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Vídeo: O diretor da Fiesp e por que o Brasil está certo ao investir em Cuba

3 de fevereiro de 2014
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Dilma e Raul Castro durante a inauguração do Porto de Mariel.

O investimento no Porto de Mariel amplia o alcance do comércio e a área de influência do Brasil.

José Antonio Lima, via CartaCapital

Causou certa indignação em determinados setores da sociedade brasileira a inauguração do porto de Mariel, em Cuba, na segunda-feira, dia 27, com a presença de Dilma Rousseff. O espanto se deu por que a obra foi erguida graças a um financiamento do BNDES, que data ainda do governo Lula. Atribui-se o investimento a uma aliança ideológica entre os governos petistas e a família Castro, responsável pela ditadura na ilha. É um equívoco ver o empréstimo desta forma. Trata-se de um ato pragmático do Brasil.

O porto de Mariel é um colosso. Ele é considerado tão sofisticado quanto os maiores terminais do Caribe, os de Kingston (Jamaica) e de Freeport (Bahamas), e terá capacidade para receber navios de carga do tipo Post-Panamax, que vão transitar pelo Canal do Panamá quando a ampliação deste estiver completa, no ano que vem. A obra, erguida pela Odebrecht em parceria com a cubana Quality, custou 957 milhões de dólares, sendo 682 milhões de dólares financiados pelo BNDES. Em contrapartida, 802 milhões de dólares investidos na obra foram gastos no Brasil, na compra de bens e serviços comprovadamente brasileiros. Pelos cálculos da Odebrecht, este valor gerou 156 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no País.

A obra “se pagou”, mas o interesse do Brasil vai além disso. Há quatro aspectos importantes a serem analisados.

O primeiro foi exposto por Dilma no discurso feito em Cuba. O Brasil quer, afirmou ela, se tornar “parceiro econômico de primeira ordem” de Cuba. As exportações brasileiras para a ilha quadruplicaram na última década, chegando a 450 milhões de dólares, alçando o Brasil ao terceiro lugar na lista de parceiros da ilha (atrás de Venezuela e China). A tendência é de alta se a população de Cuba (de 11 milhões de pessoas), hoje alijada da economia internacional, for considerada um mercado em potencial para empresas brasileiras.

Esse mercado só será efetivado, entretanto, se a economia cubana deixar de funcionar em seu modo rudimentar atual. Como afirmou o subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Antonio José Ferreira Simões, o modelo econômico de Cuba precisa “de uma atualização”. O porto de Mariel é essencial para isso, pois será acompanhado de uma Zona Especial de Desenvolvimento Econômico criada nos moldes das existentes na China. Ali, ao contrário do que ocorre no resto do país, as empresas poderão ter capital 100% estrangeiro. Dono de uma relação favorável com Cuba, o Itamaraty está buscando, assim, completar uma de suas funções primordiais: mercado para as empresas brasileiras. Não é à toa, portanto, que o Brasil abriu uma nova linha de crédito, de 290 milhões de dólares, para a implantação desta Zona Especial em Mariel.

Aqui entra o terceiro ponto, a localização de Mariel. O porto está a menos de 150 quilômetros do maior mercado do mundo, o dos Estados Unidos. Ainda está em vigor o embargo norte-americano a Cuba, mas ele é insustentável a longo prazo. “O embargo não vai durar para sempre e, quando cair, Cuba será estratégica para as companhias brasileiras por conta de sua posição geográfica”, disse à Reuters uma fonte anônima do governo brasileiro. Tendo em conta que a população cubana ainda consistirá em mão de obra barata para as empresas ali instaladas, fica completo o potencial comercial de Mariel.

Há ainda um quarto ponto. Ao transformar Cuba em parceira importante, o Brasil amplia sua área de influência nas Américas em um ponto no qual os Estados Unidos não têm entrada. A administração Barack Obama é favorável ao fim do embargo, como deixou claro o presidente dos EUA em novembro passado, quando pediu uma “atualização” no relacionamento com Cuba. Ocorre que a Casa Branca não tem como derrubar o embargo atualmente diante da intensa pressão exercida no Congresso pela bancada latina, em sua maioria linha-dura. No vácuo dos EUA, cresce a influência brasileira.

Grande parte das críticas ao relacionamento entre Brasília e Cuba ataca o governo brasileiro por se relacionar com uma ditadura que não respeita direitos humanos. Tal crítica tem menos análise de política externa do que ranço ideológico, como prova o silêncio quando em destaque estão as relações comerciais do Brasil com a China, por exemplo. Não há, infelizmente, notícia de um Estado que paute suas relações exteriores pela questão de direitos humanos. Se a regra fosse essa, possivelmente o mundo não seria a lástima que é.

Soma-se a isso o fato de que manter boas relações com Cuba é uma prática do Estado brasileiro, não do governo atual. As relações Brasília-Havana foram reatadas em 1985 e têm melhorado desde então. Em 1992, no governo Fernando Collor, houve uma tentativa de trocar votos em eleições para postos em organizações internacionais. A prática, como a Folha de S.Paulo mostrou em 2011, continuou no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sob o qual o Brasil também fechou parcerias e intercâmbios com Cuba.

De fato, em 1998 o então chanceler de FHC, Luiz Felipe Lampreia, se encontrou com um importante dissidente cubano, Elizardo Sánchez, algo que o governo brasileiro parece muito distante de fazer. Pode-se, e deve-se, criticar o fato de o Planalto sob o PT não condenar publicamente as violações de direitos humanos da ditadura castrista, mas não se pode condenar o investimento no porto de Mariel. Neste caso, prevaleceu o interesse nacional brasileiro.

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Porto de Mariel: Diretor da Fiesp explica sua importância estratégica para o Brasil

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Beto Almeida: O porto de Mariel, Brasil, Cuba e o socialismo

Em Cuba, Dilma agradece por Mais Médicos e diz que bloqueio é injusto

Paulo Skaf simboliza a confusão que reina na política brasileira

26 de dezembro de 2013
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O socialista Skaf em 2010.

Paulo Nogueira, via Diário do Centro do Mundo

Paulo Skaf é um retrato da confusão política nacional.

Observe o seguinte. Presidente da Fiesp, a outrora expressiva mas hoje irrelevante federação de empresas paulistas, ele foi candidato a governador de São Paulo em 2010 pelo Partido Socialista Brasileiro, o PSB. Skaf, conservador da cabeça aos pés, se vestiu de socialista, portanto, para tentar o governo de São Paulo.

Verdade que em seu verbete na Wikipédia – apresentado pelos editores, numa curiosa advertência, como semelhante a “peça de propaganda” – está dito que, mesmo num partido “socialista”, a plataforma de Skaf em 2010 era “neoliberal”.

Numa foto de campanha de então, ele apareceu com uma zebra. Pedia votos para a zebra, ele próprio. Poucos deram, e ele terminou em quarto lugar.

Bem, Skaf esteve nas manchetes na semana passada graças ao IPTU de Haddad. Ele aparece no noticiário como o homem anti-IPTU, depois que a Fiesp recorreu à Justiça contra o imposto, sob a alegação de que é “inconstitucional”.

Joaquim Barbosa acabou promovendo também Skaf ao recebê-lo em Brasília esta semana para que ele falasse contra o IPTU e, mais ainda, ao tomar seu lado contra o de Haddad na questão.

Skaf é outra vez candidato, agora pelo PMDB, o maior, o mais patético e o mais atrasado conglomerado que existe no Brasil de políticos sem causa a não ser a própria. O típico peemedebista se perpetua no poder, em geral nas regiões mais vulneráveis a predadores políticos, e só deixa as mamatas no caixão, depois de transferi-las aos descendentes. É o espírito das capitanias hereditárias ainda em vigor, séculos depois.

O Brasil terá avançado na política quando o PMDB não mais existir, ou quando for uma fração do que é.

Paulo Skaf é a cara do PMDB. Ele tem aparecido bem nas pesquisas. Em geral está na segunda colocação, atrás de Alckmin. Muita gente progressista se assusta com a possibilidade de São Paulo ser governada por Skaf.

Eu diria aos paulistas assustados. Primeiro, tomem um Frontal para se acalmar. Depois, tenham certeza: as chances de Skaf, em 2014, são as mesmas de 2010. Nulas.

Com sua cruzada anti-IPTU, Skaf se tornou um candidato interessante para eleitores que já têm um candidato: Alckmin. Os dois falam para o mesmo público, uma classe média que detesta pagar impostos e que tem raiva de pobres, nordestinos, ciclistas, faixas de ônibus – tudo, enfim, que seja de interesse popular. Este tipo de eleitor tenderá a optar pelo próprio Alckmin.

O voto “diferente” será canalizado para Padilha, do PT. Ele chegará à campanha empurrado não pela negação ao IPTU, mas pelo Mais Médicos. É uma bandeira muito mais forte quando se trata de votos: o Mais Médicos fala para os pobres, e estes são em quantidade muito maior que os opositores privilegiados de um IPTU que beneficiava a periferia.

Se Padilha vai repetir a trajetória federal de Dilma e municipal de Haddad – sair lá de baixo nas intenções de votos para afinal vencer – é, ainda, uma incógnita. Mas que as ilusões do “socialista” Skaf de 2010 naufragarão novamente em 2014, agora no bote valetudo do PMDB, isto é certo.

Ou batata, como gostava de dizer Nelson Rodrigues.

Barbosa atende Fiesp e barra IPTU progressivo em São Paulo; Haddad chama Skaf de demagogo

21 de dezembro de 2013
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Skaf argumentou na audiência com Barbosa que a aplicação de reajuste mais alto para regiões mais ricas é um equívoco. Foto Carlos Humberto/STF.

Com nova derrota no Judiciário, imposto diferenciado (ricos pagam mais; pobres, menos) não poderá ser aplicado em 2014. STF decide deixar questão para julgamento do mérito no Tribunal de Justiça.

Via RBA

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, atendeu na sexta-feira, dia 20, aos pedidos do empresariado paulista e manteve a suspensão da correção do IPTU na cidade de São Paulo. Com isso, a cobrança diferenciada proposta pelo prefeito petista Fernando Haddad, com elevação nos distritos mais ricos, e redução nos mais pobres, não pode ser aplicada no imposto de 2014. Em nota, a prefeitura informou que vai aplicar uma correção linear de 5,6% sobre o tributo.

Em sua decisão, Barbosa se vale de dois argumentos. O primeiro, de que, ao não conhecer em sua totalidade o orçamento da prefeitura, não tem como tomar em conta a versão da administração Haddad de que a manutenção da liminar provocará graves danos aos cofres públicos. Segundo o petista, em arrecadação direta a cidade perde R$800 milhões, mas pode sofrer um prejuízo de até R$4 bilhões em perda de repasses federais por não conseguir honrar compromissos financeiros com a União.

Para o ministro, existe a necessidade de ser mais rigoroso quando se trata de liminar em favor do poder público, que deveria a qualquer maneira comprovar que sofrerá danos gravíssimos com a manutenção da decisão. “Essa demonstração da absoluta falta de opções é imprescindível para caracterizar a severa crise apta a autorizar a intervenção no devido processo legal judicial”, sustentou.

O segundo argumento do presidente do STF é de que a cassação da liminar poderia levar a uma cobrança que mais tarde seria revertida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que ainda vai julgar o mérito das ações movidas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pelo PSDB. Devolver tributos aos contribuintes, alega Barbosa, é mais difícil que cobrá-los quando a questão for resolvida em definitivo pelo Judiciário.

“Observo também que a questão está sendo examinada pelo TJ/SP, sem prognóstico de que haverá demora excessiva na apreciação do mérito, ao menos neste momento. Portanto, faz sentido reforçar a confiança na capacidade e no comprometimento do Tribunal de Justiça para dar célere desate ao processo, enquanto não sobrevier indicação de que haverá atraso”, argumentou o ministro.

No começo desta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a liminar e sugerir à prefeitura que encaminhasse o caso ao STF, o que foi feito no dia seguinte. Ontem, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, tiveram audiências separadas com Barbosa para apresentar seus argumentos.

Ao saber do resultado negativo no STF, durante evento na zona leste, Haddad partiu para o ataque contra Skaf, pré-candidato do PMDB ao governo do estado em 2014, acusando-o de demagogo e de mover-se por objetivos eleitoreiros. “É muita demagogia ficar entrando com uma ação contra a cidade, já que a Fiesp não entrou com nenhuma ação contra nenhum outro prefeito. Não vale a pena fazer demagogia para ganhar alguns pontinhos. Não é porque você é candidato a qualquer coisa que você pode fazer demagogia”, afirmou ele, segundo o site UOL.

Com a lei, moradores de bairros e imóveis mais valorizados pagariam reajustes de até 20% no ano que vem. Em contrapartida, distritos periféricos, como o Parque do Carmo (zona leste) e do Campo Limpo (zona sul), teriam reduções médias de 12,1% e 2,7%, segundo nota divulgada pela prefeitura após a decisão do STF, e outra fatia dos contribuintes teria correção abaixo da inflação.

Na nota emitida após a decisão, a prefeitura informa que “caso a lei não tivesse sido suspensa pela liminar, o reajuste do IPTU seria diferenciado por tipo de imóvel (residencial em média 10,7% e comercial em média 31,4%) e por localização (por exemplo, os distritos do Parque do Carmo e do Campo Limpo teriam reduções médias de 12,1% e 2,7%, respectivamente), o que beneficiaria a população mais pobre da cidade”.

A liminar contra o novo IPTU foi dada originalmente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ), atendendo a ação conjunta da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do PSDB. A lei suspensa atualizava os índices da Planta Genérica dos imóveis da capital, de acordo com a valorização do mercado imobiliário nos últimos anos, dividia a cidade em três regiões e aumentava o universo de contribuintes isentos.

O presidente do PSDB paulista, deputado Duarte Nogueira, disse que a decisão do STF é uma vitória de todos os paulistanos. “O gestor tem muitas ferramentas para reforçar o orçamento e o aumento de impostos é apenas uma delas.”

O elo da Fiesp com os porões da ditadura

25 de março de 2013
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Corpo de Albert Henning Boilesen, ao lado do Fusca, após ser morto a tiros em São Paulo: empresário defendia ajuda financeira e logística ao aparato da repressão política.

Documentos revelam o “Dr. Geraldo”, que fez a ligação dos empresários paulistas com o Dops durante sete anos.

José Casado e Chico Otavio em 25/3/2013

“Dr. Geraldo”, escreveu o funcionário no livro de portaria. “Cargo: Fiesp”, completou. Eram 18h30 daquela segunda-feira, 19 de abril de 1971, quando Geraldo Resende de Mattos, o “Dr. Geraldo” da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, avançou pelo corredor central do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). No prédio ícone da arquitetura ferroviária paulistana funcionava uma falange policial do mecanismo de repressão política operado pelo 2º Exército. Quatro meses antes, o general-comandante Humberto de Souza Mello dera sinal verde à matança de adversários do regime. E confirmou a ordem ao chefe do seu Estado-Maior.

O tratamento de “doutor” na delegacia era reverência policial à organização dos industriais. Os livros do Dops, há pouco revelados pelo Arquivo Público, indicam que a conexão entre o empresariado paulista e a polícia política do regime militar foi muito mais extensa do que até então se presumia.

Mattos frequentava os andares do Dops, onde funcionavam as seções de Política e de Informações, três a quatro vezes por semana no final do expediente. Essa foi sua rotina durante sete anos, de 1971 a 1978. Às vezes, passava mais tempo lá do que na Fiesp. Tinha 52 anos e estava há 28 no Serviço Social da Indústria (Sesi), vinculado à Fiesp. Entrou como “auxiliar” e cresceu a partir de uma relação de confiança com o industrial Nadir Dias de Figueiredo, um dos fundadores dessas entidades.

Um homem do poder
Figueiredo era figura ímpar no empresariado paulista. Emergiu da Depressão de 1929 como proprietário de fábricas de vidros, lâmpadas e aparelhos de iluminação na região metropolitana de São Paulo. Com o irmão Morvan, ministro do Trabalho no governo Dutra (1946-1951), ajudara o engenheiro e senador Roberto Simonsen a erguer o mais influente condomínio sindical do patronato brasileiro (Fiesp/Ciesp/Sesi/Senai). Com a morte de ambos, nos anos de 1950, Figueiredo desfrutou como ninguém do controle político dessas entidades.

Dono de um sorriso enigmático, fala mansa e sempre a bordo de um terno escuro, elegeu todos os presidentes da Fiesp durante três décadas, até 1980. Manejava com habilidade um colégio eleitoral de 94 eleitores, onde o voto dos antigos sindicatos de cordoalha e de chapéus para senhoras valia tanto quanto o das inovadoras indústrias automobilística e o da eletrônica.

Jardineiro da dissimulação, distanciava-se com polidez de jornalistas e pretensos biógrafos esgrimindo uma bem-humorada recusa: “A metade do que eu teria para contar envolve outras pessoas, por isso é assunto confidencial. Sobre a outra metade, bem… iriam me chamar de mentiroso.” Nunca presidiu a federação. Escolhia presidentes e alocava um de seus filhos na posição de vice. Era o “emérito”, derrotado na revolução paulista de 1932, contra Getulio Vargas, e vitorioso no golpe de 1964 contra João Goulart.

Naquela segunda-feira, 19 de abril de 1971, foi atípica a visita do “Dr. Geraldo” da Fiesp ao Dops. Durou dez minutos. Saiu às 18h40 da delegacia onde imperava Sérgio Paranhos Fleury, ícone da corrupção e da violência policial, a quem o comando militar dera proeminência na máquina de repressão política. Fleury estava nas ruas, caçando terroristas que, quatro dias antes, assassinaram um diretor do Centro das Indústrias (Ciesp). Antes de a semana acabar, comandaria a aniquilação do Movimento Revolucionário Tiradentes, integrante do consórcio guerrilheiro montado para execução do empresário Albert Henning Boilesen.

O dinamarquês Boilesen, de 54 anos, havia sido eleito na Fiesp/Ciesp com o aval de Nadir Figueiredo depois de chegar à direção do grupo Ultra. Eram vizinhos no charmoso bairro Jardim América. Na manhã de quinta-feira, 15 de abril, foi emboscado ao sair de casa. Metralhado, morreu na sarjeta.

Ativo colaborador do Departamento de Operações Internas (DOI) do 2º Exército, Boilesen se destacava nas reuniões da federação pela veemência na defesa de ajuda financeira e logística ao aparato de repressão política. Dias antes de ser assassinado propôs a criação de um braço armado, civil, em apoio ao regime militar. A Associação dos Combatentes Brasileiros não saiu do papel, mas o caixão de seu idealizador baixou ao túmulo escoltado por dois pelotões do Exército e na presença do comandante da Região Militar, general Dale Coutinho.

O empresário Boilesen e o auxiliar Mattos faziam parte de uma engrenagem civil-militar que reconhecia a legitimidade do “movimento revolucionário no uso de meios para atingir plenamente seus objetivos”, na definição de Theobaldo De Nigris, presidente da Fiesp com sucessivos mandatos garantidos por Nadir Figueiredo até 1980. O empresariado somava-se à luta contra as “falanges da subversão e do genocídio”, dizia a federação em manifestos.

Não há dados precisos, mas sabe-se que foi expressivo o fluxo de dinheiro para a repressão, a partir de coletas na Fiesp e em reuniões promovidas por Gastão de Bueno Vidigal (Banco Mercantil de São Paulo), João Batista Leopoldo Figueiredo (Itaú e Scania), Paulo Ayres Filho (Pinheiros Produtos Farmacêuticos) e o advogado Paulo Sawaia, entre outros. Empresas como Ultragaz, Ford, Volkswagen, Chrysler e Supergel auxiliaram também na infraestrutura, fornecendo carros blindados, caminhões e até refeições pré-cozidas.

Foram criados departamentos de espionagem de empregados recrutando agentes civis e militares. Nos arquivos do Dops há uma profusão de registros, listas e fichas individuais.

As relações entre empresários e chefes militares se solidificaram durante a conspiração contra Goulart. Cristalizaram-se na Operação Bandeirantes, em 1969, quando as atividades repressivas foram centralizadas no 2º Exército. O êxito da experiência da Oban levou à instituição do DOI-Codi a estrutura militar oito meses depois. A autonomia e o vínculo direto da máquina de repressão com o ministro do Exército, em Brasília, produziram a subversão da hierarquia na caserna. A partir daí, a anarquia, a tortura e a matança se tornaram institucionais.

Em São Paulo, generais e empresários esmeravam-se na lapidação de seu relacionamento com reuniões e solenidades cada vez mais frequentes. Na terça-feira, 9 de dezembro de 1970, por exemplo, o chefe do Estado-Maior do 2º Exército, general Ernani Ayrosa, abriu o quartel para homenagear alguns de seus mais destacados colaboradores.

Convidou Henning Boilesen e Pery Igel (Ultra), Sebastião Camargo (Camargo Corrêa), Jorge Fragoso (Alcan), Adolpho da Silva Gordo (Banco Português), Oswaldo Ballarin (Nestlé), José Clibas de Oliveira (Chocolates Falchi), Walter Bellian (Antarctica), Ítalo Francisco Taricco (Moinho Santista) e Paulo Ayres Filho (Pinheiros Farmacêutica), entre outros. Ayres Filho levou para casa uma insígnia do comando gravada em metal. Agradeceu em carta, encontrada pela historiadora Martina Spohr. Nela dizia compreender o gesto “mais como um prêmio pela minha lealdade perene aos ideais cristãos e inabalável fé na Liberdade, do que por qualquer contribuição pessoal que tenha prestado às causas e operações no presente”.

Naquele dezembro, o “Dr. Geraldo” também foi premiado: seu chefe, Nadir Figueiredo, colocou-o no conselho fiscal de uma de suas empresas.

Quatro anos depois, com a guerrilha urbana exterminada e a rural asfixiada no mato do Araguaia, o general-presidente Ernesto Geisel anunciou o retorno à democracia. Conservadores como Figueiredo sentiram-se desnorteados. O líder industrial decidiu ir à luta. E levou a Fiesp a uma campanha em aliança com grupos ultrarradicais, como o medievalista Tradição, Família e Propriedade (TFP), patrocinado pelo construtor Adolpho Lindenberg.

Figueiredo e Lindenberg coordenaram uma espécie de levante contra a abertura política, em 1978. Tentaram cooptar o general João Baptista Figueiredo, já escolhido pelo presidente Geisel como seu sucessor. Levaram-lhe um manifesto empresarial a favor do regime. Perderam. Prevaleceu a volta aos quartéis.

Sem bússola, Nadir Figueiredo viu seu poder declinar na Fiesp. Saiu de cena em 1980, quando pela primeira vez saboreou a derrota numa eleição da federação. “Dr. Geraldo” acabou demitido pela nova diretoria. E a TFP acabou estilhaçada na luta interna.

Figueiredo só percebeu ter sido atropelado pela História pouco antes de morrer, em 1983. Foi quando viu na televisão um mineiro de sua cidade natal, São João Del Rey, liderando manifestações de rua por eleições diretas para presidente. Era Tancredo Neves.

Para a Fiesp, essa é uma página virada de sua história. “É importante lembrar que a atuação tem-se pautado pela defesa da democracia e do estado de direito”, ressalta a atual direção em nota oficial. E acrescenta: “Eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados.”

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26 de fevereiro de 2013
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Claris Rowley Halliwell, que se apresentava como cônsul dos EUA, não assina o horário de saída.

Juliana Sada, via O Escrevinhador em 26/2/2013

Instalada em março de 2012, a Comissão da Verdade de São Paulo realizou uma audiência pública na segunda-feira, dia 18. Sob o tema “Relação entre Fiesp e consulado dos EUA com ditadura militar”, a audiência mostrou o resultado de pesquisas realizadas em documentos do Arquivo do Estado de São Paulo e ouviu sindicalistas e operários que foram perseguidos durante o regime militar.

A Comissão da Verdade, batizada de Rubens Paiva, analisou seis livros de registro de visitantes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, um dos principais órgãos de repressão da ditadura. Os livros listam a entrada de funcionários graduados, como delegados, e de visitantes, entre os anos de 1971 e 1979, sempre registrando a ocupação e os horários de entrada e saída. Apesar de haver lacunas em relação a alguns meses, os livros trouxeram novos dados aos membros da comissão por evidenciar a frequência e as circunstâncias em que determinadas pessoas visitavam o Dops.

Com base nessa pesquisa, a comissão anunciou que irá pedir explicações ao consulado dos Estados Unidos em São Paulo e à Federação das indústrias do estado de São Paulo (Fiesp) sobre suas relações com o Dops. Ivan Seixas, membro da Comissão, afirmou que “será um questionamento para saber quem são essas pessoas e o que faziam lá”.

No caso dos Estados Unidos, registrou-se a presença constante no Dops de Claris Rowley Halliwell, que se apresentava como cônsul. Seixas explica que nos livros há registros de visitas de membros consulares de alguns países, entretanto “não tem outro consulado que tenha uma presença tão constante nos documentos”. Muitos dos registros de Halliwell não possuem horário de saída, indicando que teria permanecido até após as 22 horas horário em que as anotações deixavam de ser efetuadas.

Entre os casos analisados, Seixas destaca a coincidência entre a visita de Halliwell e a prisão e tortura de Devanir José de Carvalho, dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Carvalho foi preso no dia 5 de abril de 1971 e torturado por três dias, até ser morto. No dia 5, registra-se a entrada de Halliwell ao meio-dia, mas não há horário de saída. Ivan Seixas, que ficou preso no Dops durante a ditadura, explica que as torturas comumente ocorriam durante a noite e a madrugada e que os gritos dos torturados podiam ser escutados no prédio inteiro. Assim que Seixas considera essencial que “seja explicado para o Brasil o que um representante diplomático fazia num local em que ocorria tortura. Em um grau mínimo ele escutou e se omitiu e, em um grau máximo, imaginem o que quiser…”.

Empresários e repressão

Outro frequentador assíduo do Dops era Geraldo Resende de Matos (ou Mattos, a grafia varia nos registros), identificado como “Fiesp”. Há muitos registros sem horário de saída de Matos ou com horário de saída no dia seguinte, indicando permanências de mais de 12 horas no Dops. Somente no ano de 1971, há cerca de 50 visitas de Matos ao Departamento, sendo que há apenas o registro de dez meses desse ano. Estima-se que ele tenha frequentado o departamento até o ano de 1978 ou 1979. Ao jornal Estadão, a Fiesp afirmou que Geraldo Resende de Matos nunca fez parte de seu quadro de funcionários.

Geraldo Matos, da Fiesp, também não marca horário de saída.

Geraldo Matos, da Fiesp, também não marca horário de saída.

Durante a audiência, a relação entre o empresariado e a ditadura foi abordada também por ex-operários que foram perseguidos pelo regime militar. Os trabalhadores apresentaram relatos da existência de uma lista negra, que indicava quem não deveria ser contratado, e mostraram documentos que indicam que os empresários entregavam aos órgãos de repressão informações sobre seus funcionários envolvidos em greves e há, incluso, pedidos de empresas para que se investiguem seus trabalhadores.

O ex-metalúrgico e deputado estadual José Zico Prado, do PT, relatou que após sua prisão não conseguiu permanecer mais que alguns meses em nenhum emprego, sempre sendo demitido. “Só consegui emprego quando fui para outro setor [que não a metalurgia]”, afirma Prado, que relata ainda que diversos líderes sindicais que faziam parte das negociações coletivas com a Fiesp também encontravam dificuldade de conseguir emprego. O sindicalista e ex-metalúrgico Waldemar Rossi apresentou a pesquisa realizada pelo grupo Oposição Metalúrgica sobre a perseguição aos operários, em que se reuniu documentos como a lista negra das indústrias do ABC e as fichas dos funcionários enviadas ao Dops. Rossi entregou o material aos membros da Comissão da Verdade com o pedido que se analise os casos apresentados.

Outra descoberta feita durante a análise dos livros de registro foi a relação entre o Dops e a Operação Bandeirante (Oban), centro de investigação e repressão ilegal montado pelos militares em 1969. Ivan Seixas explica que havia a percepção que existia uma separação entre os dois centros repressivos por um ser civil e outro militar. Entretanto, os livros de registro revelaram que era constante a presença de membros da Oban no Dops, que “tinha um papel fundamental de articulador”, analisa. “Os dois [órgãos] se entendiam, se entendiam muito”, conclui.

Durante o mês de fevereiro, a Comissão da Verdade Estadual realizará uma série de audiências públicas para analisar casos específicos de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. Confira abaixo o cronograma de audiências, realizadas na Assembleia Legislativa de São Paulo.

21/2 – 10h – Caso Edgar Aquino Duarte – Auditório Teotônio Vilela (1º andar)

21/2 – 14h – Caso Dênis Casemiro – Auditório Teotônio Vilela (1º andar)

25/2 – 10h – Casos Ablilio Clemente Filho e Aluísio Palhano Pedreira Ferreira – Auditório Teotônio Vilela (1º andar)

26/2 – 10h – Casos Honestino Monteiro Guimarães, José Maria Ferreira Araújo e Paulo Stuart Wright – Auditório Teotônio Vilela (1º andar)

27/2 – 10h – Casos Luiz Almeida Araújo, Issami Nakamura Okano – Auditório Teotônio Vilela (1º andar)

28/2 – 10h – Casos Davi Capistrano, Elson Costa, Hiram de Lima Pereira, João Massena Melo, José Montenegro de Lima, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão Filho, Nestor Vera e Walter de Souza Ribeiro – Auditório Teotônio Vilela (1º andar)

O soco de Dilma no queixo tucano

7 de dezembro de 2012
Dilma Rousseff durante o Encontro Nacional da Indústria.

Dilma Rousseff durante o Encontro Nacional da Indústria.

Miguel do Rosário em seu O Cafezinho

A presidente Dilma conseguiu aplicar poderoso jab no queixo do PSDB, na quarta-feira, dia 5. Seu plano para reduzir o preço da energia foi aceito pela maioria das empresas do setor, com exceção das três controladas por governadores tucanos. Não vou entrar no mérito da MP, que alguns engenheiros acusam de ser nociva à saúde das estatais. Em termos de embate político, contudo, Dilma deu um drible nos adversários que devem tê-los deixado com a cara de quem passou algumas horas discutindo com Mike Tyson. A medida, que é populista na acepção positiva do termo, ganhou apoio, naturalmente, dos que mais vão lucrar com ela: os industriais.

Confira esse trecho de matéria publicada hoje no site do Estadão:

“Vamos realizar uma das ações mais importantes para reduzir o custo de produção do Brasil, a redução das tarifas de energia elétrica”, disse a presidente, sob muitos aplausos, em discurso na abertura do 7º Encontro Nacional da Indústria (Enai), em Brasília.

A presidenta, que já tem a seu lado o povão, via Lula – que conquistou a classe média com seu jeitão de gerente séria, exigente e implacável com “malfeitos” – agora se tornou o xodó dos industriais. O PIB pode estar meia-bomba, mas:

● Juros e spreads caíram.

● Dólar subiu.

● Hoje o Guido Mantega liberou mais R$100 bilhões para empresas investirem.

● Preço da energia pode vir a registrar uma saudável queda a partir de 2013.

Nada disso significa que os problemas acabarão. O mundo hoje é terrivelmente competitivo e há empresas que, infelizmente, vão quebrar mesmo com juros, câmbio, crédito e energia em situação mais favorável. No mínimo, porém, as medidas do governo amenizam a crise e retardam um pouco o fechamento de alguns negócios. Note que estou tentando ver a coisa pelo lado negativo, por precaução.

Até mesmo o plano para baratear a energia, ainda vai depender de fatores imponderáveis, inclusive a quantidade de chuvas nos próximos meses. Tomara que dê certo, e que a gente receba uma conta mais amiga no ano que vem.

O que gostaria de comentar é a armadilha em que tropeçou o PSDB. Os tucanos estão queimados com o povão, por seu estilo aristocrático e pedante. A classe média, mesmo festejando o julgamento do “mensalão” e atribuindo a Joaquim Barbosa qualidades de herói de revista em quadrinho, foi seduzida pela presidenta. E agora, os donos da indústria, estarrecidos em face da decisão dos governos de Minas, São Paulo e Paraná, de não aderir ao plano federal para reduzir os custos da energia, olham para o partido com um sentimento misto de raiva, pena e decepção.

Leia esse trecho de nota publicada hoje [5/12] no site da Fiesp:

De acordo com Paulo Skaf, estatais (Cemig, Copel e Cesp) que se recusam a aderir ao desconto vão ter de arcar com as consequências de frustrar os brasileiros.

Para os tucanos, portanto, sobrou apenas a mídia, que parece cada vez mais biruta em sua cruzada contra o presidente Lula.

Quando achamos que a mídia atingiu o ápice da histeria antipetista, que ela chegou ao fundo do poço, eis que topamos com um novo alçapão.

Merval Pereira se tornou uma espécie de caricatura de si mesmo. Vai vendo só o título da sua coluna de hoje:

Merval09_Jornal

A sisudez novecentista de Merval, porém, não evita que ele abrace alegremente, como de resto toda a grande mídia, a baixa fofoca política:

Agora mesmo temos o exemplo da Polícia Federal agindo de maneira autônoma e investigando nada mais nada menos que a chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, tida por todos como “a namorada do Lula”.

Não se espante com o elogio de Merval à Polícia Federal. Mais adiante ele explicará que o aprimoramento da PF não deve ser atribuído à Lula, e sim à Constituição de 88!

Algo me diz que a tática de explorar a vida pessoal do presidente dará resultados opostos àqueles esperados pela oposição midiática: Lula vai ganhar ainda mais carisma.

Entretanto, não deixa de ser lamentável que as pessoas acreditem em histórias sem pé nem cabeça como essa do Garotinho, de que Rosemary Noronha saltou do avião presidencial, na cidade do Porto, num voo em que também estava Lula, e registrou junto às autoridades locais uma mala com mais de €25 milhões. Concordo com o Rovai, de que Lula deveria processar Garotinho.

Inconsistências da história:

1. Não cabem €25 milhões numa “mala diplomática”. Rose teria de saltar do avião carregando um carro forte.

2. Se Lula e Rose quisessem roubar dinheiro fariam uma transferência eletrônica.

3. Qual o sentido em registrar, na alfândega do país da União Europeia, onde há rígidas leis contra crimes financeiros, uma quantia de dinheiro de origem ilegal.

Francamente, já se mentiu melhor…

De resto, o artigo de Merval, assim como o editorial do Globo hoje [5/12], tem como objetivo defender Fux de si mesmo. A agoniada retórica do colunista para blindar o ministro e atribuir sua entrevista desastrada à Mônica Bergamo a uma tentativa de se blindar contra fofocas petistas, revela o grau de engajamento da mídia em proteger seus “aliados”.


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