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Já pensou se fosse o Hugo Chavez? Ângela Merkel é reeleita pela terceira vez na Alemanha

23 de setembro de 2013

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A chanceler Ângela Merkel subiu no domingo, dia 22, no palco da sede de seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), em Berlim, após ser confirmada no cargo para seu terceiro mandato seguido. Embora tenha assegurado o cargo, Merkel não obteve a maioria absoluta no Bundestag, o Parlamento alemão, e terá de fazer alianças. Já pensou se fosse o Hugo Chavez ou qualquer outro candidato progressista da América Latina? Iria faltar adjetivo para a “grande mídia” detonar a eleição.

Uma esponja chamada Ângela Merkel

Flávio Aguiar, de Berlim, via Carta Maior

Uma pessoa de meus conhecimentos aqui na Alemanha me confessou que, eleitora fiel dos Verdes há décadas, desta vez pretendia votar na CDU, ou melhor, na chanceler Ângela Merkel. Na última hora recuou, porque os Verdes estavam indo mal nas pesquisas de intenção de voto. Mas minha intuição, confirmada no noticiário da segunda-feira, dia 23, o day after da eleição de domingo, dia 22, foi a de que milhares de tradicionais eleitores dos Verdes não recuariam. E assim, parece, aconteceu. A chanceler, uma política extremamente habilidosa e convincente, agiu como uma esponja, puxando para si votos de quase todo o espectro político alemão.

Mas se isto representou um perigo para seus adversários, foi mortal para seu aliado, o FDP, sempre apresentado como business friendly, o que, traduzindo livremente, significa “amigo do mercado”. Segundo a revista Der Spiegel, citando institutos de pesquisa, Ângela Merkel e sua CDU/CSU literalmente “chuparam” 2,21 milhões de votos do FDP, além de terem ganho o voto de 1,25 milhão de eleitores que tradicionalmente não votam (o voto não é obrigatório na Alemanha).

Além disto o FDP perdeu 450 mil votos para o novo partido Alternative für Deutschland, AfD, definido como “anti-Europa”, defendendo que os países endividados, como Grécia, Portugal e outros, saiam da União Europeia ou pelo menos da Zona do Euro e só voltem depois de terem suas economias saneadas. Como resultado, o FDP estará fora do Bundestag pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, por não atingir a cláusula de barreira, 5% dos votos. Ficou com 4,8% (contra 14,6% em 2009). O clima em sua sede, no domingo, era de velório ou missa fúnebre de corpo presente.

Já o AfD comemorava seu resultado, embora também tenha ficado fora do Bundestag. Fundado há poucos meses, disputava pela primeira vez as eleições e ficou com 4,7%, um resultado mais que promissor. Como definir o conservadorismo deste partido? De um lado, é como se os professores universitários que votam no PSDB, no Brasil, resolvessem fundar o próprio partido. Algo assim que misture solenidade acadêmica, retórica pomposa e um nacionalismo conservador mas algo difuso, porque não se apresenta como tal. Pelo contrário, quer se apresentar como cosmopolita e bem pensante. É bom lembrar que “nacionalismo”, aqui, para grande parte da cultura política alemã, ainda é um palavrão inaceitável. O AfD, pelas pesquisas publicadas na segunda, tomou votos de todo mundo, até da Linke (360 mil). Da CDU, tomou 300 mil.

O SPD social-democrata tinha e não tinha o que comemorar. Melhorou seu resultado, indo de 23% na eleição de 2009 para 25,7%. Estes números lembram o que aconteceu com o FDP este ano. O SPD, formando o que se chama “Grande Coalizão” com a CDU/CSU, no primeiro governo de Merkel, definhou. Mas isto foi insuficiente, para um partido que aspirava chegar ao governo com os Verdes, batendo as coligações de Merkel. Agora o SPD está diante de um dilema: integrar ou não um novo governo de Merkel, repetindo a “Grande Coalizão” e arriscando definhar de novo diante da esponja Ângela Merkel. Se integrar, poderá ter um poderoso instrumento de barganha, porque Merkel, a rigor, precisa formar uma coalizão. A CDU/CSU ficou com 311 cadeiras no Bundestag, contra 319 das oposições desunidas (192 para o SPD, 64 para a Linke e 63 para os Verdes). Para a chanceler, é muito arriscado fazer um governo “puro sangue”, coisa que não acontece na Alemanha desde os tempos de Konrad Adenauer. Quanto ao SPD, poderá cobrar caro pela coalizão, pedindo algo como o Ministério de Relações Exteriores ou até o das Finanças (este será mais difícil) e, certamente, a vice-chancelaria. Mas como já se disse, a coalizão poderá sair-lhe caro, mais uma vez.

A Linke caiu na votação, de 11,9% em 2009 para 8,6% este ano. Chegou até a perder votos para a CDU/CSU (120 mil). Ainda assim, o clima em sua sede era de moderada comemoração. Primeiro porque o partido enfrentou momentos difíceis no passado recente. Um de seus principais líderes, Oskar Lafontaine, chegou a anunciar que se retiraria da política por motivos de saúde. Chegou-se a pensar que a Linke poderia implodir. Mas o partido conseguiu sobreviver, com a afirmação da liderança de Sahra Wagenknecht, que vai ocupando o espaço aberto mas não abandonado por Lafontaine, ao lado do candidato a chanceler, Gregor Gysi. Conseguiram manter redutos importantes, como em Berlim, com 19% da votação. Além disso, com o fracasso, visto a seguir, dos Verdes, a Linke tornou-se a terceira força no Parlamento. Isto vai ajudar o partido a furar uma certa “invisibilidade” que parte da mídia lhe dedica. Por outro lado, esta maior visibilidade vai expor mais suas tensões internas.

Para os Verdes o resultado foi péssimo. Caíram de 10,7% para 8,4%. Perderam 550 mil votos para o SPD e 420 mil para a CDU/CSU. Ficaram em quarto lugar, atrás, ainda que por poucos pontos, da Linke. Teriam a opção – que pode ser suicida – de se oferecer para compor o governo de Merkel, mas isto parece altamente improvável, senão impossível. O que aconteceu? Em primeiro lugar, a campanha Verde foi muito fraca, sem conseguir definir bandeiras nítidas. Em segundo lugar, porque mais uma vez a “esponja” tomou-lhes uma das suas principais bandeiras, a luta contra a utilização de usinas nucleares para produção de energia. Quando estavam no governo com o SPD, os Verdes chegaram a aceitar o envio de tropas alemãs para o Afeganistão, em troca do compromisso de fecharem-se as usinas até 2018. Quando chegou ao governo, com o FDP, Merkel quis recuar na decisão. Mas aí aconteceu Fukushima, e na sequência Merkel construiu um grande acordão para fechá-las até 2021. Isto foi um tiro no ouvido para os Verdes, que já vinham perdendo pontos devido à ruptura com sua tradição pacifista. Outros fatores importantes foram a exposição de suas disputas internas (coisa de que a Linke conseguiu escapar), a falta de renovação de seus quadros e uma acusação exposta insistentemente na mídia de que no passado teriam favorecido “o sexo com e entre crianças”. Traduzindo para hoje em dia, isto assumiu uma conotação de pedofilia e exibicionismo. Claro: o contexto era outro, a discussão era outra, mas como só acontecer nestes casos, até provar-se de que tromba de elefante não é tomada, o leite se derrama e a reputação se perde.

Somando e diminuindo, podem-se afirmar, com cautela, os seguintes pontos:

1. Caso o SPD decida integrar o governo – e Merkel aceite – o resultado poderá ser ruim para… David Cameron, do outro lado do Canal da Mancha. Pressionado pela sua direita, Cameron quer renegociar a repartição de poderes com a União Europeia. Merkel, com o FDP a tiracolo, vinha manifestando certo aceite desta renegociação. Agora, com o SPD na cadeira ao lado, isto ficará mais difícil, com a persistente política pró-europeia dos social-democratas.

2. Mesmo que o SPD integre o governo, não haverá grandes, talvez nem mesmo pequenas mudanças nas políticas da Alemanha e do Banco Central Europeu, nem da Comissão Europeia em relação aos “planos de austeridade” ora em curso. Muito provavelmente Jens Weidmann continuará sendo o diretor-presidente do Banco Central Alemão e, com seus 18% de votos, continuará influenciando basicamente, com seu ideário fortemente neoliberal, as políticas do BCE, ainda que este, nos últimos tempos, tenha demonstrado maior independência em relação à Alemanha. Pleiteará o SPD o cargo, caso integre o governo? Não se pode ainda dizer, mas mesmo que pleiteie, não haverá mudança de escola numa nova gestão.

3. Ainda caso o SPD venha a integrar o novo governo de Merkel, haverá uma maior aproximação com a França de François Hollande.

4. Último comentário: quais as razões do sucesso pessoal de Merkel? Bom, uma delas certamente é sua habilidade de isolar adversários, e também, é bom não esquecer devido ao caso do FDP, de enredar aliados em sua teia. Mas há uma outra razão, mais profunda. Merkel tem um estilo extremamente sóbrio de proceder e até de vestir-se. Ela encarna decididamente um ideal identitário da cultura social e política alemã. Desde muito tempo, Merkel é a primeira figura política alemã de grande presença e reconhecimento internacionais. Talvez desde os tempos mesmo de Adenauer e Willy Brandt. Helmut Kohl foi o primeiro-ministro da queda do Muro e da reunificação, mas nem ele nem Gehrard Schröder, o social-democrata que veio depois, eram figuras internacionalmente carismáticas. Merkel o é, e paradoxalmente, por encarnar o anticarisma. Ela é a líder sem sex-appeal, sem a força aparente de qualquer sedução. Por isso mesmo ele parece continuamente “casada com a Alemanha”, ela personifica este ideal identitário alemão que implica também uma forma de cruzada continental, numa afirmação, sempre discreta, mas muito persistente, de que “o que é bom para a Alemanha é bom para a Europa”. Isto significa remoldar a cena europeia, afastando-a do antigo estado do bem estar social, visto como perdulário e dissipador, e aproximando-a dos ideais de poupança e moderação nas contas públicas, como extensão das contas privadas, a cortina perfeita para recobrir, com o manto probo da respeitabilidade, a orgia financeira em que se transformaram vastos setores da economia europeia e mundial.

Paulo Vanucchi é eleito para Comissão Interamericana de Direitos Humanos

10 de junho de 2013

Paulo_Vanucchi01Nas eleições para a mais alta entidade de Direitos Humanos do continente americano, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, esteve na linha de frente da campanha, fazendo algo bastante incomum para os padrões da política externa de seu país. Kerry esteve pessoalmente em Antígua e jogou todo o peso do Departamento de Estado para garantir a “América para os americanos”. No entanto, o Brasil mobilizou grande força para a eleição de seu candidato, Paulo Vanucchi (foto).

Marcelo Sales, via Carta Maior

As ruas de Antígua, na Guatemala, parecem vivas. São quase todas de pedra e, a cada esquina, há um pedaço de ruína que conta um pouco de sua história. Ao longo dos séculos, em duas circunstâncias a cidade foi destruída: uma vez, devido a uma erupção vulcânica, outra pela força de um terremoto.

Seu povo, de maioria indígena, orgulha-se de sua ancestralidade maya, cujo símbolo maior é o pássaro Quetzal. Reza a lenda que, quando o invasor espanhol assassinou o chefe indígena, o Quetzal, que acompanhava tudo de cima, também caiu morto, revelando assim a intensidade da ligação entre homem e natureza. Nos dias de hoje, em Antígua essa ligação parece refeita ao olharmos a perfeita conjugação entre restos dessas muralhas imemoriais e as plantas que as envolvem. Não é possível distinguir onde começa uma e termina a outra.

Na primeira semana de junho, a Organização dos Estados Americanos (OEA) esteve reunida nesta cidade mágica da Guatemala, para sua 43ª Assembleia Geral. Entre os muitos assuntos, um chamava atenção: a eleição para a renovação de três vagas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para as quais concorriam seis países: EUA, México, Colômbia, Brasil, Equador e Peru. A comissão, como sabemos, tem sido importante ferramenta para a garantia de direitos; no entanto, também vem sendo instrumentalizada por aqueles que querem impedir o desenvolvimento dos países de maneira independente.

Nas eleições para a mais alta entidade de Direitos Humanos do continente americano, três eram os países que tentavam a recondução ao posto. Todos legítimos representantes da direita na região: Estados Unidos, México e Colômbia. John Kerry, o chanceler estadunidense, esteve na linha de frente da campanha, fazendo algo bastante incomum para os padrões da política externa de seu país. Kerry esteve pessoalmente em Antígua e jogou todo o peso do Departamento de Estado para garantir a “América para os americanos”.

No entanto, o Brasil estava atento e mobilizou grande força para a eleição de seu candidato. Nosso chanceler, Antônio Patriota, e a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, foram à linha de frente, em Antígua, após intensa campanha por todo o continente. O candidato equatoriano, com o decisivo apoio de seu país e da Venezuela, apresentou-se como uma alternativa novidadeira. Foi-se o tempo em que os países do Sul a tudo assistiam calados, ou com tudo consentiam sem expressar seus legítimos interesses. Como resultado, os países americanos perceberam o que estava em jogo e elegeram o ex-ministro Paulo Vanucchi para uma das três vagas, ao lado dos EUA e do México. No total, foram 60 votos para EUA, México e Colômbia, contra 42 votos para Brasil, Equador e Peru. Cada um dos 34 países tinha direito a 3 votos, totalizando 102 indicações.

A OEA tem em seu currículo desastres da envergadura de terremotos e fúrias vulcânicas, como o reconhecimento do golpe de estado promovido por Pedro Carmona na Venezuela em 2002, além da injustificável expulsão de Cuba em 1962.

O futuro pertence aos deuses, como se sabe. Mas o que aconteceu em Antígua nos permite, ao menos, antever novos rumos para o continente. E se as pedras e plantas mayas falassem, certamente diriam: após tanta devastação, a OEA já começa a encontrar o caminho do equilíbrio.

“Papelzinho” desmonta alegação de fraude eleitoral na Venezuela

4 de junho de 2013

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Fernando Brito, via Tijolaço

Embora a imprensa – com o beneplácito do governo norte-americano, que até agora não reconheceu a eleição de Nicolas Maduro na Venezuela – continue falando em fraude e as tentativas de desestabilização prossigam, como a reunião entre o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e o candidato derrotado, Henrique Caprilles, há uma notícia que não sai nos jornais.

É que a recontagem dos votos, que as urnas eletrônicas da Venezuela permitem, por imprimir e guardar cada voto, vai confirmando todos os resultados.

Sexta-feira, dia 31/5, foram recontados 158 mil votos, apurando-se uma diferença de 31 votos (0,02%) e, no sábado, mais 161 mil, com erro de 16 votos (0,01%). Como os erros se referem ora a Henrique Caprilles, da oposição, ora ao candidato governista, as diferenças virtualmente não existem. A auditoria já tinha sido realizada em mais da metade das urnas, logo após as eleições e está sendo estendida.

A recontagem é transmitida pela internet, sem cortes, e acompanhada pelos partidos políticos. Menos, claro, pelos apoiadores de Caprilles, que pediram a revisão e não apareceram. E se acham que pode haver fraude lá, onde dá para recontar, o que dizem daqui, onde o voto é virtual e quem duvidar do resultado que a maquininha cospe pode duvidar sentado, pois o voto é virtual e não pode ser verificado?

Estranhamente, o procurador Roberto Gurgel se insurgiu contra a lei, aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula, que obriga a auditoria, pela via do voto impresso, de míseros 2% dos votos. Só 2% do “papelzinho”, como chamava Leonel Brizola, e eles se recusam, dizendo que isso vai violar o sigilo do voto.

Aqui, diz o TSE, nosso sistema é garantido. Como? Ora, é porque é, quem são os cidadãos para duvidarem que o TSE não erra um voto em mais de 100 milhões? Nem se compara àquela ditadura chavista da Venezuela, onde é preciso conferir as urnas. Aqui só tem gente honesta e ninguém frauda nada.

Afinal, depois da teoria do domínio do fato, que é que precisa de provas. Vale o que o STF disser que vale e pronto.

Paulo Moreira Leite: Torcida do contra perdeu de novo

9 de maio de 2013
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Na edição do dia 7, data da eleição de Azevêdo ao cargo de diretor-geral da OMC, o jornal de “seu Frias” apresentava o pensamento geral da mídia golpista.

A recepção que Roberto Azevêdo recebeu de tantos observadores e comentaristas brasileiros é uma advertência importante.

Paulo Moreira Leite em seu blog

Com o primeiro brasileiro a ocupar um posto internacional tão relevante como a direção da Organização Mundial do Comércio, o governo nem teve tempo de levantar a taça para um brinde antes que fosse possível ouvir críticas, advertências e profecias negativas quanto a sua atuação.

Não faltou quem lembrasse que, apesar da mais importante vitória diplomática desde a independência, o Brasil ainda não conseguiu uma meta maior, que é garantir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. É verdade.

O Brasil luta por essa cadeira desde a criação da ONU, no pós-Guerra. Mas o debate sobre uma reforma da instituição saiu da pauta nos últimos anos e isso não depende apenas do Brasil. Falar em assento permanente é como cobrar a conquista da Copa do Mundo, quando a Copa não está no calendário. E é uma forma, claro, de minimizar a importância do que ocorreu ontem [7/5].

Também se procura jogar nas costas sequer empossadas de Azevêdo um possível fracasso na próxima rodada ministerial de Doha, onde se tentará retomar negociações de comércio internacional, tão combalidas após o colapso de 2008, que abriu essa recessão mundial que não quer terminar. É ridículo – onde está a trégua de 100 dias devida aos recém-eleitos? –, mas não tem importância. A baixa política, o esforço para desgastar de qualquer maneira não conhece tréguas. Torcer contra é uma opção ideológica, que não descansa.

Há uma questão cultural e política neste caso concreto. Muitos observadores se mantêm amarrados a dogmas coloniais. Conservam um comportamento subordinado aos países desenvolvidos, considerando um disparate demagógico todo esforço de qualquer governo fora do eixo Paris-Londres-Nova Iorque para consolidar seu espaço e firmar uma liderança altiva.

Riram do esforço do Itamaraty de conquistar um assento no Conselho de Segurança quando o debate era real. Fizeram pouco caso do crescimento da candidatura de Azevêdo até que, aos 44 minutos do segundo tempo, perceberam que ela podia dar certo e correram para evitar um vexame maior.

Mesmo assim, quando a notícia já corria mundo, havia quem recomendasse cautela, torcendo até o último minuto por uma reviravolta. Triste, não?

A escolha de Azevedo é uma vitória dele próprio, do ministro Antônio Patriota e da presidente Dilma. Mas, sem querer exagerar nem diminuir as coisas, é difícil explicar o que ocorreu sem levar em consideração as mudanças de nossa diplomacia na última década.

Falando com clareza: foi a partir do governo Lula que o Brasil parou de priorizar de modo absoluto as relações com os países desenvolvidos e começou a investir pesado em países abaixo do Equador. O chanceler Celso Amorim seguiu ridicularizado mesmo depois que seu prestígio internacional era reconhecido em toda parte.

Falava-se de nossa diplomacia cabocla, terceiro-mundista, anacrônica, pré-histórica e assim por diante. Não por acaso, quando EUA e Europa firmaram um protocolo comercial ainda em fase muito preliminar, nossos críticos voltaram sua zanga sempre alerta contra o Brasil e o Mercosul. Como se mais uma vez a culpa fosse do Itamaraty, é claro. Mas foram estes votos, de países que buscam uma nova relação de forças na cena internacional, com direitos menos desiguais, que permitiram a vitória brasileira.

Hoje [8/5], basta ler os jornais, mesmo aqueles “de direita”, como disse Joaquim Barbosa, para comprovar a importância da postura multilateral nessa decisão.

Talentos particulares à parte – e parece que Roberto Azevêdo tem muitos – a candidatura derrotada veio do México, o mais norte-americano dos países latino-americanos, não é mesmo?

Leia também:

Vitória brasileira na OMC coroa política externa iniciada em 2003 por Lula

Roberto Azevêdo vai comandar a OMC. Para desespero de alguns “brasileiros”

Suspeito de liderar rede de narcotráfico é eleito presidente do Paraguai

22 de abril de 2013
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Horácio Cartes foi eleito com a maioria dos votos, segundo a Justiça Eleitoral paraguaia.

Via Correio do Brasil

De acordo com o Sistema de Transmissão Resultados Preliminares (Pert, sigla em espanhol), do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE) paraguaio, Horácio Cartes Manuel Jara, um empresário acusado de ter ligações com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, venceu a eleição presidencial naquele país, realizada no domingo, dia 21. Os primeiros dados do Pert mostram que Cartes, candidato do Partido da Associação Nacional Republicana – o Partido Colorado (NRA) – recebeu cerca de 48% dos votos, enquanto Efrain Alegre, candidato do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), ficou para trás com pouco mais de 30%. Mário Ferreiro, da Coalizão Avanza País (AP), e Aníbal Carrillo, da Coligação Frente Guasu (FG) atingiram pouco mais de 4% cada um.

A NRA retorna ao Poder Executivo após perder as eleições em 2008, contra a Aliança Patriótica para a Mudança (APC), que concorreu com Fernando Lugo, presidente afastado por um golpe, em 2011.

WikiLeaks

De acordo com um telegrama vazado para o site do WikiLeaks referente à Operação Heart of Stone (Coração de Pedra) “voltada especificamente para organizações financeiras na Tríplice Fronteira, seus funcionários e sua lavagem de dinheiro, os investigadores norte-americanos implementaram estratégias e operações para atacar a infraestrutura financeira da rede que lidera o tráfico de drogas no continente. Neste sentido, uma equipe internacional de investigação objetiva como prioridade o empresário paraguaio Horácio Cartes. Cartes é suspeito de lavagem de dinheiro do Banco Amambay, de sua propriedade. O dinheiro, gerado por métodos ilegais, provém da venda de narcóticos para os Estados Unidos.

O documento vazado para o WikiLeaks menciona que entre 6 e 9 de dezembro de 2009 foi realizada uma reunião entre os membros da equipe de investigadores com a finalidade de trocar informações e definir estratégias para atacar a organização liderada, supostamente, por Horácio Cartes. Durante a reunião, três abordagens foram propostas. Em primeiro lugar, os agentes envolvidos conversariam com William Cloherty, lobista em Washington, diretor da Tabaco EUA, INC. Acreditava-se que Cloherty teria uma perspectiva histórica das operações de tabaco entre o Paraguai e os EUA e, mais diretamente, informações sobre a produção e venda de tabaco, e o movimento de dinheiro dos negócios de Cartes.

O plano de ação consistia na obtenção de documentos secretos, entrevistas, reuniões sigilosas, a verificação das informações e participação de agentes infiltrados no monitoramento das ações de Cartes e de seus gerentes Osvaldo Ganhe Salum e Juan Carlos López Moreira, no Paraguai. De acordo com o telegrama, Horácio Cartes é o cabeça da rede de lavagem de dinheiro na Tríplice Fronteira, seguido por Salum, integrante do partido político Colorado, envolvido na importação de cigarros falsificados nos países da América do Sul, como assim como Carlos López Moreira.

Tabacaleras

A investigação foi conduzida por agentes DEA em Assunção e Buenos Aires, junto à Administração da Alfândega (Immigration and Customs Enforcement), o Serviço de Impostos Internos (IRS, sigla em inglês) e o Centro de Operações de Combate Narcoterrorista (Counter-narcoterrorism) e o Centro de Operações (SOD/CNTOC, também sigla em inglês), que contaram com o apoio oficial dos EUA para o Distrito Leste de Nova Iorque, a Seção de Sequestro de Bens do Escritório de Justiça para Lavagem de Dinheiro (DOJ, sigla em inglês), o Federal Reserve (Banco Central dos EUA), e o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros Estados Unidos (Ofac).

Horácio Cartes, eminente líder político e desportivo, é considerado um mago das finanças do futebol em seu país. Seus dois pilares são a Eastern Tabacalera S/A (Tabesa) e a Tabacos do Paraguai S/A. Ele está vinculado a empresas desportivas, ao Banco Amambay e várias fazendas e empresas do agronegócio.

Publicações do jornal argentino La Nación, de 2005, trouxeram a público que a marca Rodeo, fabricada pela Tabesa, era a que mais vendia cigarros ilegalmente na Argentina, uma vez que mais de 60% dos cigarros apreendidos eram desta indústria paraguaia. O primeiro relatório sobre Cartes é da Interpol, que data de 1988. Em 2000, a Secretaria Nacional Antidrogas localizou em sua estância, Nova Esperança, na zona rural de Cerro Kuatiá, na jurisdição de Capitán Bado (Amambay), uma aeronave com matrícula brasileira, que aterrizou de emergência e continha mais de 20 mil quilos de cocaína em pasta, além de 343.850 quilos de maconha prensada. Desde então, Cartes estaria na mira dos organismos antidrogas, até agora, no momento em que se elege presidente do Paraguai.

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Relatório oficial da contagem de votos no Paraguai.

Mauro Santayana: Uma semana cheia

22 de abril de 2013
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Maduro, o vencedor; Thatcher, a humilhada; e
Dzhokhar, o bode expiatório.

Mauro Santayana, via Carta Maior

O regozijo explícito dos ingleses pela morte de Margaret Thatcher, as eleições venezuelanas e as bombas de Boston marcaram os últimos dias. São fatos aparentemente desconectados, mas que encontram suas raízes comuns no processo, ainda em marcha, de esboroamento das instituições políticas. Esse processo, que – nunca é demais lembrar – começou exatamente com a ascensão de Margaret Thatcher ao poder, em 1979, não se esgotou. Continua a desenvolver-se, embora com manifestações de resistência, aqui e ali, como ocorreu na Venezuela, com Chavez.

O desaparecimento do líder pode ter significado o indesejável fim de uma experiência que, com seus acertos e seus erros, significou uma esperança para os povos da América Latina e também da África. A vitória efetiva de Nicolas Maduro – não só por ter sido apertada, mas pelo fato de que escasseiam, no eleito, as grandes virtudes de liderança de Chavez – não assegura o desenvolvimento do grande projeto nacional, e, de certa forma, continental, assumido pelo povo venezuelano, ao entregar seu destino ao reabilitado sonho de Bolívar.

De qualquer forma, tampouco será fácil a plena retomada do poder, em Caracas, pelos interesses empresariais associados às multinacionais norte-americanas. Os venezuelanos pobres, que passaram a viver melhor no governo Chavez, não aceitarão, pacificamente, retornar à situação anterior.

A recontagem dos votos, segundo os observadores, não alterará o resultado, mas trará mais dificuldades ao governo e mais estímulo ao esforço desagregador da oposição chefiada por Capriles.

Como advertiram as vozes mais sensatas da Grã-Bretanha, o tchatcherismo é ainda a ideologia que comanda o país e continua a fazer suas vítimas, lá e alhures. Na base das contrarreformas houve uma secreta reação do capitalismo liberal aos resultados da 2ª Guerra Mundial. As preocupações filosóficas de Hayek e Von Mises, expostas no livro de Hayek, The road to serfdom, encontraram no Clube de Bilderberg seu comitê de ação. Há o encadeamento lógico entre os fatos. Na realidade, as duas guerras mundiais do século 20 podem ser vistas como episódios de uma Guerra Civil Mundial, Weltbürgerkrieg, como a definiu Carl Weizsäcker.

A vitória da razão humanística sobre o nazismo foi revertida, solertemente, pela reação dos homens mais ricos e mais influentes do mundo, que passaram a reunir-se a partir de 1954, sob a iniciativa de um príncipe corrupto, Bernard, da Holanda. A aliança entre Thatcher, Reagan e o papa João Paulo 2º, seguida da submissão abjeta de Gobartchev, tem provocado sofrimento, fome, morte e desespero a centenas de milhões de seres humanos. É o novo liberalismo que assola a Europa e inúmeros países dos outros continentes.

Um cartaz expressivo em seus termos fortes e chulos – “The bitch is dead” – revelou o ódio dos que perderam seus empregos, suas casas, seus benefícios sociais, dos parentes dos que morreram sem assistência médica, nos últimos 30 anos.

Os dirigentes políticos europeus, no entanto, permanecem fiéis à filosofia opressora de Thatcher que teve a coragem de decretar que a sociedade não existe: só existem “indivíduos” e cabe a esses indivíduos resolver por si mesmos seus problemas – seja de que forma for. Não é de se estranhar que a criminalidade tenha aumentado tanto: é a regra de nosso tempo. Os banqueiros individualistas roubam, os políticos individualistas se arranjam na extorsão, os comerciantes elevam seus preços, os policiais achacam – como nunca antes na história.

É o ultracapitalismo triunfante. E como os donos do mundo não descansam com a morte de Thatcher, eles colocam todo seu cacife em Frau Merkel, que já assume a presunção de conduzir a Europa. Ângela Merkel acredita que o que Hitler não obteve com as divisões blindadas, ela conseguirá com o marco e os grandes bancos que, com Mário Draghi, comandam o BCE: a hegemonia continental.

No caso das bombas de Boston começam a surgir dúvidas sobre a rapidez da identificação e da localização dos suspeitos, não obstante um deles ter passado as horas seguintes sem mudar seus hábitos. De um deles nada mais a apurar, posto que o mataram.

Do outro, o jovem Dzhokhar Tsaernev, que não foi advertido de seu direito de ficar em silêncio, não se espera muito, ainda que venha a recuperar-se de seus ferimentos. Acaba de sair da adolescência, e é difícil que estivesse, há anos, sob vigilância do FBI, como se noticia.


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