Posts Tagged ‘Líder’

O homem que permitiu que houvesse Lula: Zé Ibrahim (1946-2013)

7 de maio de 2013
Jose_Ibrahim02

Ibrahim foi um dos prisioneiros políticos trocados para a libertação do embaixador norte-americano sequestrado.

Ele elevou o movimento sindical a um novo patamar no auge da ditadura.

Via Diário do Centro do Mundo

Morto na semana passada aos 66 anos, José Ibrahim foi um herói esquecido do sindicalismo brasileiro. Aos 21 anos, foi ele que comandou, em 1968, a primeiro grande rebelião sindical no Brasil contra a ditadura militar de 1964: a greve histórica de Osasco.

Zé Ibrahim era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Ele derrotara nas urnas o chamado “peleguismo” – funcionários patronais postos nos sindicatos para controlar os funcionários.

As greves eram proibidas e os trabalhadores não tinham, portanto, como reagir à corrosão salarial provocada pela inflação. Foi um período de brutal concentração de renda.

José Ibrahim se tornara uma celebridade na resistência alguns meses antes da greve. Ele foi vital num dos mais audaciosos desafios à ditadura militar, no dia 1º de Maio de 1968.

Parece história de cinema.

O governador de São Paulo Roberto de Abreu Sodré – indicado pela ditadura militar, sem eleições – preparara uma festa na Praça da Sé, em conjunto com os sindicatos pelegos.

Zé Ibrahim foi um dos líderes de uma ação de sabotagem espetacular. Militantes sindicais e estudantes romperam o cordão de isolamento, tomaram o palanque quando o governador já estava no local e puseram fogo nele. Abreu Sodré teve de se esconder dentro da igreja da Sé, bem como os sindicalistas pelegos. “Então, nós fizemos nossa manifestação”, lembraria, anos depois, Ibrahim.

Ditadura_Militar_Praca_Se

Militantes sindicais tomaram o palanque em que estava o governador Abreu Sodré no dia 1º de Maio de 1968.

Mas sua obra magna viria depois: a greve de Osasco, iniciada no dia 16 de julho de 1968. Mais de 6 mil trabalhadores participaram do movimento e tomaram várias fábricas da cidade. A polícia, com a ajuda do Exército, invadiu as fábricas. Um dos chefes da greve, Zequinha Barreto, iniciou uma insólita pregação aos soldados. Disse que eles também eram filhos de trabalhadores e deviam desobedecer a seus chefes.

Numa entrevista, José Ibrahim relembraria, muitos anos depois, o episódio. “O Barreto aproximou-se da cerca e fez um discurso para os soldados, conclamando-os a não acatar as ordens, a não reprimir os trabalhadores. Foi uma cena impressionante, toda a massa se colocou atrás dele e os soldados vacilaram. A oficialidade da Força Pública teve de usar a firmeza para fazê-los avançar […]. Houve muito combate corpo a corpo, os operários estavam dispostos a brigar […].”

José Ibrahim acabaria preso em 1969. “Fui torturado, vários dias”, disse. No mesmo ano, em setembro, o embaixador norte-americano foi sequestrado e ele foi um dos prisioneiros políticos trocados pela libertação do diplomata.

Ficou fora do País por dez anos.

“Nunca criei raízes nos países pelos quais passei, Cuba, Chile e Bélgica”, disse ele numa entrevista. “Eu trabalhava para sobreviver e estudava. Sempre gostei muito de estudar e ler.”

Voltou com a anistia, em 1979. Foi para Osasco e se reincorporou à vida sindical. Logo teve seus primeiros contatos com a turma do ABC, liderada por Lula. Foi um dos fundadores do PT, e nele ficou sete anos.

Depois do exílio, jamais teve a proeminência de antes no movimento sindical. O eixo do sindicalismo mudara para São Bernardo e para Lula. Seus dias de glória sindical tinham ficado para trás.

Zé Ibrahim viveu seus últimos anos no ostracismo. Mas sua morte como que acordou muitos brasileiros para a importância do papel épico que ele, tão garoto, desempenhou na resistência à ditadura com seu lendário Grupo de Osasco.

Zé Ibrahim como que permitiu que houvesse Lula. Numa de suas últimas entrevistas, ele disse: “Temos de avançar muito mais. Temos um longo caminho pela frente para mudar várias coisas no Brasil. Avançamos pouco, acho que poderia ter sido mais, mas temos de continuar acreditando nas mudanças.”

Este artigo é dedicado à memória de Emir Macedo Nogueira (1927-1982), que foi professor de português de José Ibrahim e de Zequinha Barreto, do chamado Grupo de Osasco, no Colégio Ceneart.

Lula começa a ocupar o espaço de Chavez e Fidel

4 de abril de 2013

Lula_Chavez04_Fidel

Com a morte do líder venezuelano e a aposentadoria de Fidel Castro, o ex-presidente brasileiro já trabalha para se converter na principal referência política da América Latina. Na quarta-feira, dia 10, o jornal uruguaio La Republica publicou entrevista de quatro páginas com o petista, que vai a Montevidéu na quinta-feira para participar de seminário na sede do Mercosul. Nesta semana, o brasileiro deu início à campanha presidencial na Venezuela, com vídeo de apoio para o presidente em exercício no país, Nicolas Maduro, herdeiro político de Chavez.

Leia a íntegra da entrevista, que foi traduzida pelo Instituto Lula e extraída do Brasil 247.

O jornal uruguaio La Republica publicou na quarta-feira, dia 3, uma entrevista de quatro páginas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na entrevista, Lula defende o Mercosul, diz que a integração latino-americana não pode se ser apenas comercial e que é necessário pensar em um parlamento do bloco, com autoridade para tomar e implantar decisões.

Lula disse que as críticas ao Mercosul “não têm sustentação teórica, econômica ou social”, e completou: “Nós temos diferenças como qualquer bloco ou qualquer aliança de negócios”, como deve ser em um mundo democrático. O bloco serve justamente para que essas divergências sejam explicitadas e que uma solução seja encontrada. Lula lembrou que, se compararmos o Mercosul de hoje com o de 2002, fica fácil perceber o grande avanço. “O caso do Uruguai é um bom exemplo: em 2002, o fluxo de comércio com o Brasil foi US$825 milhões e em 2010 chegou a US$2,9 bilhões”, disse.

O ex-presidente viaja na quinta-feira, dia 4, para Montevidéu, onde participa de um evento promovido pela Friedrich Ebert Stifung do Uruguai. Além do ex-presidente participarão o presidente uruguaio José Mujica e o secretário-geral da Conferência Sindical de Trabalhadores das Américas, o paraguaio Víctor Báez.

1 – Desde que deixou a presidência, o senhor tem trabalhado na construção de uma integração na qual participem todos os países da região. Essa experiência lhe deixa otimista sobre a possibilidade de criação de instrumentos que avançam a integração latino-americana?

Eu tenho algumas preocupações com a integração da América do Sul e com a integração da América do Latina. Nós já demos alguns passos importantes, ou seja, já fortalecemos o Mercosul, as pessoas desacreditavam muito no Mercosul e, no final da década de 1990, começo de 2002, o pessoal ainda tinha uma certa descrença, achava que a Alca era a solução, e nós conseguimos, com o tempo, provar que a melhor solução era a integração entre nós. Era explorar o máximo possível a potencialidade das nossas similaridades, e ver em que um país podia ajudar o outro no ponto de vista comercial. Isso, deu um resultado extraordinário. Mas a minha preocupação é que a integração não pode ser vista apenas do ponto de vista comercial, a integração tem que ser vista do ponto de vista político, do ponto de vista cultural, do ponto de vista social, do ponto de vista universitário, ou seja, em toda a sua amplitude é possível que a gente discuta integração, por isso que eu tomei a iniciativa de deixar a presidência e começar a discutir a integração ouvindo movimento social, intelectuais, empresários, sindicalistas e políticos. Nós precisamos criar essa cultura de integração, nós precisamos definir na nossa cabeça o que é essa integração que nós queremos. É copiar o modelo da União Europeia? É construir alguma coisa nova? O que está na cabeça de cada dirigente? Quando você está na presidência, você lida muito mais com as coisas práticas: o cotidiano do comércio, o cotidiano do desejo dos empresários, você conversa menos com o movimento sindical na questão da integração, se bem que nós evoluímos, na integração do Mercosul, na questão sindical, nós precisamos evoluir na Unasul também. Eu quero me dedicar para que a gente possa construir uma doutrina sobre integração. Uma das ideias tentar socializar as coisas boas que aconteceram em cada país. Quais as políticas públicas que deram resultado em cada país? Socializá-las, para saber em que condições elas podem ser implementadas em outros países. Eu penso que nós estamos fazendo isso. Temos que fazer com muito cuidado porque, como o Brasil é muito grande, O Brasil não pode se apresentar como se fosse um país que quisesse ter uma certa hegemonia. O Brasil tem que se apresentar com muita generosidade, com muita humildade, tentando construir parcerias, e isso pressupõe construir uma confiabilidade muito grande, e aí depende muito do nosso comportamento. É isso que quero tentar fazer, e vou tentar fazer fora da Presidência, aquilo que começamos a fazer na Presidência e que a Dilma está fazendo enquanto presidente. Mas eu acho que, fora do governo, você tem mais espaço para agir, para conversar e para chamar outros setores da sociedade. Esse é o meu sonho, esse é o meu desejo e, eu espero, ter alguns tempos pela frente para poder realizar esse desejo.

2 – O progressismo tem história, ideias e programas na América Latina história, mas também apresenta grandes diferenças que não são menores. Como superar essas diferenças para construir uma doutrina única?

Eu acho que nós não precisamos superar divergências, nós precisamos é aprender a conviver com as divergências, ou seja, o PT é o mais digno exemplo da convivência democrática na diversidade, a Frente Ampla uruguaia é um exemplo extraordinário, acho que a política da Argentina é um exemplo extraordinário de convivência democrática na diversidade, no Paraguai começa-se a fortalecer políticas de oposição para superar o bipartidarismo existente há um século. Eu penso que as coisas estão andam, no Mercosul, as coisas estão andando na Unasul, e as coisas vão andar na Celac. É importante lembrar que a Celac é a primeira reunião de todos os países da América Latina e do Caribe sem a participação de americanos e canadenses. Só latino-americanos. O que estamos querendo com isso? Estamos querendo construir pontos que sejam de comum acordo entre nós. Nós não queremos que ninguém abdique de seus pensamentos, de suas convicções. O que nós queremos é o seguinte: entre a minha convicção e a convicção de um outro companheiro tem um caminho do meio a ser seguido por nós dois. Ou seja, se a minha não pode ser, se a dele não pode ser, nós temos que construir uma outra. Eu acho que é isso que nós buscamos, sempre tentar construir um caminho da praticidade, o chamado caminho do meio que, pode estabelecer pontos comuns entre os mais diferentes países. Acho que ninguém precisa abrir mão das suas convicções ideológicas, ninguém precisa abrir mão das suas convicções programáticas, nós não queremos isso, o que nós queremos é que as pessoas saibam que entre a política correta, adotada em determinado Estado e a política correta adotada em outro Estado, você tem que construir uma política que seja comum aos dois Estados. E, nós conseguimos fazer isso na construção da Unasul, nós conseguimos fazer isso na criação do conselho de defesa, nós conseguimos fazer isso na construção do Banco do Sul. Tudo isso são instrumentos que nós vamos aprendendo e vamos colocando em prática, por isso eu estou convencido que as nossas divergências históricas não são problemas para construir os consensos futuros.

3 – O senhor considera que o Uruguai com a Frente Amplia aprendeu a trabalhar a diversidade? Ela tem algo a contribuir para essa experiência regional?

Eu sou suspeito para falar da Frente Ampla, porque eu tenho por demais admiração pela Frente Ampla, aliás, uma das coisas que eu ainda sonho em fazer no Brasil é criar aqui no Brasil uma espécie de Frente Ampla, em que a gente possa juntar todos os partidos para funcionar 365 dias por ano e não apenas em época de eleição, para construir uma candidatura. Eu acho que a Frente Ampla é uma lição uruguaia para a América Latina e o mundo, ou seja, é o bom modo de fazer política, é a boa convivência democrática entre diferentes forças políticas sem que ninguém abra mão das suas convicções, dos seus princípios, mas estabelecendo um cesta de pontos comuns, em que permitem ele transitar pelo cotidiano da política uruguaia e fazer o que estão fazendo, um processo de transformação extraordinário que começou com a eleição muito importante de Tabaré para prefeito de Montevidéu, duas vezes, na eleição de Tabaré para presidente e na eleição de Mujica. Eu acho que a Frente Ampla sempre será um bom exemplo a ser seguido, pelo menos, por mim.

4 – O senhor, junto com Hugo Chavez e Nestor Kirchner, foi um dos principais líderes do processo de integração. Hoje [com a ausência deles] os analistas conferem ao Brasil e ao senhor a condução do processo regional. Compartilha desta impressão?

Eu não compartilho dessa visão porque, individualmente, nenhum de nós nunca teve um papel de liderança. Olha, eu acho que o Kirchner teve um papel extraordinário na construção da Unasul, na construção do fortalecimento do Mercosul, acho que o Chavez teve um papel estupendo. É importante lembrar que o Chavez era presidente de um país totalmente comprometido com a sua relação com os Estados Unidos. Foi a partir do Chavez que se voltou para o Brasil, que se voltou para a América do Sul, se o voltou para a América Latina. Então, você tinha dois presidentes, de dois países importantes com uma vocação latino-americanista, uma vocação sul-americana, uma vocação continental muito forte e dois presidentes com disposição de não se submeterem à lógica de dominação que tantos presidentes se submeteram durante tanto tempo. Isso contribuiu de forma extraordinária para que a gente pudesse costurar essa parceria fantástica que deu no que está dando hoje. Mesmo assim, eu acho que o que foi importante na construção da Unasul é que, não apenas Kirchner, Chavez, eu, mas também a eleição de outros companheiros, é bem importante lembrar-se de Michelle Bachelet e Lagos, no Chile, é importante lembrar a eleição do Nicanor, no Paraguai, que foi um avanço para a política paraguaia, depois a eleição do Lugo, é importante lembrar a eleição de Rafael Correa, no Equador,o Alan García contribuiu com isso, no Peru, o Uribe, um pouco mais reticente, mas não deixou de contribuir para que pudéssemos construir essa unidade. Então, eu acho que era um desejo coletivo que estava represado e ele conseguiu aflorar quando a América Latina deu um show de eleger políticos democráticos, políticos de esquerda e políticos progressistas. Eu acho que, o que nós precisamos é ter em conta que o Brasil sempre será um país importante, pela sua dimensão territorial, pela sua dimensão populacional, pelo seu grau de alto grau desenvolvimento industrial, pelo seu alto grau de conhecimento científico e tecnológico, o Brasil sempre será muito importante. Exatamente, por ser importante, que o Brasil não tem que ter a preocupação de querer liderar, O Brasil tem que ter a preocupação de construir parcerias, para que todos juntos subam o degrau da escada conjuntamente. Não pode ter alguém no 10º degrau, alguém no 8º e alguém no 6º, ou seja, na construção de uma integração, na construção de projetos comuns você precisa subir todo mundo junto. É esse o papel do Brasil, é o papel de contribuir, cada vez mais, na organização da unidade dos países latino-americanos.

5 – Ultimamente o Mercosul tem recebido duras críticas que afirmam que o bloco enfraquece pelas disputas comerciais entre seus próprios membros, que tentam blindar sua balança comercial da crise financeira global com medidas protecionistas. Como recuperar a confiança para fortalecer a integração?

Primeiro, eu não sei quem está fazendo essas críticas ao Mercosul, porque essas críticas não têm nenhuma sustentação, nem teórica, nem econômica, nem social. Nunca tivemos uma situação, eu diria, tão importante no Mercosul. Nós temos divergências? Temos divergências como têm divergências em qualquer bloco, como tem divergência qualquer parceria comercial. Eu acho que o problema que nós temos no Mercosul, do ponto de vista econômico, ele foi resolvido, ou seja, nós temos divergências setoriais, e é importante que os tenho porque assim a gente resolve. O que eu acho que está faltando aprimorar no Mercosul é a participação do setor social nas decisões do Mercosul, ou seja, é fortalecer o Mercosul sindical, fortalecer o Mercosul social. É preciso criar o parlamento do Mercosul, e ele funcionar de verdade, criar regras para ele funcionar. Eu acho que tomo mundo deseja essas coisas, nós precisamos superar as divergências e colocar para funcionar aquilo que não está funcionando, mas se você comparar o Mercosul de hoje com o Mercosul de 2002, nós demos um avanço extraordinário. Quem tiver dúvida é só olhar a balança comercial. O fluxo da balança comercial Brasil/Argentina, Brasil/Uruguai, Brasil/Paraguai e também o fluxo entre os demais países, para você ver como cresceu de forma extraordinária, e ainda pode crescer muito mais. O caso do Uruguai é um bom exemplo, em 2002 seu fluxo comercial com o Brasil foi de US$825 milhões; em 2010, já havia atingido os US$2,9 bilhões.

6 – A morte de Chavez gerou todo tipo de comentários por tratar-se de um líder que construiu uma barreira sólida frente às políticas imperialistas e porque demonstrou que os países podem seguir seu caminho para a independência e o progresso sem depender da tutela estadunidense. O que o senhor opina sobre as especulações sobre sua doença? Considera que com Maduro se inaugura o chavismo como doutrina política para seguir trazendo o espírito integracionista?

Eu não tenho condições de dar palpite sobre a doença do Chavez, a informação que eu tenho me foi dada pelo médico dele, em Havana, pelo genro dele e pela filha dele. De mais, pela imprensa e pelas conversas que tenho tido com Maduro. Foi uma perda irreparável para a política, nos dias de hoje, sobretudo na América Latina. Eu acho que Maduro está desafiado a se superar. Maduro não tem o carisma do companheiro Chavez, portanto, Maduro está fadado a ter uma política muito mais orgânica do que o Chavez. Ele vai ter que cuidar mais da relação política, ele vai ter de cuidar mais das alianças com outros setores, ele vai ter que tentar colocar mais gente em torno da mesa para ele poder construir, de forma orgânica, a força que o carisma de Chavez construía na Venezuela. O Maduro é um ser humano extraordinário, uma figura que, eu penso, estar totalmente preparada para dar sequência ao governo do Chavez. Eu penso que ele vai ganhar as eleições, vai governar e ele sabe que só tem uma hipótese dá gente obter sucesso, é governar para a maioria do povo, e ele sabe que deve fazer isso, industrializar a Venezuela, tornar a Venezuela quase autossuficiente na produção de alimentos, coisa que nós, já há algum tempo, estamos ajudando a Venezuela, e eu acho que o Brasil precisa ajudar mais ainda, para que a Venezuela possa ter segurança alimentar e para que a Venezuela possa ser um país menos dependente do petróleo e ter um parque industrial razoável.

7 – Como controlar o déficit e a inflação alta, no contexto de uma política que considera o gasto social, o investimento público e um processo de maior igualdade como uma condição econômica do crescimento e não como uma mera aspiração moral?

Primeiro, não é correto utilizar a palavra gasto, na verdade, você está fazendo um investimento quando você faz política social, na medida em que você faz política de transferência de renda, que você melhora as condições de vida do povo, você está fazendo com que a economia tenha um dinamismo maior, que a economia gere mais emprego, que a economia gere mais transferência de renda. Aqui no Brasil nós temos um exemplo. Obviamente que todo país só deve gastar aquilo que ele tem condições de gastar, ninguém deve fazer dívida acima da sua capacidade de arrecadatória, porque isso pode ser bom por um tempo, mas depois não se sustenta. Isso a gente não precisa aprender na universidade, isso a gente aprende dentro de casa, com salário da gente. Se você ganha um salário e você gasta, todo mês, mais do seu salário, um dia a sua conta vai estourar e você não vai conseguir se consertar. A economia de uma cidade ou de um Estado é a mesma coisa, você só pode gastar aquilo que você arrecada e, quanto melhor você gastar, mas você vai fazer a economia crescer. Fazendo com que as políticas sociais levem dinheiro para as camadas mais pobres da população, você estará dinamizando o crescimento da própria economia. Aqui no Brasil nós conseguimos fazer isso, mantivemos a inflação controlada e a economia crescendo até hoje. Isso não faz mais indício, já faz dez anos. Eu acho que o Uruguai é também um bom exemplo deste mesmo caminho.

8 – Para ser competitiva, a região necessita desenvolver políticas de inovação técnica e industrial que beneficiem o setor produtivo. O senhor acredita ser possível a construção de uma infraestrutura produtiva integrada, com um planejamento estratégico comum que nos permita melhorar nossa competitividade no mercado global?

Eu estou convencido que aí outra vez entra o papel estratégico no Brasil, ou seja, o crescimento, seja industrial, seja científico e tecnológico do Brasil, tem que ser partilhado com o crescimento e desenvolvimento também industrial, científico e tecnológico dos países do Mercosul. Eu acho que esse é um papel que está reservado ao Brasil. É compartilhar com seus parceiros do Mercosul a possibilidade de participar desse momento de desenvolvimento, desse momento de crescimento da economia, ou seja, as indústrias podem ser feitas parte produzindo coisas no Brasil, parte produzindo coisas em outros países, porque é assim que a gente constrói um bloco muito forte. Eu acho que a gente tem que procurar ter acesso a outros mercados globais, que esse é um objetivo importante. Mas acho que a gente tem que ter em conta que nós ainda temos muita coisa para fazer entre nós. O potencial de explorar comercialmente, industrialmente e cientificamente as parcerias entre Brasil e Uruguai, entre Brasil e Argentina, entre Brasil e Paraguai, entre Brasil e Venezuela, é enorme. Ainda é muito pouco o que nós conseguimos até agora, a gente pode conseguir mais, os países têm possibilidade de oferecer mais. Na medida que a gente consiga ter acesso às novas tecnologias, a um processo de inovação em que a gente consiga produzir de forma mais competitiva, nós poderemos sim entrar nesse mundo globalizado cada vez mais difícil. Acho que temos que aproveitar o bom nível de escolaridade que tem Argentina e Uruguai, obviamente que isso é uma vantagem, para a gente construir esse parque industrial do Mercosul com mais facilidade e ser mais competitivo. A verdade é a seguinte, nós temos a metade do planeta que ainda não tem acesso à esses benefícios. Metade da China, metade da Índia, metade do continente africano, metade do continente latino-americano de pessoas que querem trabalhar, ganhar salário, virar cidadãos. E essa gente vai consumir o que a gente produzir, seja na indústria, seja no campo, seja produto sofisticado, seja produtos primários. Eu penso que, nós estamos aptos e ávidos para crescer e crescer fazendo justiça social. O papel do Brasil é utilizar o seu potencial de desenvolvimento para criar uma indústria do Mercosul. Criar tudo que o Brasil puder construir em parceria com Argentina, Paraguai, Uruguai é muito importante.

9 – O que o senhor acha do papel atual da ONU, que parece a cada dia mais superada pela conjuntura?

Durante oito anos, que fui presidente, dediquei parte de meu tempo para convencer as pessoas que não era possível a ONU continuar hoje com a mesma representatividade que ela teve no pós-guerra. O mundo de hoje não é o mundo de 1948, a ONU de hoje não representa o mundo. É só você pegar o mapa político do mundo que você vai perceber isso. Então, o que nós defendemos é que a ONU tenha mais representatividade, que esteja presente na América Latina, que esteja presente na África, que esteja presente na Índia e em outros países, para que as decisões da ONU sejam mais representativas. Veja que hoje você não tem nenhuma governança global capaz de resolver qualquer problema, por menor que ele seja, você não tem uma governança global com autoridade legal para impor. Eu fico imaginando… Foi a ONU que criou o Estado de Israel, a ONU é que deveria garantir a paz no Oriente Médio e demarcação das terras. Por que não faz isso? A ONU está enfraquecida, sobretudo os membros permanentes do Conselho de Segurança. Quatro membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha são os cinco maiores vendedores de armas do mundo, ou seja, o mundo é quase dividido geograficamente, de comum acordo com os interesses de cada membro do conselho. Quando na verdade você poderia aprovar a reforma da ONU e aprovar a participação dos países. Quantos países da África? Se são 54 países, discuta, sei lá, se são África do Sul, Nigéria e Egito juntos. De 54 países, pode ter três. Por que a Europa tão pequenininha tem tantos e a África tão grande não tem nenhum? Por que a América Latina é tão grande e não nenhum? Por que a Índia, com 1 bilhão de habitantes não está presente? Seria apenas uma questão de bom senso. Exercitar a democracia sem que nenhum país quisesse ter a hegemonia como os americanos querem ter. É por isso que eu defendo a reforma da ONU, porque hoje ela representa muito pouco.

10 – Quanto a figura do presidente Mujica contribui para a causa da integração latino-americana?

Eu acho que o companheiro Mujica é um daqueles seres humanos que, se não tivesse nascido, teria de nascer. Eu acho que a sua trajetória política, a sua capacidade de exercitar o debate democrático, a sua tranquilidade de conviver com as diversidades o transforma em um dos dirigentes políticos mais extraordinários que eu conheci, ou seja, eu nunca vi ninguém que passou pelos maus bocados, como passou o Mujica, que foi tão maltratado na ditadura Uruguaia, eu nunca vi um homem tão tranquilo, tão democrático, tão afável e tão humanista. A figura dele contribui, e a figura dele é a garantia de que é possível acreditar no ser humano, vale a pena acreditar no ser humano. Ele é parte importante do fortalecimento do Mercosul.

11 – O senhor voltará a se candidatar em 2014?

Recentemente eu já afirmei em uma entrevista Brasil que não. Estarei com 72 anos, e acho que vai ser hora de eu ficar contando minhas experiências. Acho que já dei minha contribuição. Mas, como eu disse na outra entrevista, a gente não sabe das circunstâncias do futuro. Em política a gente não descarta nada definitivamente.

Clique aqui para ler a entrevista em espanhol publicada no jornal La Republica.

***

Leia também:

Entrevista com Lula: “Não existe a hipótese de o Brasil não dar certo.”

Chavez fez a Venezuela deixar de ser um quintal dos EUA

7 de março de 2013

Hugo_Chavez18_Eleicoes

O país avançou extraordinariamente sob o governo do líder bolivariano.

Paulo Nogueira em seu Diário do Centro do Mundo

A América Latina foi infestada, a partir dos anos de 1950, por militares patrocinados pelos Estados Unidos. Eles transformaram a região num monumento abjeto da desigualdade social e impuseram com a força das armas sua tirania selvagem e covarde.

Pinochet foi o maior símbolo desses militares, aos quais os brasileiros não escaparam: Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo foram capítulos lastimáveis da história moderna nacional.

Hugo Chavez rompeu, espetacularmente, com a maldição dos homens de farda a serviço dos norte-americanos e de uma pequena elite predadora e gananciosa.

Paraquedista de formação, coronel na patente, Chavez escolheu o lado dos excluídos, dos miseráveis – e por isso fez história na sua Venezuela, na América Latina e no mundo contemporâneo.

Chavez foi filho do Caracaço – a espetacular revolta, em 1989, dos pobres venezuelanos diante da situação desesperadora a que foram levados na gestão do presidente Carlos Andrés Perez.

Carne de cachorro passou a ser consumida em larga escala por famintos que decidiram dar um basta à iniquidade. A revolta foi esmagada pelo exército venezuelano e as mortes, segundo alguns, chegaram a 3 mil.

Uma ala mais progressista das forças armadas ficou consternada com a forma como venezuelanos pobres foram reprimidos e assassinados. Hugo Chavez, aos 34 anos, pertencia a essa ala.

Algum tempo depois, ele liderou uma conspiração militar que tentou derrubar uma classe política desmoralizada, inepta e cuja obra foi um país simplesmente vergonhoso.

O levante fracassou. Antes de ser preso, Chavez assumiu toda a responsabilidade pela trama e instou a seus liderados que depusessem as armas para evitar que sangue venezuelano fosse vertido copiosamente.

Chavez aprendeu ali que o caminho mais reto para mudar as coisas na Venezuela era não o das armas, mas o das urnas.

Carismático e popular, Chavez se elegeu presidente em 1998. Pela primeira vez na história recente da Venezuela, um presidente não dobrava a espinha para os Estados Unidos.

Isso custou a Chavez a perseguição obstinada de Washington. Mas entre os venezuelanos pobres – a esmagadora maioria da população – ele virou um quase santo.

Chavez comandou projetos sociais – as missiones – que retiraram da miséria milhões de excluídos. Alfabetizou-os, ofereceu-lhes cuidados médicos por conta de médicos cubanos – e acima de tudo lhes deu autoestima. Os desvalidos tinham enfim um presidente que se interessava por eles.

O tamanho da popularidade de Chavez pode se medir num fato extraordinário: um grupo bancado pelos Estados Unidos tentou derrubá-lo em 2002. Mas em dois dias ele estava de volta ao poder, pela pressão sobretudo, dos mesmos venezuelanos humildes que tinham protagonizado o Caracaço.

Hugo_Chavez73_Choram

Venezuelanos choram a morte de Chavez.

Quanto ele mudou a Venezuela se percebe pelo fato de que, nas eleições presidenciais de outubro passado, a oposição colocou em seu programa os projetos sociais chavistas que, antes, eram combatidos e ridicularizados.

Chavez teve tempo de pedir aos venezuelanos que apoiassem Nicolas Maduro, seu auxiliar e amigo mais próximo. Maduro provavelmente se baterá, em breve, com Henrique Caprilles, principal nome da oposição. As pesquisas indicam, inicialmente, vantagem clara para Maduro.

Se o chavismo sobrevive sem Chavez é uma incógnita. O que parece certo é que a Venezuela, pós-Chavez, jamais voltará a ser o que foi antes dele: um quintal dos Estados Unidos administrado por uma minúscula elite que jamais enxergou os pobres.

Atílio Borón: ¡Gloria al bravo Chavez! ¡Hasta la victoria, siempre, comandante!

6 de março de 2013

Hugo_Chavez67_Vive

Atílio Borón, via Democracia Ya!

Custa muito assimilar a dolorosa notícia do falecimento de Hugo Chavez Frias. Impossível não maldizer o infortúnio que priva Nossa América de um dos poucos “imprescindíveis”, no dizer de Bertolt Brecht, na luta ainda em curso por nossa segunda e definitiva independência.

A história dará seu veredito sobre a tarefa que Chavez cumpriu, e não se duvida de que será veredicto muito positivo. À parte qualquer discussão que se possa travar legitimamente no interior do campo antiimperialista – nem sempre suficientemente sábio para distinguir com clareza entre amigos e inimigos –, é preciso começar por reconhecer que o líder bolivariano virou uma página da história da Venezuela e, por que não?, também da história da América Latina.

A partir de hoje se falará de uma Venezuela e de uma América Latina antes e de outras depois de Chavez, e não seria temerário conjecturar que as mudanças que impulsionou e que protagonizou como bem poucos em nossa história levam a marca da irreversibilidade. Os resultados das recentes eleições na Venezuela – reflexo da maturidade da consciência política de um povo – dão base a esse prognóstico. Talvez haja regressões na trilha das nacionalizações e se privatizem empresas públicas, mas é infinitamente mais difícil conseguir que um povo que afinal conheceu a própria liberdade e a própria potência, volte atrás e se deixe outra vez submeter.

Em sua dimensão continental, Chavez foi o protagonista na derrota que o continente impôs ao mais ambicioso projeto do Império para a América Latina: a Alca. Bastaria isso para instalá-lo na galeria dos grandes de Nuestra América. Mas fez muito mais.

Líder popular, representante genuíno de seu povo, com o qual se comunicava como nenhum governante antes dele soubera fazer, sentia desde jovem o mais visceral repúdio pela oligarquia e o imperialismo. Esse sentimento evoluiu até tomar a forma de projeto racional: o socialismo bolivariano, socialismo do século 21.

Chavez foi quem, em plena noite neoliberal, reinstalou no debate público latino-americano – e, em grande medida, também no debate internacional – a atualidade do socialismo. Mais que isso, a necessidade do socialismo como única alternativa real, não ilusória, ante o inexorável desmonte do capitalismo, denunciando as falácias das políticas que procuram solucionar sua crise integral e sistêmica preservando os parâmetros fundamentais de uma ordem econômico-social historicamente já desencaminhada.

Como recordávamos acima, foi Chavez, também, o comandante em campo que impôs ao imperialismo a histórica derrota da Alca em Mar del Plata, em novembro de 2005. Se Fidel foi o general estrategista dessa longa batalha, aquela vitória teria sido impossível sem o protagonismo do Chavez bolivariano, cuja eloquência persuasiva precipitou a adesão do anfitrião da Cúpula de Presidentes das Américas, Néstor Kirchner; de Luiz Inácio “Lula” da Silva; e da maioria dos chefes de Estado ali presentes e, de início, pouco propensos – quando não abertamente contrários – a desagradar o imperador bem ali, nas barbas dele.

Quem, senão Chavez, teria podido virar aquela mesa?

O instinto de sobrevivência dos imperialistas explica a implacável campanha que Washington lançara contra seu governo, desde antes do primeiro dia. Cruzada que, ratificando uma deplorável constante histórica, contou com a colaboração do infantilismo ultraesquerdista que, dentro e fora da Venezuela, pôs-se objetivamente a serviço do Império e da reação.

Por isso, a morte de Chavez deixa um vazio difícil, senão impossível, de preencher. Àquela excepcional estatura como líder de massas unia-se a clareza de visão de que, como poucos, sobre decifrar e agir inteligentemente na complexa trama geopolítica do Império que visa a perpetuar a subordinação da América Latina.

Àquela trama só se poderia dar combate se se fortalecesse – alinhado às ideias de Bolívar, San Martín, Artigas, Alfaro, Morazán, Martí e, mais recentemente, de Che e de Fidel – a união dos povos da América Latina e Caribe.

Força livre da natureza, Chavez “reformatou” a agenda dos governos, partidos e movimentos sociais da região, com uma interminável torrente de iniciativas e de propostas integracionistas: da Alba à Telesur; da Petrocaribe ao Banco do Sul; da Unasul e do Conselho Sul-Americano de Defesa à Celac. Iniciativas, todas essas, que têm um mesmo indelével código genético: o fervente, firme, jamais vacilante anti-imperialismo de Chavez.

Chavez já não estará entre nós, irradiando essa transbordante cordialidade; o rico, fulminante senso de humor que desarmava os arranjos de protocolo; sua generosidade e altruísmo que o faziam tão querido. Martiano até a medula, sabia que, como disse o Apóstolo cubano, nenhum homem sem leitura será jamais livre. Foi homem de curiosidade intelectual sem limites.

Em tempos em que praticamente nenhum chefe de Estado lê coisa alguma – o que leriam os seus detratores, Bush, Aznar, Berlusconi, Menem, Fox, Fujimori? –, Chavez foi o leitor com que todos os autores sonham para seus livros. Lia muito, apesar das pesadas obrigações e responsabilidades de governo. E lia com paixão, tendo sempre a mão lápis, canetas, marcadores de texto de várias cores, com que ia marcando e anotava as passagens que o interessavam, as melhores frases, os argumentos de mais peso, de tudo que lia.

Esse homem extraordinário, que me honrou com sua amizade, está morto.

Deixou-nos um legado imenso, inapagável, e os povos de Nuestra América, inspirados por seu exemplo continuarão a andar pela trilha que leva à nossa segunda e definitiva independência.

Acontecerá com ele o que aconteceu ao Che: a morte, em vez de apagá-los da cena política, agigantará sua presença e sua gravitação nas lutas de nossos povos e de nosso tempo. Por um desses paradoxos que a história reserva só aos grandes, a morte o converte em personagem imortal. Parafraseando o hino nacional venezuelano: ¡Gloria al bravo Chavez! ¡Hasta la victoria, siempre, Comandante!

Traduzido por Vila Vudu.

Leia também:

Nasce Hugo Chavez, o mito

Hugo Rafael Chavez Frias (Sabaneta, 28/7/2954 – Caracas, 5/3/2013

Hugo Chavez: Morte produzida em laboratório

A hora e a vez de Hugo Chavez

“Viva Hugo Chavez! Viva para sempre.”

Nasce Hugo Chavez, o mito

6 de março de 2013

Venezuela_Povo_Chavez01

Eduardo Guimarães em seu Blog da Cidadania

Gostaria de acreditar que enquanto a maioria absoluta dos venezuelanos chora copiosamente a “morte” de Hugo Rafael Chavez Frias não existe quem a esteja comemorando. Entretanto, não me iludo. Apesar de ser um homem de paz que nunca revidou com violência a violência que sofreu nos idos de abril de 2002, Chavez era odiado com fervor por uma minoria.

Seus inimigos não o combateram por seus defeitos, que, como qualquer ser humano, deveria ter muitos. Não, não. Ele foi combatido por suas qualidades, porque sua obra – que ultrapassou as fronteiras de seu país – tornou o mundo mais justo e a vida dos compatriotas desvalidos menos penosa.

Foi chamado de “ditador”, mas nenhum governante das três Américas jamais se apresentou tantas vezes ao voto popular limpo e inquestionável quanto ele. De 1999 até o ano passado, incontáveis foram as eleições que venceu sem que nunca um só questionamento à lisura dos processos eleitorais que lhe deram as vitórias tenha sido sequer levado a sério.

Chavez logrou fazer da Venezuela a campeã das Américas em redução da pobreza e da desigualdade social. Sua obra social, como não podia ser atacada por conta de êxitos como o de tornar o seu país o segundo da América Latina, ao lado de Cuba, a extirpar a chaga do analfabetismo, foi ignorada pela mídia internacional e até pela venezuelana.

Nunca me esquecerei de uma viagem que fiz à Venezuela em 2007, quando fui a um dos morros que cercam Caracas e, em visita ao uma unidade do programa social de Chavez que acabou com o analfabetismo, vi adolescentes e até adultos recém-alfabetizados estudando a constituição do país.

Mas a obra de Chavez extrapolou as fronteiras de seu país natal. A revolução bolivariana se espalhou pela América Latina. Sua influência mais forte tem sido sentida na Argentina, na Bolívia e no Equador, com um modelo revolucionário que reformou constituições e democratizou a comunicação de massas.

Perto da redução da pobreza, da miséria e da desigualdade que Chavez promoveu, a que conseguimos no Brasil, em comparação proporcional, não lhe chega nem aos pés. Isso porque, com risco da própria vida e sacrificando a paz pessoal, ele comprou brigas com poderes imensuráveis que, se não tivesse comprado, teria tido uma vida mais fácil no poder.

Dolorosamente, a morte física de Chavez será explorada de forma nauseabunda por multibilionários das mídias de ultradireita que infestam esta parte do mundo. Tentarão culpa-lo pela própria morte. Em lugar de destacarem sua obra, destacarão o processo sucessório na Venezuela.

A esses, digo que se antes tinham poucas chances de derrotar esse herói latino-americano, esse verdadeiro patrimônio da humanidade, agora suas chances são nulas, morreram fisicamente com ele, que acaba de renascer. Hugo Rafael Chavez Frias renasceu, chacais da miséria humana. Tornou-se um mito que os assombrará até o fim dos tempos.

Morto fisicamente, Chavez adquiriu poderes que nem todos os editoriais, colunas, telejornais ou reportagens mal-acabadas da Terra conseguirão equiparar. Sua verdadeira história só agora começará a ser contada às gerações futuras, mostrando que quando um homem devota sua vida ao bem comum como ele fez, torna-se imortal.

Descanse em paz, Hugo.

Leia também:

Hugo Rafael Chavez Frias (Sabaneta, 28/7/2954 – Caracas, 5/3/2013

Hugo Chavez: Morte produzida em laboratório

A hora e a vez de Hugo Chavez

“Viva Hugo Chavez! Viva para sempre.”

Atílio Borón: ¡Gloria al bravo Chavez! ¡Hasta la victoria, siempre, comandante!

Hugo Rafael Chavez Frias (Sabaneta, 28/7/1954 – Caracas, 5/3/2013)

6 de março de 2013

Hugo_Chavez04Via Vermelho

A morte do comandante presidente Hugo Chavez Frias na terça-feira, dia 5, provoca imensa dor e consternação no povo venezuelano, em todos os povos latino-americanos e na imensa legião de admiradores, seguidores, amigos e aliados que com sua força interior, seu carisma, seu talento e energia conquistou para a Revolução Bolivariana e a causa da libertação nacional e social de seu povo.

Hugo Chavez entra para a História como uma das maiores figuras já nascidas em solo latino-americano. Ao lado de Fidel Castro, o comandante da Revolução Cubana, foi o principal líder anti-imperialista dos tempos atuais, depositário da confiança dos povos da “Nuestra América”, como denominou José Martí.

Foi efetivamente um gigante. Chavez liderou um importante movimento político, que, de tão novo, ainda está no nascedouro. Com a força das suas ideias transformadoras e o seu exemplo edificante de dirigente revolucionário e estadista, tal movimento tende a se consolidar e perenizar como a grande tendência de nossa época. O movimento político protagonizado e dirigido por Chavez tem por essência o anti-imperialismo, que é o próprio espírito da nossa época, a marca da resistência tenaz dos povos à ofensiva neocolonialista dos potentados internacionais sob a égide do imperialismo estadunidense.

Outra marca indelével de seu pensamento e obra é a democracia popular, participativa, a mobilização permanente do povo, arma da vitória em qualquer batalha contra os inimigos por mais poderosos que se afigurem.

Chavez forjou a unidade do povo, bandeira da esperança, a partir das demandas e anseios dos humildes, dos trabalhadores, dos explorados e oprimidos do seu país, em luta contra oligarquias usurárias e cruéis.

Fez também da unidade dos povos latino-americanos e caribenhos uma bandeira de luta, uma meta a alcançar, cujos primeiros resultados estão em evidência nas atuais conquistas democráticas, patrióticas e no plano da integração soberana e solidária, cujas expressões maiores são a Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América (Alba) e a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac). Chavez passa à História como um internacionalista, um estrategista que repôs na ordem do dia das tarefas mais importantes da época a luta pelo socialismo, pela independência nacional e a paz.

Hugo Chavez é o libertador moderno da Venezuela e da América Latina. Antes da sua primeira vitória eleitoral, em 1998, as perspectivas de seu país e de toda a América Latina eram as mais sombrias. Estava em curso uma tremenda ofensiva neocolonialista e, com a honrosa exceção de Cuba revolucionária, o imperialismo contava com o consentimento, a permissividade e o beneplácito das classes dominantes, oligarquias e governos locais. Tudo indicava no sentido da submissão ao chamado Acordo de Livre Comércio para as Américas (Alca).

Esta situação começou a mudar a partir da tomada do poder por Hugo Chavez. Ele lançou o brado da integração dos povos, da unidade latino-americana e caribenha, a partir do ideário do libertador Simon Bolívar.

Chavez iniciou na Venezuela a revolução democrática, redigiu a Constituição bolivariana, que lhe deu força e legitimidade para iniciar o desmonte do sistema político das oligarquias ligadas ao imperialismo.

Chavez introduziu um modo novo de governar e de enfrentar a questão social, tão aguda em seu país. Não se deixou levar pela rotina do Estado burocrático. Lançou um ambicioso programa social e de mobilização popular a que chamou de Missões, pelo qual enfrentou os problemas da educação, da saúde, da educação, da alimentação e do bem-estar social.

Em outra frente estratégica, Chavez nacionalizou o petróleo, que passou a alimentar não mais os apetites insaciáveis de lucro das multinacionais, mas a sustentar o desenvolvimento de um país soberano.

Com isso, o líder bolivariano conquistou impressionante adesão popular, mas também, por outro lado, o ódio da burguesia e do imperialismo.

Por esta razão, foi vítima de um golpe de Estado, de sabotagens à economia e de uma tentativa de revogar seu mandato. Foram intentonas contrarrevolucionárias comandadas de fora pelo imperialismo com o apoio das oligarquias internas.

Depois de 14 anos de exercício do poder por Hugo Chavez, baseado em ampla frente política de esquerda e no imenso movimento popular que o respalda, a Venezuela avançou na construção do bem-estar social e na elevação da consciência política do povo.

Já enfermo, mas consciente das suas elevadas responsabilidades perante a Nação, o povo e os países irmãos, Chavez aceitou o desafio do embate eleitoral que culminou com sua vitória retumbante em 7 de outubro do ano passado, ocasião em que afirmou: “O que o que está em jogo é a própria Pátria”. Consciente das dimensões que essa batalha tinha para a América Latina e o mundo, o líder da Revolução cubana, Fidel Castro, disse que “poucas vezes, talvez nunca, pôde-se refletir, tão nitidamente, uma luta de ideias entre o capitalismo e o socialismo como a que se expressa hoje na Venezuela”.

Os inimigos da liberdade e da soberania dos povos percebem isto, e têm feito uma repugnante, covarde e traiçoeira campanha de desestabilização do país. Tudo indica que vão tentar aproveitar-se do momento de transe para dar curso às suas intentonas golpistas.

Nesse contexto, ganha força a afirmação do vice-presidente Nicolas Maduro, no pronunciamento em que anunciou o falecimento de Hugo Chavez: “Seu legado não morrerá nunca”, assim como o sentido apelo que fez à unidade e à mobilização do povo para defender as conquistas da Revolução e levá-la adiante.

A morte de Chavez é uma perda irreparável e abre imensa lacuna. Não é fácil substituir um líder do seu porte e da sua dimensão. Neste momento de profunda dor, os amigos do povo venezuelano em todo o mundo estão próximos e confiantes em que saberá marchar adiante, sob a nova liderança, com a luz e a força das ideias e do exemplo de Chavez. Sempre!

Leia também:

Nasce Hugo Chavez, o mito

Hugo Chavez: Morte produzida em laboratório

A hora e a vez de Hugo Chavez

“Viva Hugo Chavez! Viva para sempre.”

Atílio Borón: ¡Gloria al bravo Chavez! ¡Hasta la victoria, siempre, comandante!


%d blogueiros gostam disto: