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Legenda Após um longo trâmite no TCU, a abertura de processo no Congresso dependerá de um novo pedido.
Deverá ser encaminhado até quarta-feira, dia 6, ao Tribunal de Contas da União (TCU) o requerimento aprovado pelo Senado para que seja feita uma auditoria especial com o objetivo de apurar eventuais irregularidades cometidas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, durante o processo de aquisição sem licitação de 1.200 tablets pelo Ministério Público Federal. A informação foi dada na sexta-feira, dia 1º, pela Secretaria Geral da Mesa do Senado, órgão responsável por emitir o ofício e providenciar o seu envio ao TCU.
Após receber o requerimento do Senado, o TCU realizará uma auditoria nos contratos firmados pela Procuradoria Geral da República para a aquisição dos tablets. Em seguida, elaborará um relatório que será novamente encaminhado ao Senado para que este, em posse das informações solicitadas ao tribunal, decida qual prosseguimento será dado à ação contra Gurgel. O requerimento que solicita ao TCU investigação sobre o procurador-geral foi apresentado em 21 de fevereiro pelo senador Fernando Collor (PTB/AL), sendo em seguida aprovado em votação simbólica pelo plenário.
Segundo a assessoria do TCU, o recebimento de requerimentos enviados pelo Congresso Nacional obedece ao que está disposto da Resolução 215, editada em 2008. De acordo com o documento, o requerimento será enviado diretamente ao presidente do tribunal, Augusto Nardes, que, em seguida, deverá comunicar à Presidência do Senado sobre as providências adotadas e enviar o processo a uma “unidade básica de controle externo”. Esta, por sua vez, providenciará o sorteio do relator da matéria, além de encaminhar o processo ao corpo técnico que fará a auditoria propriamente dita.
No Senado, um servidor que trabalha na Secretaria Geral da Mesa explica qual trâmite a ação contra Gurgel seguirá após a conclusão da análise feita pelo Tribunal de Contas: “Irá retornar um ofício do TCU, endereçado à Mesa do Senado Federal, anexado ao relatório com as conclusões dos trabalhos de investigação. Em seguida, a Mesa fará uma publicação em avulso no diário do Senado para que todos os senadores tenham acesso ao conteúdo do relatório”, diz.
Assim que as lideranças dos blocos partidários considerarem que houve tempo hábil para a apreciação do relatório do TCU, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), levará o tema ao plenário. Este poderá pedir explicações complementares a Gurgel: “Nesse caso, seria feita uma convocação oficial de autoridade para prestar esclarecimentos. Depois, caso os senadores não fiquem satisfeitos e percebam que precisam de mais informações, poderá ser aprovada a abertura de um processo referente a crime de responsabilidade cometido por um PGR”, explica o servidor técnico do Senado.
Crime de responsabilidade
Segundo o que está previsto no regimento interno do Senado, a abertura de um processo contra Roberto Gurgel somente poderia ser feita mediante a apresentação e posterior aprovação de um novo requerimento específico: “Esse novo requerimento deverá ser lido na hora do expediente e ser colocado na ordem do dia para votação em plenário. Se aprovado, será aberto processo contra o procurador geral”, diz a fonte.
Se a ação contra Gurgel chegar a esse ponto, ao menos um senador estará de prontidão para apresentar o requerimento específico de abertura de processo por crime de responsabilidade contra o procurador-geral da República. Ao assumir esta semana a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, Collor, que já havia chamado Gurgel de “prevaricador” no dia da abertura do ano legislativo, voltou a bater forte do alto da tribuna. “Ele e sua trupe corporativista têm que calar a boca. Agora é o Senado que quer saber de tudo e o TCU é quem dará a palavra final”, disse o senador alagoano.
Embora a Procuradoria Geral da República não se manifeste oficialmente sobre o caso, uma vez que o requerimento do Senado sequer chegou ao TCU, Gurgel declarou à imprensa que a iniciativa do Senado era “risível”, o que teria provocado novamente a ira de Collor. O procurador se diz tranquilo em relação às investigações: “As portas do Ministério Público estão abertas ao TCU”.
São Paulo é o Estado com maior IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) do País. Quem mora na capital ainda paga a taxa de inspeção veicular. Em 2012, a Prefeitura da capital cobrou R$44,36 pela vistoria.
No vídeo de sua campanha, José Serra (PSDB) defende a cobrança. “Nada é de graça.”
Em entrevista a O Estado de S.Paulo, Serra afirmou: “A poluição é um problema gravíssimo em São Paulo. Revisão para evitar poluição é um serviço essencial. Se a Prefeitura for pagar a inspeção, paga quem tem carro e quem não tem, o que é injusto, todos estarão pagando.”
Já Fernando Haddad (PT) diz que vai acabar com a taxa que é cobrada dos munícipes proprietários de veículos, mas manterá a inspeção.
Celso Russomano (PRB), no início da campanha, chegou a dizer que iria acabar com a inspeção veicular, mas nos últimos tempos não voltou ao assunto. No item 11 de seu programa de governo, afirma que vai “reformular a inspeção veicular, mantendo a devolução integral do valor da taxa cobrada pelas empresas, que deverão realizar a inspeção”.
O fato é que, apesar de o tema estar com frequência no horário eleitoral de Serra e Haddad — os demais candidatos à Prefeitura da capital o têm ignorado –, a mídia, curiosamente, não aprofundou o assunto durante essa campanha.
Inclusive, no final de semana passado, a Vejinha São Paulo elogiou o programa de inspeção veicular, implantado, a partir de 2008, pelo prefeito Gilberto Kassab (na época, DEM, hoje PSD) e a Controlar. Em 2011, esse contrato foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP) à Justiça por conter várias ilegalidades, irregularidades e fraudes (clique aqui).
“Na verdade, está tudo errado nesse contrato entre a Prefeitura e a Controlar; ele é ilegal”, afirma ao Viomundo o promotor Marcelo Duarte Daneluzzi, da Promotoria do Patrimônio Público e Social do MP/SP, um dos autores da denúncia à Justiça. “Pensei que com a campanha eleitoral essa taxa não resistisse uma semana. Mas pelo visto quase todo mundo está gostando dessa fonte de arrecadação.”
A campanha de Haddad diz que Serra mente: “Não é verdade que quem anda de ônibus, bicicleta, Metrô, vai pagar a isenção da taxa de inspeção veicular dos que possuem carro. Ao pagar o IPVA, o proprietário de automóvel já paga a inspeção, pois essa taxa já está embutida no valor”.
“Às vezes, o proprietário paga até duas inspeções no período de 30 dias.”
O IPVA, entre outras finalidades, deveria ser usado para educação no trânsito, segurança, redução da poluição. Do valor arrecadado, 50% destinam-se ao governo estadual e os outros 50% ao município onde o veículo está registrado.
“Dos R$4 bilhões arrecadados anualmente com os veículos na cidade de São Paulo, R$2 bilhões ficam com a Prefeitura e R$2 bilhões vão para o Estado”, diz a campanha de Haddad. “De forma que a Prefeitura tem como arcar com os R$160 milhões da inspeção veicular.”
Mas esse não é o único problema. O vereador Chico Macena (PT/SP), que em 2011 denunciou o caso ao MP/SP, alerta: “Às vezes, o proprietário paga até duas vistorias no período de 30 dias, devido às irregularidades na inspeção feita pela Controlar. Isso sem falar de carros que são reprovados em determinado local e aprovados em outro.”
O procedimento de inspeção veicular prevê quatro etapas: 1) pré-inspeção visual; 2) inspeção visual; 3) inspeção mecânica; e 4) inspeção de ruídos.
Ao iniciar a inspeção, o técnico deve seguir a ordem acima. Se constatada qualquer irregularidade na fase visual, o veículo é imediatamente rejeitado e/ou reprovado, o relatório de inspeção veicular emitido e o processo de vistoria interrompido.
O proprietário deve realizar então os reparos exigidos e retornar em até 30 dias para nova inspeção, caso contrário pagará nova tarifa.
Agora, mesmo que o proprietário faça os reparos para sanar irregularidades constatadas na primeira inspeção, ele pode ter seu veículo novamente reprovado e/rejeitado nas outras fases da inspeção e ser obrigado a pagar nova tarifa. Afinal, na primeira inspeção o carro não é inspecionado integralmente, impossibilitando, assim, o proprietário de resolver todos os problemas que o veículo eventualmente tenha.
“Os únicos beneficiários dessa forma de inspeção ilógica, irracional e indevida são a Prefeitura de São Paulo e a Controlar”, afirma Macena. “Os proprietários só têm prejuízos. Além de obrigados a novas inspeções e novas tarifas até que se concluam todos os procedimentos legais, eles perdem tempo precioso, geralmente de serviço, pois as vistorias são realizadas em dias e horários comerciais.”
“Todas as etapas da inspeção devem ser realizadas e esgotadas em uma única vez e a concessionária emitir um relatório completo indicando todas as causas de rejeição ou reprovação a serem sanadas pelo munícipe”, defende Chico Macena, que tem projeto de lei na Câmara dos Vereadores paulistana nesse sentido.
Em 2011, o MP/SP entrou na justiça contra Prefeitura e a Controlar
Na realidade, tudo começa em 1995. Na época, a Prefeitura (Paulo Maluf era o prefeito) fez licitação para inspeção veicular. Ganhou o único participante do certame, o Consórcio Controlar, integrado por Vega-Sopave, Controlauto e a empresa alemã Rwtüv-Fahrzeug GmbH.
O contrato, firmado em 4 de janeiro de 1996, deveria vigorar por dez anos, mas nunca foi implementado. Em decorrência disso, a licitação respectiva caducou.
Em 2007, Kassab (na época, DEM, hoje PSD), sem licitação, ressuscitou o contrato de 1996 e o serviço de inspeção veicular foi entregue à Controlar, nesta altura já com nova formação societária.
Em 2008, a Prefeitura começou a cobrar dos proprietários de veículos a inspeção veicular feita pela Controlar.
Em 2011, os promotores de Justiça Roberto Antônio de Almeida Costa e Marcelo Duarte Daneluzzi, do MP/SP, entraram com ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra Kassab, o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge Martins Sobrinho, a Controlar, entre outros.
A ação do MP/SP, segundo nota da assessoria de imprensa da instituição, “aponta a inabilitação técnica, econômica e financeira da Controlar para executar o contrato, fraudes na mudança do controle acionário e na composição do capital social da Controlar, inconstitucionalidade de leis municipais sobre a inspeção veicular obrigatória e uma série de outras irregularidades que tornam nulos o contrato e seus aditivos”.
Além da suspensão do contrato, os promotores pediram concessão de liminar para o afastamento do prefeito e o sequestro judicial de bens de todos os envolvidos para eventual futuro ressarcimento ao poder público.
“As pessoas envolvidas sabiam muito bem que não estavam fazendo um negócio liso.”
“Para começar, o contrato é inconstitucional porque é um serviço de fiscalização, inspeção, logo tem poder de polícia”, observa o promotor Marcelo Daneluzzi. “E não existe concessão de serviço público quando a atividade envolve poder de polícia.”
O promotor traduz:
● Serviço público é uma comodidade. É alguma atividade que o Estado presta ao cidadão e ele paga uma tarifa por isso. Por exemplo, ônibus, Metrô.
● A inspeção veicular não é nenhuma comodidade para usuário. É o poder de fiscalizar. E o Estado (no caso, a Prefeitura paulista) não pode delegar esse poder de polícia ao particular. O particular até pode prestar o serviço. Mas a remuneração é feita pelo poder público.
● No caso da inspeção veicular, o usuário é quem está pagando a Controlar por um serviço de fiscalização, que, a rigor, não poderia ser outorgado a uma empresa particular. Muito menos dar-lhe o direito de cobrar diretamente do usuário como se fosse um serviço público. Não dá para fazer isso.
“A Controlar sempre teve um comportamento faltoso, nunca executou o contrato e ainda foi condenada por improbidade administrativa”, expõe Daneluzzi. “Até que, na atual gestão, o prefeito ressuscitou esse contrato que não tinha sido cumprido.”
Em português claro: Kassab pega uma empresa já condenada por improbidade administrativa – em termos eleitorais seria uma empresa ficha suja – e faz com uma ela um contrato com base numa licitação viciada e que havia caducado.
As três empresas que integram o consórcio vendem a “concessão” do serviço de inspeção veicular para outro grupo, a CCR – leia-se Camargo Correa. Ou seja, quem não participou da licitação em 1995 acaba tendo o contrato.
“A Controlar não cumpre o que tinha sido licitado e, ainda, consegue vender seu contrato de ‘concessão’ por R$175 milhões”, diz Daneluzzi. “Foi especulação em torno de um negócio público. Afinal, a Controlar vendeu se não a própria ‘concessão’.”
Segundo o MPE/SP, esse contrato causou um prejuízo de R$1,1 bilhão ao poder público e aos paulistanos proprietários de veículos. Esse valor refere-se à nulidade do contrato administrativo e também aos danos para usuários que despenderam um valor durante esses anos por um contrato inválido.
“As pessoas envolvidas sabiam muito bem que não estavam fazendo um negócio liso e que o contrato não era válido”, atenta Daneluzzi. “Tanto que, quando o contrato foi ressuscitado, havia parecer do próprio secretário dos Negócios Jurídicos, desaconselhando a venda da Controlar e a retomada do contrato, que não é uma concessão. Aliás, é um absurdo como isso vem prosperando até agora.”
Em dezembro de 2011, os promotores Daneluzzi e Almeida Costa pediram na Justiça que o contrato fosse simplesmente rompido, já que é ilegal e está em desacordo com o ordenamento jurídico.
O juiz decidiu dar 90 dias para a Prefeitura fazer nova licitação. “Um absurdo”, julga Daneluzzi. “O problema não era só a inidoneidade da Controlar, mas todo o processo.”
Os promotores recorreram. A parte contrária também. O município entrou com um tipo de recurso chamado entulho autoritário. Ele permite ao poder público ir diretamente ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) pedir a suspensão da liminar, dizendo que vai causar um grave abalo às finanças públicas.
Só que a Prefeitura não obteve êxito no TJ/SP. Recorreu então ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo presidente era o ministro Ari Pargendler, e conseguiu manter o contrato com a Controlar.
Aí, o juiz de primeira instância, que havia dado 90 dias para nova licitação e determinado o bloqueio dos bens de todos os envolvidos, revogou a indisponibilidade dos bens.
“Nós recorremos disso tudo e ainda não obtivemos êxito em segundo grau”, relata Daneluzi ao Viomundo. “A Procuradoria de Justiça também está ingressando com medidas para que sejam colocados em indisponibilidade os bens de todos os envolvidos. Se a ação for julgada procedente é preciso que principalmente o erário e o poder público tenham a garantia de que os réus tenham condições de pagar essa ação de R$1,1 bilhão.”
Em 2011, a receita líquida da Controlar, descontados os impostos, foi de R$178 milhões, segundo o balanço da empresa. Em 2010, alcançou a cifra de R$155 milhões. Ou seja, arrecadou 15% a mais.
Já o lucro líquido da Controlar, livre de impostos, mais que dobrou. Pulou de R$15,5 milhões para R$33,8 milhões. A sua rentabilidade, relação patrimônio líquido e lucro líquido, chegou a 67% em 2011. É maior do que a rentabilidade de muitas concessionárias que cobram pedágios nas estradas paulistas.
A parte recebida pela Prefeitura de São Paulo do IPVA e quanto desse valor representa a taxa da inspeção veicular dos proprietários de carros.
Para acessar a íntegra da ação civil pública do Ministério Público de São Paulo contra a Prefeitura e a Controlar, clique aqui.
Por conta das patentes concedidas indevidamente pelo então ministro José Serra, gastos do Ministério da Saúde se multiplicaram com a compra de medicamentos.
Ainda sem data marcada para votação, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.234 no Supremo Tribunal Federal (STF) é muito aguardada pelos movimentos em defesa da saúde pública e de acesso aos medicamentos. A ação, protocolada em 2009 pela Procuradoria Geral da União a pedido da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), questiona a constitucionalidade dos artigos 230 e 231 da Lei Brasileira de Propriedade Intelectual (Lei 9279), de 1996, elaborada e aprovada às pressas durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Esses dispositivos legais, que não foram discutidos como deveriam, permitiram que diversos produtos tecnológicos para os quais o Brasil não reconhecia proteção por patentes pela legislação anterior, entre eles medicamentos, todos registrados em outros países antes de 1995, recebessem patente no Brasil (as patentes de revalidação, ou pipeline) como se fossem novidade – quando, na verdade, já eram de domínio público e não poderiam mais ser protegidos da concorrência.
Na época, o escritório nacional de patentes nacional (Inpi) revalidou automaticamente as patentes concedidas em outros países sem passar por um exame técnico dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) no Brasil. Assim foram revalidados automaticamente mais de 1.100 pedidos, entre eles mais de 750 medicamentos, como os utilizados no tratamento da Aids (efavirenz, lopinavir/ritonavir, abacavir, nelfinavir, amprenavir).
Se o STF julgar procedente a ação, caem de uma só vez patentes de uma série de produtos que expirariam até 2017. A medida é bem-vinda porque, sem as patentes, torna-se legal a fabricação de versões genéricas, bem mais baratas.
As patentes elevam o preço dos remédios porque dão ao detentor o direito de exclusividade de venda, ou mesmo de designar quem vai poder vender, por um período de 20 anos, além de permitir que se coloque o preço que quiser. E não é só a substância ativa que pode ser patenteada. Há patentes da substância e da manipulação que vai transformá-la em medicamento e até das combinações entre as substâncias que poderão vir a ser feitas. Isso causa confusão jurídica e os laboratórios se aproveitam de brechas para postergar a validade dessa proteção.
“Os prejuízos são enormes. Calcula-se que só entre 2009 e 2010 o Ministério da Saúde gastou R$123 milhões a mais só com a compra de quatro medicamentos daquela lista protegida por patentes indevidas. Se for contabilizado tudo o que governo e sociedade já gastaram a mais por causa disso desde 1996, o valor ultrapassaria o orçamento da União”, afirma a farmacêutica Célia Chaves, presidenta da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), uma das entidades que compõem a Rebrip. “Não sou contra patentes, quando legítimas. Mas nesse caso, da maneira como tudo foi feito, não tem como ser a favor. Trata-se de um grande desfalque em que uma lei atendeu aos interesses das grandes empresas e não do país.”
Segundo ela, mesmo que a tramitação se arraste até as vésperas da expiração das patentes, em 2017, e o STF decida pela inconstitucionalidade, há a possibilidade de uma nova ação cobrando o ressarcimento pelos prejuízos.
Criação dos genéricos
Outra aberração da lei brasileira de patentes é a pressa com que foi elaborada e aprovada. Em 1994, países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) assinaram o Acordo Trips, que obriga o reconhecimento, por 20 anos, de patente para todas as áreas tecnológicas. Até então, era opcional patentear algumas áreas, como o setor farmacêutico. Como as novas regras trariam mudanças, a OMC deu prazo até 2005 para os países em desenvolvimento se adequarem. Sem desobedecer o acordo, a Índia adaptou sua indústria para desenvolver versões genéricas, mais baratas, e por isso é hoje “a grande farmácia genérica do mundo”. Já o Brasil alterou a legislação em apenas um ano.
A nova lei prejudicou laboratórios brasileiros e fabricantes de matérias-primas e insumos. Far-Manguinhos, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz, já fabricava sete dos medicamentos do coquetel antiaids no começo dos anos 1990. A produção e a comercialização foram então interrompidas. Em entrevista à Revista do Brasil, a química-farmacêutica Eloan Pinheiro, que na época dirigia Far-Manguinhos e o Sindicato dos Engenheiros Químicos do Rio de Janeiro, disse que poucos compreendiam o estrago que estava para ser feito apesar do discurso oficial de que caminhávamos para a modernidade.
E como o acesso universal ao tratamento de doentes de aids foi baseado na produção local de medicamentos vendidos a preços muito inferiores aos daqueles praticados internacionalmente pelos laboratórios detentores de patentes, logo vieram os efeitos colaterais da lei.
Os danos aos cofres do Ministério da Saúde nos anos seguintes a 1996, aliás, explicam o apoio de FHC à indústria dos genéricos – uma das principais propagandas do candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB). Pressionado pela crescente demanda pelo custeio de tratamento para pacientes infectados pelo HIV – os gastos da pasta com aquisição desses medicamentos saltaram de US$35 milhões em 1996 para US$305 milhões em 1998, com tendência de aumento –, o governo que concedeu as chamadas patentes pipeline hoje questionadas no STF não viu outro jeito senão criar, três anos depois, o programa de medicamentos genéricos.
Segundo a Pró Genéricos, em dez anos foram investidos mais de US$170 milhões na construção e modernização de plantas industriais. Pela lei, os genéricos são, no mínimo, 35% mais baratos que os de referência.
A LPI é consequência de um projeto do então presidente Fernando Collor de Mello, que pretendia atrair investimentos externos. O projeto se arrastou na Câmara e no Senado, onde, sob pressão explícita do governo brasileiro, da embaixada dos Estados Unidos e do lobby da indústria, especialmente a farmacêutica americana, foi sucessivamente modificado até a sua aprovação, ainda no primeiro mandato de FHC.
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