
Devido ao adiamento do julgamento, pedido pelo ministro Gilmar Mendes, decisão não valerá para essas eleições.
O ministro adia o fim das doações de campanha de empresas.
Via CartaCapital
Quando o STF caminhava para proibir as contribuições eleitorais de empresas, o ministro Gilmar Mendes deu um golpe: pediu vistas do processo, o que deve adiar a conclusão do julgamento até ao menos uma data apropriada para impedir a entrada em vigor imediata das novas regras. O STF analisava uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil que barra as doações das companhias, mas permite aquela de indivíduos até o limite hoje equivalente a um salário mínimo.
Mendes age partidariamente, baseado em premissas falsas. Quem é contra proibir as doações empresariais teme o fortalecimento do PT, partido com maior poder de mobilização social, em tese, portanto, mais preparado para obter contribuições individuais de militantes. Por esse mesmo raciocínio, os principais beneficiados seriam os candidatos evangélicos (ninguém, digamos, tem eleitores tão “fiéis”).
O efeito do poder econômico sobre a democracia é visível, não apenas na captura dos agentes públicos por interesses privados. O número de empresários e ruralistas no poder está em ascensão, resultado de campanhas eleitorais cada vez mais caras. O custo para eleger um presidente da República nas próximas eleições deve beirar 200 milhões de reais.
Sem as doações privadas, as campanhas teriam de se tornar mais simples. Isso levaria os candidatos a precisar de menos forma (marqueteiros) e mais conteúdo (assessores políticos). A maioria dos eleitores ignora, mas as eleições já consomem um caminhão de verbas públicas. Há o repasse do fundo partidário e a isenção fiscal para tevês e rádios transmitirem o horário eleitoral erroneamente chamado de gratuito (só essa brincadeira custa cerca de 1 bilhão de reais, dinheiro retirado do seu, do meu, do nosso bolso).
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STF e Congresso sinalizaram o fim das doações feitas por empresas nas eleições. Para o presidente da OAB, a proibição estabelece “a igualdade de participação de todos nas eleições”
Piero Locatelli, via CartaCapital
O princípio de “um homem, um voto” nunca valeu plenamente no Brasil. “Mendigos” só tiveram o direito ao voto em 1946. Entre idas e vindas, analfabetos só tiveram o direito definitivo ir às urnas em 1985. Antes, no final do império, a necessidade de uma renda mínima delimitava o voto a somente 1,5% da população. Para o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinicius Furtado Coelho, a proibição das doações de empresas a candidatos finalmente acabaria com a desigualdade que é fruto do voto censitário –quando cidadãos necessitam provar uma condição econômica para votar.
O Supremo Tribunal Federal sinalizou na quarta-feira, dia 2, a proibição de doações por empresas, pedido em uma ação direta de inconstitucionalidade feita pela OAB. Seis ministros já votaram favoravelmente a ela, o que garante a maioria entre os onze juízes. O ministro Gilmar Mendes, porém, pediu vistas e o processo foi adiado –o que deve impedir a aplicação da regra nesta eleição.
A decisão muda substancialmente a forma como as campanhas são financiadas. Atualmente, mais de 90% das doações feitas a candidatos vem de empresas e a doação de pessoas físicas é inexpressiva diante do total. De acordo com a regra atual, as empresas podem doar até dois por cento do faturamento bruto obtido no ano anterior ao da eleição. As pessoas físicas podem doar quantias limitadas a dez por cento do rendimento bruto do ano anterior.
Para Coelho, o financiamento eleitoral escancara as desigualdades sociais, pois permite que ricos tenham possibilidade muito maior de influir nos resultados das eleições, já que “empresa não constitui conceito de povo”. “Esse investimento das empresas é uma figura constitucional que fere um princípio republicano: a igualdade de participação de todos nas eleições. Se deve haver igualdade em ao menos um momento, ele deveria ser a eleição,” diz o presidente em entrevista a CartaCapital.
Para Coelho, o fim das doações de empresas pode ajudar a provocar uma ampla mudança na forma como os políticos são eleitos. “Nós temos o modelo eleitoral baseado nos votos em pessoas, em que cada candidato faz a sua própria estrutura de campanha, encarecendo a campanha eleitoral,” diz o presidente. “Atualmente, não há um espírito partidário. O principal adversário de um candidato é o seu colega de partido, e a meta dele é ter mais votos que os outros da mesma legenda. Temos que criar um modelo diferente do atual.” A OAB tem uma proposta, feita em conjunto a outras entidades, deste “modelo diferente”. Segundo o projeto, o eleitor escolheria primeiramente um partido, e posteriormente escolheria os candidatos dentro daquela legenda.
Congresso tomou decisão parecida
A CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado tomou uma decisão similar ao Supremo no mesmo dia, ao aprovar projeto que proíbe a doação de empresas. O projeto deve seguir à Câmara dos Deputados e, caso aprovado, entra em vigor na eleição seguinte. Para Coelho, a coincidência não causa incertezas, mas é “benéfica” porque mostra uma aceitação dos congressistas à decisão.
Na discussão entre os senadores, o principal argumento contrário foi o de que a proibição do financiamento eleitoral estimularia o caixa 2 de campanha. A atual legislação atual foi firmada após recomendações CPI do PC Farias, que mostrou a entrada de dinheiro ilícito na campanha de Fernando Collor à presidência. Coelho discorda que a proibição estimule a ilegalidade. “Com o barateamento das eleições, não haverá espaço para campanhas milionárias pois o financiamento em caixa 2 será visualizado facilmente,” diz o presidente.
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