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Paulo Moreira Leite: Vira-latas em Teerã

26 de novembro de 2013
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad (centro), e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, se abraçam durante cerimônia de assinatura de acordo nuclear entre Brasil, Irã e Turquia em 2010.

Acordo assinado em Genebra foi rascunhado por Lula, Erdogan e Ahmadinejad em 2010. O massacre foi geral.

Paulo Moreira Leite em seu blog

O caráter colonizado de grande parte de nossos observadores diplomáticos teve poucos momentos tão vergonhosos como em maio de 2010. Naquele momento, Brasil, Turquia e Irã assinaram um acordo nuclear que, em seus traços essenciais, era um rascunho bem feito do acerto fechado ontem, em Genebra, com apoio de Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Alemanha.

Após três anos e seis meses de tensão e novas ameaças de confronto, o óbvio ficou um pouco mais ululante. Desmentindo o discurso imperial que em 2010 tentava apresentar uma intervenção militar como inevitável diante da “intransigência” iraniana para defender seu programa nuclear, o novo acordo confirma que era possível avançar numa solução pacífica, respeitando a vontade soberana daquele país. Apesar disso, quem não sofreu uma perda seletiva de memória irá lembrar-se do que ocorreu há três anos.

Com apoio inicial da Casa Branca, que voltaria atrás sob pressão de lobistas a serviço da extrema direita de Israel, Lula tomou a iniciativa de atrair o Irã e a Turquia para as conversas. Foi uma ideia do presidente brasileiro, a partir de conversas prévias com o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em Nova Iorque. Informado, Barack Obama aderiu a ideia, ainda que relutante. O chanceler Celso Amorim atuou nos bastidores entre os envolvidos.

Quarenta e oito horas depois, enquanto os Estados Unidos propunham uma nova rodada de sanções contra o Irã, inviabilizando um pacto que bastante razoável, Lula tornou-se alvo de um massacre externo e, especialmente, interno. Fez-se o possível para ridicularizar sua atuação, como se fosse um caso patológico de caipirismo diplomático. Refletindo o tom geral, um comentarista chegou a mandar os pêsames para o presidente brasileiro. Como explicar essa postura?

Um ponto, claro, era eleitoral. Cinco meses depois da viagem de Lula a Teerã, a população brasileira iria às urnas e era importante impedir qualquer vitória de seu governo, que poderia ajudar a eleição do ainda poste Dilma.

Outro aspecto é o complexo de vira-latas, que não consegue enxergar oportunidades que a conjuntura internacional pode oferecer ao país. Não se perdoou a indisciplina de Lula em relação a Washington. Já que Obama havia mudado de ideia, como é que o governo brasileiro se atrevia a teimar com seu projeto?

Como escreveu o professor José Luiz Fiori, em 2010, “o que provocou surpresa e irritação em alguns setores, não foram as negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o sucesso do presidente brasileiro que todos consideravam impossível ou muito improvável. Sua mediação […] criou uma nova realidade que já escapou ao controle dos Estados Unidos e seus aliados.”

O ponto principal envolve o caráter provinciano do pensamento diplomático estabelecido no país. Incapaz de enxergar novos horizontes quando a situação internacional permite – como estava claro em 2010 – nossos professores de fim de semana procuram sabotar uma diplomacia que, vê-se agora toda clareza, abria oportunidades.

Chato, né?

Washington Araújo: E se fosse a Rússia – ou Irã ou Cuba – que espionasse o Brasil?

29 de setembro de 2013
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Já pensou se fosse eles? Fidel Castro, de Cuba; e os presidentes do Irã, Hassan-Rohani, e da Rússia, Vladimir Putin.

Qual seria a reação da mídia brasileira, de sua maior rede de televisão aberta, de seus principais jornais e revistas impressos, se os e-mails, telefonemas e documentos da própria presidenta Dilma Rousseff fossem espionados pelo governo cubano, russo ou iraniano?

Washington Araújo, via Carta Maior

“Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país. Sem respeito à soberania, não há base para o relacionamento entre as nações.”

Dilma Rousseff, abrindo a 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em 24/9/2013

“Dois pesos e duas medidas” – expressão geralmente usada para denunciar injustiça patente, evidente, clamorosa, é máxima recorrente para identificar julgamento parcial, faccioso, eivado de segundas e terceiras intenções, quando o bem maior a ser protegido passa a ser o interesse particular em detrimento ao interesse coletivo.

Mas, nos dias atuais, a expressão cai como luva para certo tipo de jornalismo. O jornalismo que manda às favas a busca da verdade, que tem partido, ideologia, interesses econômico-financeiros. O jornalismo que abdica de sua função de bem informar, de ouvir o outro lado, de conferir as fontes e as informações, de distinguir entre fatos e versões, entre evidências e meras suposições. É o jornalismo que prefere encampar como recurso procedimental a teoria do domínio do fato. Teoria em que as intenções pesam mais que as ações realizadas, verificáveis, constatáveis. Em grande medida, o jornalismo brasileiro nos dias que correm.

Façamos breve exercício mental sobre o enfoque jornalístico de temas muito atuais que vez por outra tomam de assalto as capas das revistas semanais, as capas dos jornais diários, a escalada dos telejornais mais tradicionais e de maior audiência aferível.

A espionagem orquestrada e executada pelo governo dos Estados Unidos em solo brasileiro e tendo como alvos nada menos que a Presidenta da República e a sua mais importante empresa, a Petrobrás, isto para circunscrevermos apenas dois dos mais vistosos e importantes alvos, seria razoável supor que muitas outras autoridades, personalidades estão sendo alvos de espionagem de Washington.

Não estaria sendo espionando o Ministério da Defesa?

Vejamos, é ele que coordena a megalicitação para aquisição de 36 caças para reequipar a Força Aérea brasileira, negócio exuberante que ultrapassa os US$15 bilhões e, com um detalhe, concorrendo com a Boeing dos Estados Unidos, encontram-se o Rafale da França e o Gripen NG, da sueca Saab. Outro detalhe, a concorrência se arrasta já há mais de uma década.

Não estaria sendo espionado o Ministério das Minas e Energia?

Vejamos, é ele que coordena, estuda e discute políticas de governo para a extração do petróleo no pré-sal, significando para especialistas em energia novo Eldorado mundial fornecedor de petróleo. Seria deixado de fora da bisbilhotice norte-americana?

Não estaria sendo espionado o Ministério da Agricultura?

Vejamos, o Brasil está há muitos anos à frente da moderna pesquisa agropecuária e sua principal estrela na área é a Embrapa, ganhadora de diversos prêmios do setor, seja no campo da pesquisa pura de sementes e defensores agrícolas, seja no aspecto inovação, todos atuando na otimização de crescentes safras agrícolas.

Não estaria espionando o Ministério das Relações Exteriores?

Vejamos, o Brasil, à custa de muito esforço e perseverança conseguiu pôr de pé o seu bloco econômico e político de integração continental – o Mercosul, e, ademais, firmou sua liderança em organismos multilaterais como o G-20, o Brics, tendo atuação de destaque tanto nos Fóruns Mundiais Sociais (por sinal, criado no Brasil) quanto no Fórum de Davos, na Suíça; iniciou parcerias estratégicas com a China (que já suplantou os EUA como maior parceiro comercial do país) e com os vizinhos Bolívia, Argentina, Venezuela; atuou junto ao governo turco para encontrar solução pacífica para os muitos problemas criados pelo Irã, como aqueles relacionados ao desenvolvimento de energia nuclear, beligerância permanente com Israel, escalada de violação dos direitos humanos.

Não estaria sendo espionada toda a região da Amazônia Legal?

Vejamos, não é de hoje que estudantes do ensino médio dos Estados Unidos aprendem a ler mapas geográficos em que a Amazônia brasileira ao invés de fazer parte do Brasil, é nada menos que um enclave governado pelo Sistema Nações Unidas e, também, considerando sua condição de “pulmão do planeta” e de possuir o mais extenso e volumoso reservatório de água potável do mundo, além de sua exuberante fauna e flora para pesquisas no campo da biotecnologia e dos fármacos, dificilmente estaria distante das preocupações dos serviços de inteligência dos Estados Unidos.

Tendo o Brasil assumido – e em larga medida – sua condição de líder latino-americano, sua pujante economia, com o êxito de suas políticas públicas de erradicação da fome e da miséria, tais contornos tornam o país alvo preferencial para espionagem, em especial, por quem nutre históricos anseios imperialistas e hegemônicos.

Em meio a essa avalancha de informações vazada de dentro do próprio coração de seus organismos de inteligência (espionagem e contraespionagem), causa espécie observar a tibieza quando não a leniência com que o assunto vem sendo abordado por nossa aguerrido pool de empresas midiáticas. O assunto da prisão no aeroporto de Heatrow (Londres), por algumas horas, do namorado do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, responsável por ajudar na divulgação das denúncias e documentos de outro norte-americano Edward Snowden (este, antigo funcionário da NSA norte-americana), recebeu formidável espaço na mídia imprensa e na mídia televisiva. Contraste flagrante com o pouco caso com que essa mesma mídia abordou a questão que a todos interessa – sob o pretexto de preservar sua soberania nacional às custas da soberania de outras nações que, no caso do Brasil, trata-se nada menos que uma nação historicamente amiga.

Façamos um segundo exercício mental. É o seguinte:

Qual seria a reação da mídia brasileira, de sua maior rede de televisão aberta, de seus principais jornais e revistas impressos, se os e-mails, telefonemas e documentos da própria presidenta Dilma Rousseff fossem espionados pelo governo cubano?

E se o fossem pelo governo russo?

E se o fossem pelo governo venezuelano?

E se o fossem pelo governo iraniano?

O presente tema objeto deste prosaico artigo nos convida a uma vigorosa reflexão sobre a aplicação do “dois pesos duas medidas” no fazer jornalístico do Brasil, ajuda a desvelar a teia de interesses escusos, sejam ideológicos, sejam partidários, que há muito minam a credibilidade dessa importante força motriz de uma sociedade justa e equânime, amante da liberdade e defensora dos direitos das populações vulneráveis – a imprensa.

A humanidade tem sido vítima constante de ambições imperialistas do Norte e do Sul, de sistemas ideológicos que privilegiam o mercado em detrimento do ser humano, de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, com legitimidade crescentemente questionável, em que menos que meia dúzia de nações impõe sua vontade e suas agendas política e econômica aos restantes 196 países, que não titubeiam em declarar guerras a seu bel prazer, seja para movimentar sua portentosa indústria bélica, seja para se apoderar de valiosas fontes de recursos energéticos ou, tão-somente, fortalecer a insidiosa dualidade do eu-produtor e todo-o-resto-do-mundo-consumidor. Estamos testemunhando uma época de absoluta carência de grandes líderes, de grandes estadistas, de grandes pensadores que consigam entender que toda a humanidade tem um só destino, um destino inescapável e comum a todos, um destino que se imanta à percepção de que aquilo que infelicita parte infelicita o todo. Somos, a bem dizer, nada mais que um só planeta e um só povo.

Washington Araújo é jornalista, escritor e mestre em Comunicação pela UNB. Tem o blog Cidadão do Mundo.


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