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Ditadura militar: Procurador-geral da República diz que tortura e morte são imprescritíveis

21 de outubro de 2013
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Procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Roldão Arruda, via O Estado de S.Paulo

O novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acaba de sinalizar importante mudança na interpretação da Lei da Anistia de 1979. Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal sobre a extradição de um ex-policial argentino, o ocupante do mais alto cargo do Ministério Público Federal observa que a anistia brasileira deve se submeter às convenções internacionais que tratam do assunto e das quais o Brasil é signatário.

De acordo com tais convenções, os chamados crimes contra a humanidade, como a tortura e a morte de opositores políticos, são imprescritíveis.

Isso significa que, ao contrário da interpretação em vigor no Brasil, militares e agentes policiais que violaram direitos humanos na ditadura, entre 1964 e 1985, não podem ser beneficiados pela Lei da Anistia.

É a primeira vez que o Ministério Público Federal se manifesta dessa maneira sobre a questão, estimulando abertamente a reabertura do debate sobre o julgamento no qual o Supremo, em 2010, definiu que a anistia teria beneficiado tanto os perseguidos políticos quanto seus perseguidores. Em sua manifestação, Janot até lembra a decisão do STF. Mas observa em seguida que “ainda não passou em julgado”.

De fato, ainda estão pendentes os embargos de declaração apresentados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora do ação original, favorável à punição de agentes dos agentes do Estado.

A interpretação de Janot contradiz a de seu antecessor. Em 2010, ao se manifestar no julgamento do STF, Roberto Gurgel deu parecer contrário à ação da OAB. Na avaliação dele, a anistia teria resultado de um longo debate nacional, com o objetivo de viabilizar a transição entre o regime autoritário militar e o regime democrático, e abrangeu crimes “de qualquer natureza”.

Para Janot, a anistia a acusados de torturas não pode ser justificada em nome da transição para a democracia. Diz ele: “Na persecução de crimes contra a humanidade, em especial no contexto da passagem de um regime autoritário para a democracia constitucional, carece de sentido invocar o fundamento jurídico geral da prescrição”.

Divulgada na semana passada pelo MPF, a manifestação de Janot foi redigida no final de setembro. Trata-se de um parecer sobre o pedido de prisão preventiva, para fins de extradição, do ex-policial argentino Manuel Alfredo Montenegro.

Refúgio

Acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura na ditadura militar da Argentina (1972 a 1977), o ex-policial se refugiou no Rio Grande do Sul, onde foi localizado.

O procurador-geral defendeu a prisão e a extradição do argentino. O eixo principal de sua argumentação foi o consenso nas cortes internacionais sobre imprescritibilidade de crimes contra a humanidade. Segundo Janot, trata-se de “norma imperativa do direito internacional, tanto de natureza principiológica quanto consuetudinária”. Essa norma, enfatiza e sublinha no seu texto, “também se aplica ao Brasil”.

Janot menciona de passagem que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, endossou a tese jurídica da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade – assim chamados por afetarem não apenas uma vítima direta, mas toda a humanidade, representada por um determinado grupo humano. Foi essa corte que, em 2010, condenou o Brasil no julgamento de uma ação apresentada por familiares de mortos e desaparecidos no Araguaia.

A sentença da Corte Interamericana determina expressamente que sejam apuradas as responsabilidades pelas chacinas ocorridas na guerrilha. Deixa claro que não aceita a ideia de que a anistia de 1979 teria beneficiado policiais e militares.

Mudança

A manifestação de Janot foi bem recebida por procuradores que atuam na área da chamada justiça de transição. Um deles lembrou ao Estado que Gurgel já havia dado um passo nessa direção, ao se manifestar favoravelmente à extradição de outros três argentinos, acusados em casos de sequestro e desaparecimento forçado de opositores políticos. Com essa atitude ele teria endossado a tese de que pessoas acusadas em casos assim não podem ser anistiadas, uma vez que os crimes não foram interrompidos.

A manifestação de Janot amplia o debate. Procurado pelo Estado, ele não quis se manifestar, afirmando que seus argumentos já estão expostos no texto enviado ao Supremo.

Ditadura militar: Pai do ministro Alexandre Padilha narra a dor de viver longe do filho

19 de julho de 2012

Anivaldo Padilha, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Anivaldo Padilha, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, teve de fugir do País quando a mulher estava grávida e só conheceu o filho oito anos depois. Ele diz que a distância foi a pior das torturas: “É uma dívida que a ditadura tem comigo”, e cobra punição dos torturadores.

Nara Alves, via iG São Paulo

Com voz suave e afável, Anivaldo Padilha narra com precisão como foi amarrado nu a uma cadeira elétrica durante dias consecutivos no presídio Tiradentes – o mesmo em que a presidenta Dilma Rousseff esteve detida – no centro de São Paulo em fevereiro de 1970. Em entrevista ao iG, ele conta como fugiu do Brasil quando sua companheira estava grávida do filho mais velho, o agora ministro da Saúde, Alexandre Padilha. “As dores da tortura não foram tão fortes nem tão severas quanto as dores de sair nessas circunstâncias”, lembra.

No último dia 22 de maio, mais de 40 anos depois, a União reconheceu oficialmente que errou ao torturar aquele jovem militante da causa cristã e democrática. Por unanimidade, a Comissão de Anistia pediu perdão, declarou a condição de anistiado político a Padilha e o indenizou em R$230 mil. Agora, seu processo foi encaminhado à Comissão da Verdade e ao Ministério Público, para que os responsáveis pelas torturas e pelo seu exílio possam ser julgados.

“É uma dívida que a ditadura tem comigo e com meu filho que jamais vai ser paga porque eu fui privado de ter contato com ele na primeira infância. Só pude conhecê-lo pessoalmente quando ele já estava com oito anos de idade”, afirma emocionado. No exílio, Padilha se casou com uma norte-americana e teve dois filhos, que se correspondiam com o meio-irmão brasileiro por meio de gravações em fitas K7 e desenhos.

Com a Lei da Anistia, em 1979, Padilha voltou ao Brasil e trouxe a nova família, mas sua mulher não se adaptou e retornou aos EUA, abrindo mão da guarda dos dois filhos. Há 15 anos, ele se casou novamente e hoje, aos 72 anos, é pai de uma pré-adolescente. A militância continua a fazer parte da vida de Padilha. Em junho, participou da conferência Rio+20 com um grupo da Igreja Metodista – denominação protestante da qual é membro desde a infância –, Anivaldo Padilha pede mudanças no desenvolvimento econômico. “O atual modelo de desenvolvimento é predador, sem quase nenhuma preocupação sócio-ambiental”, diz.

Padilha considera que ainda há no País uma herança da ditadura militar que permeia o cotidiano de todo cidadão, impedindo que a sociedade dê um ponto final nesse passado precariamente esclarecido. “Precisamos acelerar o processo de redemocratização”, diz. Para isso, defende, são necessárias a revisão da Anistia, a divulgação de documentos, a abertura de arquivos, a Comissão da Verdade e, como espera há décadas, a condenação dos culpados.


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