou extrema coragem, ao anunciar ao mundo que sua prisão ocorreu quando estava em processo de mudança de sexo e que agora é uma mulher e se chama Chelsea. A postura firme representa um exemplo para as questões referentes aos direitos de gênero.

3. Edward Snowden

O agente da NSA revelou para o mundo uma série de documentos que mostram a capacidade gigantesca de monitoramento das redes de computadores. Ninguém que escreve uma singela mensagem no comunicador instantâneo acha que dispõe de alguma privacidade. Aliás, nem quem usa cartão de crédito ou telefone celular. A vida de todo mundo alimenta negócios e decisões estratégicas de governos. Aliás, se você está lendo este texto, saiba que gente muito poderosa pode estar sabendo.

4. Papa Francisco

Visto exteriormente, e considerando o papel que desempenhou recentemente na Argentina, Mário Jorge Bergoglio parecia ser apenas uma promessa de mais conservadorismo na Igreja Católica, ao ser escolhido papa, em março. Seu pontificado tem sido marcado, no entanto, por mudanças significativas de rumo: primeiro, o afastamento da velha guarda das instituições financeiras católicas; segundo, o diálogo permanente com nomes da teologia da libertação, até então perseguida pelo antecessor, Bento 16; terceiro, por declarações no cenário internacional – como a crítica à possível ação militar na Síria – que contrastam com a postura anterior de suposta neutralidade do Vaticano. Uma das máximas mais famosas do Barão de Itararé é: de onde menos se espera… é de lá que não vem nada mesmo. Será que Francisco vai contrariá-la?

5. Nicolas Maduro

Nenhum governante foi colocado tanto em xeque como o atual presidente da Venezuela em 2013. Com a morte do popularíssimo Hugo Chavez, Maduro teve, primeiro, de confirmar seu papel de vice-presidente e assumir o cargo; segundo, de enfrentar e vencer uma dura eleição presidencial. Contra a escalada dos preços, promoveu um congelamento. Encarou outra votação, para a prefeitura dos municípios. Venceu de novo. Não vai ter um 2014 fácil, mas saiu vitorioso de um ano particularmente espinhoso.

6. Michelle Bachelet

Michele Bachelet, no Chile, pôs fim aos quatro anos de impopularidade de Sebastian Piñera, com a complexa missão de criar um ensino público gratuito e de qualidade, contrariando o atual governo, que transformou esse direito em negócio – e quebrou gerações de famílias. Terá quatro anos para fazer um governo realmente reformador.

7. Ana Paula Maciel

A ação da brasileira Ana Paula Maciel, que subiu na plataforma de petróleo russa junto com uma centena de ativistas ambientais ligados ao Greenpeace (assim como a do militante José Bové quando Jacques Chirac presidia a França que fazia testes nucleares no Pacífico), manteve a questão ecológica em pauta no cenário internacional. A crise mundial, que se arrasta desde 2008, e o método de fissura hidráulica para a prospecção de xisto nos EUA tornam cada vez mais esquecidas as questões do aquecimento global e a da substituição das fontes de energia fósseis. Mas esse é um assunto que não nos abandonará tão cedo.

Leia também: Cuidado com a ativista Ana Paula. Ela é contra o pré-sal

8. Vladimir Putin

Ele ofereceu uma saída a Bashar Al-Assad, aproximou-se do papa Francisco, viu o ano se encerrar com a liberação das garotas da banda Pussy Riot e dos ativistas do Greenpeace. O presidente russo liderou em muitos momentos a diplomacia internacional e por pouco não conseguiu vender caças ao Brasil. Dentro de casa, no entanto, de olho no eleitorado conservador, fez feio, alimentando perigosos fantasmas da homofobia na Rússia.

9. Bashar Al-Assad

Quando a Primavera Árabe parecia varrer todo o Oriente Médio, Bashar Al-Assad era visto só como mais um presidente a ser derrubado. Assad resistiu a rebeldes financiados pelos Estados Unidos, muitas vezes promovendo massacres, num país em que alianças étnicas e religiosas dificultam leituras tradicionais. Acusado em 2013 de usar armas químicas, o que parecia ser o golpe fatal e a abertura definitiva para um ataque dos EUA e/ou de Israel, Assad baixou a guarda da diplomacia e aceitou a oferta de destruir seu arsenal de armas não convencionais. Numa situação para lá de delicada, conseguiu safar-se e paralisar, pelo menos momentaneamente, seus inimigos internacionais.

10. George Clooney

A situação do Sudão do Sul mostra que o apoio a causas independentistas é algo mais sério do que fazer comercial de café expresso. De boas intenções de celebridades, os conflitos sanguinários estão cheios.

Glenn Greenwald: A espionagem dos EUA não está atrás de terroristas

25 de outubro de 2013

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Em entrevista à Carta Maior, o jornalista Glenn Greenwald fala sobre o seu trabalho de divulgar as práticas de espionagem dos EUA.

Eduardo Febbro, via Carta Maior

O ex-agente da CIA e da NSA norte-americana, Edward Snowden, e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald acabam de desferir um novo golpe no esquema de espionagem global patrocinado pelos Estados Unidos. O jornal Le Monde publicou a totalidade dos documentos que revelam a amplitude da espionagem dos EUA contra a França. Espionagem massiva de indivíduos, espionagem industrial e econômica, nada falta no cardápio. Glenn Greenwald voltou a fazer tremer os alicerces das relações internacionais. Os drones, a luta contra o terrorismo, a nefasta herança da administração do ex-presidente George Bush, as zonas obscuras da administração de Barack Obama e a espionagem globalizada montada pelos Estados Unidos a partir do dispositivo Prisma: Glenn Greenwald conhece esses temas com o rigor e a paixão que lhe conferem seu compromisso e uma trajetória profissional que vai muito mais além do caso das revelações de Snowden.

Glenn Greenwald é o segundo ator central desta trama de espionagem. É este jornalista do Guardian que, mês após mês, destilou neste jornal o conteúdo do enorme dossiê que Snowden entregou a ele em Hong Kong antes de se refugiar na Rússia. Snowden não o escolheu por acaso. Greenwald é um reputado autor de investigações que sacudiram o sistema político norte-americano e o converteram em um dos 50 comentaristas mais influentes dos Estados Unidos. Aqueles que conhecem seu nome através de Snowden e do caso da espionagem tentacular do sistema Prisma ignoram a sólida trajetória que o respalda. Advogado de profissão, em 2005 Greenwald deixou sua carreira de representante de banco e de grandes empresas e se lançou na defesa dos direitos cívicos, das liberdades públicas e das investigações de fôlego.

Nesse mesmo ano, um caso de espionagem por parte da NSA revelado pelo jornal The New York Times o impulsionou através de seu blog, How would a patriot act, que logo se tornará um livro, How would a patriot act? Defending american values from a president. No ano seguinte, este ativista rigoroso publicou um livro feroz sobre a espantosa herança da administração Bush, A tragic legacy: how a good vs. evil mentality destroyed the Bush presidency. Em 2008, publicou outro livro acerca dos mitos e hipocrisias dos republicanos, Great American Hypocrites: Toppling the Big Myths of Republican Politic”, e, em 2012, outra obra sobre a forma pela qual a lei é utilizada para destruir a igualdade e proteger o poder, “With Liberty and Justice for Some: How the Law is used to destroy equality and protect the Powerful”.

Entre um livro e outro, Greenwald realizou investigações explosivas sobre WikiLeaks, Julian Assange e o soldado Bradley Manning – o militar que entregou correspondência secreta a Assange. Premiados várias vezes por seu trabalho, Glenn Greenwald define o jornalismo de uma maneira militante: “para mim, o jornalismo são duas coisas: investigar fatos sobre as atividades de quem está no poder e procurar impor-lhes limites”. Este é o homem a quem, em maio deste ano e logo depois do Washington Post ter se recusado a publicá-los, Edward Snowden entregou os documentos da abismal espionagem estruturada pela NSA através do dispositivo Prisma com a colaboração de empresas privadas como Google, Facebook, Yahoo, Microsoft e tantas outras.

Glenn Greenwald vive no Brasil há vários anos. O duplo caso Snowden e Prisma mudou muitas coisas em sua vida. Seu companheiro, David Miranda, foi detido e interrogado em Londres durante muitas horas em virtude de uma lei antiterrorista. Ambos sabem que suas conversações e seus gestos estão permanentemente vigiados. Adaptaram-se a essa vida sem renunciar a continuar o trabalho de denúncia. Nesta entrevista exclusiva realizada no Rio de Janeiro, para a Carta Maior, Glenn Greenwald revela aspectos inéditos sobre Edward Snowden, conta as dificuldades de sua vida e dá novas informações sobre a nova indústria norte-americana: espionar a cada cidadão do mundo.

Os Estados Unidos argumentam que a espionagem planetária tem como objetivo lutar contra o terrorismo. No entanto, a leitura dos documentos que Snowden entregou a você não fornece a prova para esse argumento.

Se olharmos os últimos 30 anos e, sobretudo, a partir dos atentados de 11 de setembro, há uma ideia de que os norte-americanos querem aplicar: utilizar o terrorismo mundial para que as pessoas tenham medo de agir com as mãos livres. É uma desculpa para torturar, sequestrar e prender. Agora estão usando a mesma desculpa para espionar. Os documentos sobre a maneira pela qual os EUA espionam e sobre os objetivos da espionagem pouco têm a ver com o terrorismo. Muitos têm a ver com economia, empresas e os governos, e estão destinados a entender como funcionam esses governos e essas empresas. A ideia central da espionagem é essa: controlar a informação para aumentar o poder dos Estados Unidos pelo mundo. Nos documentos da NSA há alguns sobre o terrorismo, mas não são a maioria. O gasto de milhões de dólares para coletar toda essa informação contra o terrorismo é uma piada. Espionar a Petrobras, a Al-Jazeera ou a OEA não tem nada a ver com o terrorismo. O governo está tentando convencer as pessoas de que elas devem renunciar a sua liberdade em troca de segurança. Trata de assustá-las e fazer crer que sacrificar a liberdade é algo necessário para estar a salvo e protegido das ameaças que vem de fora.

O passo que Edward Snowden deu ao entregar-lhe os documentos que revelam o modo como Washington espiona o planeta inteiro é surpreendente. Como se explica que alguém tão jovem, que fazia parte do aparato de inteligência, opte por esse caminho?

Há exemplos na história de pessoas que sacrificam seus próprios interesses para pôr fim a muitas injustiças. As razões pelas quais agem assim são complicadas, complexas. Neste caso, há duas coisas importantes: uma é que Snowden valoriza o ser humano e os direitos. Snowden tinha clareza sobre um ponto: ou continuar com esse sistema, perpetuar este mundo destruindo a privacidade de centenas de milhões de pessoas no planeta, ou romper o silêncio e atuar contra esses abusos. Creio que Snowden comprovou que se tivesse seguido permitindo a existência desse sistema não poderia seguir com a consciência tranquila para o resto de sua vida. A dor, a vergonha, o remorso e o arrependimento como sentimentos para o resto de seus dias despertavam medo nele. Era muito grave para guardar em sua consciência. Ele viu que não havia muitas opções e que devia tomar partido. O outro ponto importante é que Snowden tem 30 anos e sua geração cresceu com a internet como uma parte central de suas vidas. As pessoas um pouco mais velhas não se dão conta da importância da internet para a existência dessas pessoas. Snowden me disse que a internet ofereceu a sua geração todo tipo de ideias, campos de exploração, contatos com outras pessoas no mundo e uma capacidade de entendimento inédita. Então decidiu proteger esse patrimônio. Não queria viver em um mundo onde tudo isso desapareceria, onde as pessoas não pudessem utilizar a internet nunca mais.

Mas Snowden, apesar disso, foi um homem do sistema.

Sim, mas era muito jovem quando começou. Tinha 21 anos. Com o correr do tempo foi mudando seus pontos de vista sobre o governo dos Estados Unidos, a NSA e a CIA. Snowden mudou de forma gradual, progressiva. Começou a se dar conta de que essas instituições que pretendiam fazer o bem não estavam fazendo bem, mas sim o mal. Snowden me disse que, desde 2008 e 2009, pensava em se converter em um vazador de documentos. Como muitas outras pessoas no mundo, Snowden também pensou que a eleição de Barack Obama iria fazer com que os abusos diminuíssem. Confiava nisso. Pensou que Obama reverteria o processo, que seria diferente e melhor, mas se deu conta de que não era assim. Essa foi uma das razões. Teve consciência de que Obama não só não resolvia nada, como seguia perpetuando o império norte-americano.

O poder dos Estados Unidos praticamente não tem limites a partir do controle das tecnologias da informação. Muitos pensam que, em certo sentido, Obama é pior que Bush.

É difícil dizer que Obama é pior que Bush. Não é preciso que Obama diga: espionemos mais. É claro que Obama tem uma parte da responsabilidade no crescimento deste sistema de espionagem. Obama continuou com as mesmas políticas de antes, mas mudou o simbolismo e a imagem. Creio que o escândalo provocado pelo vazamento destes documentos mudou a visão que as pessoas tinham de Obama. Snowden e eu passamos muito tempo em Hong Kong falando sobre o que iria acontecer com as revelações. Não podíamos calcular as consequências. Tínhamos consciência da importância, mas pensávamos que poderia haver uma reação apática. Mas desde que se publicou a primeira história o interesse não parou de crescer. Isso está se convertendo em um freio para que os governos sigam abusando de seu poder, para que continuem atuando em segredo. Mas há indivíduos como Snowden, como o soldado Bradley Manning, ou entidades como o WikiLeaks que trazem a informação à luz. Julian Assange é um herói pelo trabalho que fez com WikiLeaks. Em muitos sentidos foi ele que tornou isso possível, foi Assange que expôs a ideia segundo a qual, na era digital, era muito difícil para os governos proteger seus segredos sem destruir outra privacidade. Essa é a razão pela qual o governo dos EUA está em guerra contra as pessoas que fazem isso: quer assustar outros indivíduos que estejam pensando em fazer o mesmo no futuro. Eu me apoiei na coragem de Snowden para publicar esses documentos. Edward Snowden é hoje uma das pessoas mais procuradas do mundo. É possível que passe os próximos 30 anos na cadeia. O que ele fez é uma das coisas mais admiráveis que já vi alguém fazer em nome da justiça.

Os governos de Argentina, Brasil e de outros estados no mundo estão pressionando para romper o cerco da espionagem e o controle quase absoluto que os Estados Unidos têm sobre a internet. Qual é a solução, na sua opinião?

Eu creio que a solução seria criar um lobby entre os países, que os países se unam para ver como construir novas plataformas para a internet que não permitam que um país domine completamente as comunicações. O problema reside também em que cada país começa a ter mais controle sobre a internet e isso pode fazê-los cair na tentação de fazer o mesmo que os Estados Unidos: tentar monitorar e utilizar a internet como uma forma de controle. Há uma consciência real de que Argentina e Brasil estão construindo uma internet própria, assim como a União Europeia, algo que até agora só a China tinha feito. Mas o risco está em que esses governos imitem aos Estados Unidos criando seus próprios sistemas não para permitir a privacidade de seus cidadãos, mas sim para comprometê-la. Isso é um perigo. É importante ter a garantia de que o controle dos Estados Unidos sobre as comunicações não termine em uma transferência a outros poderes. Li um documento no New York Times que mostrava o imenso poder e influência que os EUA têm graças ao controle dos serviços de internet. De fato, os Estados Unidos inventaram a internet. Muitos países se deram conta de que não serão capazes de garantir sua confidencialidade se seguirem usando sistemas abrigados em servidores norte-americanos. Por isso estão pensando em como desenvolver sua própria internet independente. No Brasil, por exemplo, a primeira reação do governo quando se soube da espionagem dos Estados Unidos consistiu em propor seriamente a criação de uma internet própria. E creio que outros países vão começar a fazer o mesmo, ou seja, criar redes que não passem pelos Estados Unidos nem tampouco que os dados fiquem armazenados em servidores de empresas norte-americanas. Creio que especialmente na Europa, onde há recursos financeiros para tanto, isso será proposto seriamente. Agora, é claro, a Europa não é muito dada a ser independente dos EUA. Ela gosta de ser tratada como um adolescente, algo assim como uma colônia com direitos que caminha ao ritmo do tambor dos EUA.

A presidenta Dilma Rousseff propôs a criação de um órgão independente de controle da internet. Você acredita que essa é uma ideia viável?

Não estou seguro de que isso pode resolver o problema. A ideia da internet é de uma irrestrita e não controlada forma de comunicação entre os seres humanos para compartilhar informações sem regulações. Então, não sei se é uma boa ideia colocar a internet sob o controle de organismos internacionais. Pode ser que seja pior assim. Quando foi criada, a internet não estava sob o controle de nenhum governo e cada um podia usá-la como bem quisesse. Esse é o motivo pelo qual ela se converteu em uma ameaça. Creio que esse é o modelo que devemos recuperar.

Você é hoje um homem ameaçado. Sua vida mudou muito desde que colocou em circulação os documentos de Snowden?

Sim, bastante, muito stress, é muito difícil todo o tempo. Meus advogados me dizem que é perigoso para mim regressar aos Estados Unidos, perdi minha privacidade individual. Sei que me espionam e monitoram. Tudo mudou em minha vida. Mas não estou assustado. Não vou parar. Vou publicar todos os documentos que tenho em meu poder.

Entre os atores ocidentais mais questionados está a União Europeia. Sua reação, após as revelações de Snowden, foi de uma tibieza impressionante.

A debilidade e a covardia da União Europeia nunca me surpreenderam, Creio que o que podemos esperar da Europa é que seja tão débil e covarde como qualquer outro país. Foi surpreendente ver como aparentaram indignação com as revelações de Edward Snowden para logo em seguida se fazerem de desentendidos. É muito perigoso que exista um mundo onde um só país pode ditar o que se deve fazer. Os governos têm que ter coragem. O governo do Equador foi muito valente quando deu asilo a Assange em sua embaixada de Londres. Foi algo muito elogiável. O que o Equador fez foi proteger os Direitos Humanos, não um jornalista ou um divulgador de documentos.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Mauro Santayana: Por um Brasil 2.0

13 de outubro de 2013

Brasil_Mapa02Mauro Santayana em seu blog

No novo marco da internet brasileira e no quadro do enfrentamento da espionagem cibernética norte-americana e de outros países anglo-saxônicos, como se descobriu, agora, no caso do Canadá, é preciso tomar cuidado com o que se está falando, fazendo e propondo.

Se pretende ter papel ativo no estabelecimento de um marco internacional para a internet, o Brasil não pode – por açodamento ou desinformação – adotar ou apresentar propostas inócuas, como a de tornar obrigatória a hospedagem, por empresas internacionais, de dados de cidadãos brasileiros em servidores situados em território nacional.

Estejam onde estiverem, os servidores continuarão a ser operados pelas próprias empresas – a não ser que o governo passe a coadministrar o Google, o Facebook ou a Microsoft no Brasil, o que é tão improvável como ilegal. Se a empresa quiser (ou um diretor seu, ou um simples funcionário) bastará repassar os dados requeridos para governo norte-americano, após recolhê-los em seus servidores instalados em território brasileiro.

Depois, porque esteja dentro ou fora do Brasil, teoricamente qualquer servidor pode ser invadido. Prova disso é que até mesmo servidores do Pentágono e do governo dos EUA já foram “derrubados”, inclusive por hackers brasileiros, que atacaram servidores da Nasa (por ter sido – pasmem! – confundida com a NSA) há alguns dias.

Além disso, surgem (e morrem), todos os dias, milhares de empresas na internet, entre elas redes sociais, que, de um jeito ou outro, terão acesso a informações de brasileiros, pessoais ou não, já a partir do cadastro. Como saber se elas têm ou não contato com o governo-norte-americano? Ou se não foram criadas pelas agências de segurança norte-americanas? Como monitorar seu surgimento, e obriga-las a transferir seus servidores para o Brasil?

Construir uma rede de internet, seja ela de âmbito doméstico, corporativo, nacional ou planetário, é, teoricamente, simples.

Com determinação e dinheiro, qualquer nação, ou uma aliança de países, como o Brics – abordamos a hipótese de uma BricsNet há alguns dias – pode comprar, ou desenvolver, se tiver tempo, os servidores, backbones, roteadores, cabos de fibra ótica, satélites, antenas, computadores, tablets, iphones etc. necessários para isso.

Embora o controle físico de uma rede, ou de parte dela – estamos encomendando satélites, instalando os cabos óticos da Unasul e discutindo o projeto Brics Cable – seja importante, ele de nada vai adiantar se não dispusermos de softwares, que sejam também relativamente seguros, para que essa rede, ou sub-rede, venha a funcionar.

Esses softwares, open source, existem. Como possuem código aberto e são aperfeiçoados rotineiramente, de forma voluntária e colaborativa, por gente do mundo inteiro, é mais difícil dotá-los de “armadilhas” e “portas” clandestinas – como ocorre com softwares das grandes empresas de internet – para espionar os usuários.

O governo brasileiro já utiliza software livre em programas ligados ao estado. E também softwares desenvolvidos pelo próprio governo. Tem que passar a usá-los, exclusiva e obrigatoriamente, dotando-os de criptografia, nas comunicações oficiais, além de instalar sistemas que bloqueiem a utilização de e-mails, redes sociais e sites particulares a partir de computadores da administração pública.

Mas nada disso vai adiantar se esses softwares não puderem ser multiplicados, disseminados e utilizados, por meio de aplicativos, no dia a dia do cidadão comum, o que nos leva a um fator decisivo – o marketing – que não tem sido tratado, até agora, com a devida importância, nessa discussão.

Cidadãos de todo o mundo não tem seus dados devassados, apenas porque os EUA sejam manipuladores e “malvados”. Eles são espionados porque preferem continuar a sê-lo, a deixar de usar sites como o Google, o YouTube, o Skype, o Instagram ou o Facebook.

Se essas empresas forem proibidas de atuar no Brasil, os cidadãos brasileiros continuariam a ter – voluntariamente – acesso a elas e aos seus serviços, bastando para isso conectar-se aos seus computadores, situados nos EUA ou em outros países. Isso, a não ser que cidadãos brasileiros fossem censurados e proibidos de fazê-lo, e mesmo assim – nessa hipótese absurda – eles poderiam burlar o governo através de proxys, VPNs, e muito mais.

Como já fizeram antes com o cinema e a televisão, quando se sentam para decidir que roteiro escrever e produzir, na internet – na hora de escolher que startup apoiar, que tipo de aplicação desenvolver, onde instalar um vírus ou um malware – os norte-americanos agem, também, como o personagem do conto de fadas do Flautista de Hamelin.

Desde a mais tenra idade, nossas crianças são fascinadas pelos seus jogos, se comunicam por meio de seus serviços de mensagem, interagem em suas redes sociais, conversam por meio de seus bate-papos e videochats.

Se – sozinhos ou com o Brics – não soubermos apostar na educação e inovação, no marketing e no entretenimento, para conquistar a atenção de nossos jovens, a sociedade brasileira continuará a ser espionada – mesmo que a presidente passe a usar o novo e-mail dos Correios, ou um dia venha a deixar de “tuitar”.

Brasil vai exigir explicações do Canadá sobre espionagem, diz Dilma

10 de outubro de 2013

Documentos vazados por Snowden indicam que agência espionou Ministério de Minas e Energia com apoio norte-americano.

Via Opera Mundi

A presidente Dilma Rousseff disse na segunda-feira, dia 7/10, que o Itamaraty vai exigir explicações do Canadá sobre seu envolvimento na espionagem ao Ministério de Minas e Energia, conduzida em parceria com os Estados Unidos. A denúncia foi realizada no domingo, dia 6/10, por reportagem do programa Fantástico, que mostrou documentos vazados pelo ex-analista da NSA (Agência Nacional de Segurança norte-americana) Edward Snowden.

“A espionagem atenta contra a soberania das nações e a privacidade das pessoas e das empresas”, escreveu a presidente em sua conta de Twitter nesta manhã. “Isso é inadmissível entre países que pretendem ser parceiros. É urgente que os EUA e seus aliados encerrem suas ações de espionagem de uma vez por todas”, reiterou. Em outra postagem, Dilma garantiu que a diplomacia brasileira vai exigir explicações do governo canadense.

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Segundo as informações divulgadas, a Agência Canadense de Segurança em Comunicação (CSESC, na sigla em inglês) espionou a rede de comunicações do Ministério de Minas e Energia do Brasil, incluindo telefonemas, e-mails e consultas na internet. Os oficiais canadenses exibiram as informações em junho de 2012 em uma conferência para agências de espionagem de cinco países, EUA, Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia – o grupo conhecido como Five Eyes (Cinco Olhos, na tradução em português).

Para Dilma, a espionagem teve como finalidade objetivos econômicos e estratégicos desses países e organizações privadas aliadas. “A reportagem aponta para interesses canadenses na área de mineração”, escreveu a presidente no Twitter. “Tudo indica que os dados do NSA são acessados pelos cinco governos e pelas milhares de empresas prestadoras de serviços com amplo acesso a eles”, explicou. O Canadá é sede de algumas das maiores empresas de mineração do mundo e as informações do Ministério de Minas e Energia podem servir, por exemplo, a companhias interessadas em obter vantagens em leilões de energia.

A presidente brasileira ainda disse que o governo brasileiro vai reforçar seu sistema de proteção de dados. “Determinei ao ministro [de Minas e Energia, Edison] Lobão, rigorosa avaliação e reforço da segurança desses sistemas”, postou ela.

Ainda no domingo, dia 6/10, logo após a veiculação da reportagem, Dilma escreveu, em sua conta no Twitter, que irá enviar a proposta de um marco civil internacional às Nações Unidas, assim que o marco da internet brasileiro for aprovado. Segundo a presidente, as novas medidas são importantes para “ampliar a proteção da privacidade dos brasileiros”.

Dilma também mencionou o livro do jornalista James Bamford, de 2008, que relata os “métodos modernos de espionagem da NSA sobre todos os países”. Segundo ela, uma conclusão do livro é que “a capacidade tecnológica para espionar com total descontrole sobre quem acessa os dados” aumentou. “O livro é de 2008. Mostra que vem ocorrendo há mais tempo o que apareceu agora: espionagem a cidadãos brasileiros (inclusive eu), companhias e ministérios”, escreveu a presidente.

O ministro Edison Lobão também emitiu uma nota na segunda-feira, dia 7/10, repudiando a espionagem. “A invasão dos sistemas de comunicação e de armazenamento de dados do Ministério de Minas e Energia é grave, na medida em que sugere a tentativa de obtenção de informações estratégicas relacionadas com as áreas de atribuição da pasta, e merece o nosso repúdio”, disse ele.

Lula: Democracia e parceria

29 de setembro de 2013

Obama_GarrasLuiz Inácio Lula da Silva, via Instituto Lula

São gravíssimos os atos de espionagem praticados pela NSA – a Agência Nacional de Segurança dos EUA – contra os Chefes de Estado do Brasil e do México. Nada, absolutamente nada pode justificar a interceptação de telefonemas e a invasão da correspondência reservada dos Presidentes da República de países amigos, ferindo a sua soberania e desrespeitando os princípios mais elementares da legalidade internacional. E é mais grave ainda que importantes autoridades norte-americanas tenham querido legitimar tal agressão com o argumento de que os EUA estariam “protegendo” os interesses dos nossos países.

À medida que a verdade dos fatos vai sendo revelada, fica evidente que, no caso brasileiro, além da Presidente Dilma Rousseff, a Petrobrás, nossa empresa petrolífera, também foi espionada pela NSA, o que desmente as alegadas – e já por si inaceitáveis – razões de segurança.

A inadmissível ingerência nos assuntos internos do Brasil e as falsas razões alegadas provocaram a indignação da sociedade e do governo brasileiros. A Presidente Dilma Rousseff já questionou diretamente o Presidente Barack Obama sobre o problema e aguarda uma resposta convincente, à altura de sua gravidade.

O governo brasileiro está tratando o caso com a maturidade e o sentido de responsabilidade que caracterizam a Presidente Dilma Rousseff e a nossa diplomacia – mas é impossível subestimar o impacto que ele pode ter, se não for adequadamente resolvido, para as relações Brasil-EUA.

Basta imaginar o escândalo e a comoção que aconteceriam nos Estados Unidos se algum país amigo interceptasse ilegalmente, sob qualquer pretexto, os telefonemas e a correspondência reservada de seu Presidente.

O que leva um país como os EUA, tão justamente ciosos de sua democracia e de sua legalidade internas, a afrontarem a democracia e a legalidade dos outros? O que faz pensar às autoridades norte-americanas que elas podem e principalmente devem agir de modo tão insensato contra um país amigo? O que as faz acreditar que não existe nenhum inconveniente moral ou político em desrespeitar o Chefe de Estado, as instituições e as empresas do Brasil ou de qualquer outro país democrático?

E o mais inexplicável é que essa flagrante ofensa à soberania e à democracia brasileiras acontece num contexto de excelentes relações bilaterais. O Brasil, historicamente, sempre valorizou as suas relações com os Estados Unidos. Nos últimos dez anos, trabalhamos ativamente, e com bons resultados, para ampliar ainda mais a interação econômica e política do Brasil com os EUA. Mantivemos ótimo diálogo institucional e pessoal com os seus governantes. Apostamos em uma parceria de fato estratégica entre os dois países, baseada em interesses comuns, sem prejuízo do nosso esforço pela integração da América Latina e de um maior intercâmbio com a África, a Europa e a Ásia.

Para isso, não hesitamos em enfrentar a desconfiança e o ceticismo de amplos setores da opinião pública brasileira, ainda traumatizados pela participação direta do governo norte-americano no golpe de Estado de 1964 e o seu permanente apoio à ditadura militar (como, de resto, a outras ditaduras militares do continente). Nunca duvidamos de que aprofundar o diálogo e fortalecer os laços econômicos e diplomáticos com os Estados Unidos fosse a melhor maneira de ajudá-los a superarem aquela página sombria das relações interamericanas, e a sua política de ingerência autoritária e antipopular na região.

No episódio atual, se ambos os países querem preservar o muito que as nossas relações bilaterais avançaram nas décadas recentes, cabe uma explicação crível e o necessário pedido de desculpas dos EUA. Mais do que isso: impõe-se a sua decidida mudança de atitude, pondo fim a tais práticas abusivas.

Os EUA devem compreender que a desejável parceria estratégica entre os dois países não pode assentar-se na atitude conspirativa de uma das partes. Condutas ilegais e desrespeitosas certamente não contribuem para construir uma confiança duradoura entre os nossos povos e os nossos governos.

Um episódio como esse, por outro lado, demonstra o esgotamento da atual governança mundial, cujas instituições, regras e decisões são frequentemente atropeladas por países que muitas vezes confundem seus interesses particulares com os interesses de toda a comunidade internacional. Demonstra que é mais urgente do que nunca superar o unilateralismo, seja ele dos EUA ou de qualquer outro país, e criar verdadeiras instituições multilaterais, capazes de conduzir o planeta com base nos preceitos do Direito Internacional e não na lei dos mais fortes.

O mundo de hoje, como ninguém ignora, é muito diferente daquele que emergiu da 2ª Guerra Mundial. Além da descolonização africana e asiática, diversos países do sul se modernizaram e industrializaram, conquistando importantes progressos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, adquiriam um peso muito superior no cenário mundial. Hoje, os países que não fazem parte do G-8 representam nada menos que 70% da população e 60% da economia do mundo. Mas a ordem política global continua tão monopolizada e restritiva quanto no início da guerra fria. A maioria dos países do mundo está excluída dos verdadeiros espaços de decisão. É injustificável, por exemplo, que a África e a América Latina não tenham nenhum membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ou que a Índia esteja fora dele. A governança global precisa refletir o mundo contemporâneo. O Conselho de Segurança só será plenamente legítimo e democrático – e acatado por todos – quando as várias regiões do mundo participarem dele, e os seus membros não defenderem apenas os próprios interesses geopolíticos e econômicos, mas representarem efetivamente o anseio de todos os povos pela paz, a democracia e o desenvolvimento.

Esse episódio e outros semelhantes apontam também para uma questão crucial: a necessidade de uma governança democrática para a internet, de modo que ela seja cada vez mais um terreno de liberdade, criatividade e cooperação – e não de espionagem.


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