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Prefeitura de São Paulo, “que participou da ditadura”, terá comissão da verdade

8 de fevereiro de 2014
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Comissão vai investigar colaboração do poder público da cidade de São Paulo com regime militar. Ilustração de Evandro Teixeira / Falhosofias / Reprodução.

Para o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, preocupação é garantir espaços de memória e diálogo. “A impressão é que a sociedade estava falando para um muro”, diz.

Via RBA

A Prefeitura de São Paulo apresentará nos próximos dias seu projeto de lei propondo a criação da Comissão Municipal da Verdade. Assuntos a investigar não faltam, segundo o secretário de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili. “A prefeitura participou da ditadura porque demitiu muita gente, perseguiu muita gente. Porque os cemitérios da cidade são de responsabilidade do município”, afirma. “Há notícias e denúncias de que espaços da própria prefeitura foram emprestados para práticas de tortura, e nós temos de verificar isso.” A apresentação do projeto que será encaminhado à Câmara está prevista para o dia 12, em evento na Galeria Prestes Maia, na região central.

O tema é caro a Sottili, ex-secretário-executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tem como uma de suas tarefas a articulação de iniciativas pelo direito à memória ou que envolvam pessoas atingidas pela ação de agentes do Estado durante a ditadura. Ele evoca ainda a sua formação de historiador. “A impunidade que vivemos hoje no nosso país eu não tenho a menor sombra de dúvida que tem traços da impunidade da ditadura. Tenho o direito de saber, de contar, de ir a um arquivo histórico, ir para um biblioteca e poder pesquisar e estudar. Você tem os arquivos abertos para isso.”

Ele também defende o trabalho da Comissão Nacional da Verdade – que acaba de ter o prazo de funcionamento prorrogado de maio para dezembro –, afirmando que seu papel é o de apurar fatos e não, por exemplo, rediscutir a Lei de Anistia. “Tudo pode ser reaberto se a pressão da sociedade aumentar”, diz.

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Rogério Sottili, secretário de Direitos Humanos da prefeitura paulistana.

A comissão municipal insere-se na visão de que é preciso aumentar os espaços de diálogo em São Paulo. “Acho que encontramos uma cidade muito machucada. A impressão que eu tinha, do ponto de vista do Estado, é que a sociedade estava falando para um muro”, afirma o secretário, na primeira parte da entrevista concedida a João Peres e Vitor Nuzzi, da RBA, e Michelle Gomes, da TVT.

Como funcionará a Comissão Municipal da Verdade? Terá algum foco principal?

O nosso projeto prevê a comissão com cinco membros, diferente da nacional, que tem sete. A gente acredita que, mais enxuta, ela seja mais objetiva e possa produzir resultados mais objetivos também.

O município de São Paulo teve papel importante no processo da ditadura. A prefeitura participou da ditadura porque demitiu muita gente, porque perseguiu muita gente, porque os cemitérios da cidade são de responsabilidade do município de São Paulo. Os arquivos da prefeitura estão aí para serem abertos e trabalhados. Há notícias e denúncias de que espaços da própria prefeitura foram emprestados para práticas de tortura, e nós temos de verificar isso.

Há mais de dez Comissões da Verdade na cidade de São Paulo, desde a comissão da Assembleia Legislativa, da Câmara dos Vereadores, da OAB, do Sindicato dos Jornalistas, da PUC, da USP, da Unifesp, da CUT… Mas nenhuma de caráter executivo. É a única de caráter executivo, e nós temos todos os arquivos dos cemitérios, todos os documentos. Ela vai focar nisso. Evidentemente que os cinco membros serão escolhidos pelo prefeito, e ela vai ter autonomia de decidir melhor o foco das suas investigações. Esse é o formato.

No final de 2013, o governo federal prorrogou o prazo para o funcionamento da Comissão Nacional da Verdade até o final deste ano. Qual a sua expectativa para o relatório que deve vir daí? Algumas pessoas, entidades, movimentos de presos e desaparecidos políticos, às vezes mostram certa frustração com o que pode sair de punição, de responsabilização de agentes do Estado que violaram direitos humanos durante a ditadura.

Eu sou uma pessoa otimista por natureza, acho que tanto a comissão municipal como a nacional vão produzir dados importantes. Infelizmente, as comissões não produzem os resultados de seus desejos, produzem os resultados possíveis. Acho que a comissão nacional, ao pedir dois anos, avaliou que tinha ainda mais coisa para ser trabalhada e resolvida, o que é positivo. Poderia ser frustrante entregar um resultado pela metade.

Eu não acho que devemos ter expectativa de que a Comissão Nacional da Verdade produza fatos e recomende justiça. Cabe a ela apurar os fatos e apresentá-los para a sociedade. Dependendo do resultado, vai se criar uma nova discussão que pode levar justiça. Esse é que é o papel, não é do caráter da comissão rediscutir a Lei da Anistia ou se deve fazer justiça, responsabilizar (os violadores de direitos humanos). Isso é um processo que está em aberto e vai sempre estar em aberto, mesmo que a Justiça já tenha se pronunciado sobre isso, mas tudo pode ser reaberto se a pressão da sociedade aumentar. Quando a Comissão Nacional da Verdade apresentar o seu relatório, apresentar os fatos e trouxer fatos novos que a sociedade se sinta com vontade, determinação e com força para ir para as ruas, quando existir um novo momento da história do Brasil que leve à justiça e à responsabilização e à punição dos responsáveis, é um novo momento que vamos viver. Acho que é este o papel das comissões da verdade.

Ter passado tanto tempo cria mais dificuldades no sentido de acesso às testemunhas?

Cria, sem sombra de dúvida. É a nossa realidade. O Brasil foi diferente do Chile, da Argentina, do Uruguai. Hoje tem nos jornais que o governo brasileiro, através do Itamaraty, está construindo uma parceria entre Uruguai, Argentina e Brasil para que a gente possa se ajudar nos processos de investigação dos arquivos. Afinal de contas, se teve cooperação para torturar, prender e matar, tem de haver cooperação para abrir os arquivos, contar a história e, se for o caso, levar justiça. Isso é importante, porque à medida que no Uruguai e na Argentina já está colocada essa questão da justiça, você pode criar uma situação importante e nova. O Brasil fez uma parceria sobre isso, mas aqui ainda não se discute a punição. Nós fizemos uma parceria com os Estados que foram praticamente a aliança cooperativa para a Operação Condor, então isso reabre um novo debate.

Acredito que todos esses processos são extremamente e eternamente abertos. Não tem nada definitivo, nenhuma resolução do Supremo é definitiva. Nós estamos a cada dia criando fatos novos, cenários novos e novas condições em que a sociedade é extremamente ativa.

Em que isso se relaciona com o objetivo de uma “cultura de paz”?

Nós acreditamos que contar a verdade sobre a nossa história constrói uma cultura de paz, por isso o programa Direito à Memória e à Verdade, que quer fazer uma investigação profunda e ajudar na apuração de todos os casos de assassinato da época da ditadura militar. Ajuda a construir uma cultura de paz, porque ajuda que essa história não se repita. Nós vamos trabalhar muito nessa história, vamos trabalhar na mudança e na modificação dos logradouros, os nomes dos logradouros que carregam os nomes das pessoas responsáveis pelas mortes na cidade de São Paulo na ditadura. Vamos mudar os nomes das ruas, nomes das praças, dos viadutos, em um processo construído com a população. Você não pode mudar o nome de rua que tem 100 moradores de forma aleatória e autoritária. Você tem de envolvê-los e explicar quem é o Sérgio Fleury (delegado do Dops, morto em 1979) para as pessoas que moram nessa rua. Elas precisam saber que Sérgio Fleury foi um dos maiores torturadores da história do Brasil e, por isso, ele não merece ser homenageado com nome de rua.

Vamos trabalhar na identificação dos mortos e desaparecidos políticos. Nós temos 1.044 ossadas de Perus depositadas no ossuário de Araçá para que seja feito todo o trabalho de identificação. Se nós fizermos esse trabalho, estamos contando a história não contada e construindo um território de paz.

A ideia é trocar o nome de uma pessoa que foi homenageada pelo seu passado autoritário por uma pessoa que seja valorizada por seu passado na construção da democracia?

Nós já começamos e já identificamos os diversos locais. Teve uma intervenção muito interessante, com um valor tão grande quanto a mudança: durante o nosso Festival de Direitos Humanos, em dezembro, fizemos uma parceria com a cineasta Tata Amaral, e ela dirigiu várias pílulas de intervenção urbana sobre o que acontece na cidade. Tinha um trabalho desenvolvido pelo (artista e ativista) Paulinho Rosa Choque, que se veste todo de rosa, e com um carrinho de supermercado também todo rosa e iluminado ele saía pela cidade e ia procurando os locais que tinham nome de pessoas que participaram da ditadura. Ele chegou na rua Sérgio Fleury e botou em cima do nome, em rosa-choque, “doutor torturador”. Embaixo do nome ele cola um cartaz e põe a biografia do Sérgio Fleury. Depois, ele foi em uma outra rua que tem o nome do Boilensen (Henning Albert Boilensen, dono da Ultragaz, morto a tiros por militantes de esquerda em 1971), que era um dos grandes financiadores da tortura no nosso país. Ele foi lá e colocou “doutor ultracâmaradegás”, e põe a biografia de quem era. Ele está contando a história. A população parava lá, alguns não gostaram no início, mas depois começaram a ler. É uma intervenção superimportante de educação em direitos humanos.

Nós queremos mudar e vamos fazer com um processo de educação. Vou contar uma experiência para vocês que foi muito rica para nós. O vereador Orlando Silva apresentou um projeto de lei para mudar o nome da rua Sérgio Fleury para Frei Tito (o dominicano Tito de Alencar Lima, que foi torturado por Fleury e se suicidou em 1974). É uma rua na Vila Leopoldina (zona oeste) pequena, sem saída. Nós fomos lá e os moradores estavam irados porque, primeiro, nunca tinham ouvido falar que tinha mudança do nome, ficaram sabendo pelo jornal. Eles se sentiram afrontados. Segundo, não queriam trocar nome de rua nenhuma porque significaria incômodo, mudança de endereço, eles tinham de pegar uma fila no centro da cidade para mudar os endereços de água, luz, correio.

Nós fomos conversar, fiz duas ou três assembleias com eles. Primeiro começamos a discutir e esquecemos do Frei Tito, quem era o Sérgio Fleury e porque era importante a mudança do nome dessa rua. A maioria já começou a concordar com a mudança e dizer: “Bom, eu também não quero morar em uma rua que tem o nome de um torturador, de um assassino. Mas eu não quero botar esse Frei Tito que eu nunca ouvi falar. Eu quero discutir aqui qual vai ser o nome”.

Aí nós começamos a ver que não adianta você chegar, construir uma mudança de forma autoritária. Por mais boa vontade e correção que você tenha naquela iniciativa, tem de fazer de forma construída. Isso foi uma grande lição para nós, nós fomos para lá, passamos um filme do Frei Tito na rua, parte dos moradores assistiu, conheceu o Frei Tito. É um processo de construção. Não está decidido ainda, o vereador continua com o projeto de lei, ele tem o direito, mas nós estamos ajudando para que o projeto de lei seja aprovado com o apoio e aceitação da população, dos moradores.

Aquela proposta de incluir na grade curricular de São Paulo temas relacionados a cultura de direitos humanos evoluiu?

Evoluiu bastante. Mas nós não estamos trabalhando com a ideia de ter disciplinas de diretos humanos. O que a gente acha é que é fundamental que as disciplinas sejam trabalhadas com o viés dos direitos humanos, é muito mais importante que aulas de matemática, de física, história, ou de religião, seja o que for, seja trabalhada com um viés humanista, do combate à homofobia, do respeito à orientação sexual, à diversidade religiosa, à valorização das culturas diferentes. Esses são valores de direitos humanos que a gente quer trabalhar.

O senhor citou com entusiasmo essa intervenção que teve em logradouros que lembram figuras da ditadura. Na gestão Kassab, porém, foi reprimido esse tipo de atitude, por exemplo, quando uma pessoa tentava mudar uma plaquinha ali na avenida Roberto Marinho. Qual foi o quadro que o senhor encontrou nessa construção dos direitos humanos tanto do ponto do sentido institucional como do ponto de vista de valores da administração pública? Qual a importância de São Paulo, maior cidade do país, passar a construir uma cultura de paz?

O prefeito Kassab tinha um objetivo que eu acho que foi importante, que era a cidade limpa (lei que entrou em vigor em 2007). Acho que qualquer plaquinha era motivo de algum tipo de reprimenda, digamos assim. Mas é legítimo a sociedade também reagir a essas ações. A gente vê nos muros os grafites. O Paulinho Rosa Choque ficou um dia de chuva na frente do antigo DOI-Codi com laser rosa e fumaça cor de rosa saindo. As pessoas passavam lá… Ele chamou atenção por aquilo, porque é uma intervenção que vai dialogando com a cidade de outras formas.

Acho que encontramos uma cidade muito machucada. A cidade de São Paulo tem um vigor absurdamente grande do ponto de vista da sociedade civil, aqui a sociedade civil é muito engajada, ela é muito organizada, preparada, exige seus direitos. A impressão que eu tinha, do ponto de vista do Estado, é que ela estava falando para um muro. Não havia reação e a reação nunca do ponto de vista do diálogo. Era uma reação do que pode e o que não pode. Com isso, você não constrói relações.

Esse é o trabalho que nós vamos fazer daqui para frente. É muito difícil para nós porque é evidente que precisamos conferir um outro patamar a essa relação. Estamos carregando as marcas da desconfiança. Há tantas manifestações e as pessoas não estão preocupadas se o prefeito Fernando Haddad recém assumiu o governo e pegou a prefeitura em determinadas condições. Essas pessoas estão há anos brigando por essas demandas, por essas melhorias. Nós vamos ter de lidar com isso. O nosso papel, a nossa obrigação, é trabalhar para que a gente possa aproximar os interesses da sociedade com as possibilidades da prefeitura.

Dá pra confiar num cara desses? Delfim Netto afirma que não sabia de tortura na ditadura

27 de junho de 2013
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Delfim Netto: De principal protagonista do “milagre brasileiro” a guru de editor de uma revista de esquerda (sic).

Flávia Albuquerque, via Agência Brasil

O ex-ministro Antônio Delfim Netto depôs na terça-feira, dia 25, na Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog e negou praticamente todos os questionamentos. O economista, que foi ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, disse desconhecer que houvesse uma ditadura no País e que pessoas eram presas e torturadas, além de negar que soubesse da existência de empresários que faziam doações para financiar a Operação Bandeirante (Oban).

A Oban, financiada por empresários paulistas, foi uma organização acusada de tortura e ações ilegais, que depois daria lugar ao Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão de repressão ligado ao 2º Exército, sediado em São Paulo.

O ex-ministro ressaltou ainda que não se arrepende de ter assinado o Ato Institucional 5 (AI-5), que extinguiu direitos civis e levou ao período de maior repressão no país, em 1968. “Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria. Eu não só assinei o Ato Institucional 5 como assinei a Constituição de 1988”. O AI-5 deu plenos poderes ao presidente, marechal Artur da Costa e Silva, além de suspender o habeas corpus em casos de crimes políticos, entre outras medidas.

Quando questionado sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, disse que estava em Paris na ocasião e que nem soube de detalhes. Também negou saber de uma festa feita nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, para comemorar a morte de um preso político, relatada pelo publicitário Emílio Ivo Ulrich, que estava preso e assistiu a tudo, e a quem foi determinada a limpeza do local após a comemoração. “Eu não soube dessa festa. É uma coisa bárbara, um absurdo que nem acredito que tenha acontecido”, disse.

Ao ser criticado e questionado pelos vereadores da Comissão da Verdade, Delfim Netto disse que deu seu depoimento e que todos poderiam julgar da forma como bem quisessem. “É aquilo que aconteceu. Vossa excelência quer criar uma verdade. Havia a mais absoluta separação. No meu gabinete nunca entrou um oficial fardado. Não existia nenhum vínculo entre as administrações. E tem as atas do conselho. Hoje, com a lei de transparência [Lei de Acesso à Informação], é só requisitar as atas do conselho, e tudo estará lá”.

O presidente da comissão, o ex-preso político e vereador Gilberto Natalini (PV), avaliou que Delfim Netto perdeu uma grande chance de falar a verdade e se redimir com relação à história do Brasil. Para Natalini, o ex-ministro da Fazenda omitiu dados e fatos que já foram comprovados pelas investigações da comissão. “Eu não acredito no depoimento dele. Não é possível, diante de tantos fatos e nomes, ele dizer que não conhecia, não sabia. Não saber que tinha repressão no Brasil, um ministro da Fazenda do governo Médici. Nem uma criança de cinco anos consegue acreditar”.

A Comissão da Verdade Vladimir Herzog, da Câmara Municipal de São Paulo, foi criada em abril de 2012 para apurar as violações de direitos humanos envolvendo casos de tortura, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres entre 1946 e 1988 na cidade.

Comissão da Verdade chamará empresários vinculados à ditadura

15 de maio de 2013
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Boilesen, o financiador da Oban.

Via jornal do “seu Frias”

A Comissão Nacional da Verdade vai convocar para prestar depoimentos públicos – além dos militares suspeitos de mortes, torturas e desaparecimentos – os empresários que teriam contribuído para financiar a repressão política executada pela ditadura militar (1964-1985).

“Vamos chamar. Tem o elemento civil da ditadura. Hoje a academia chama [o regime] de ‘ditadura civil-militar’, então temos de falar desse elemento civil”, disse à Folha Rosa Cardoso, que assume a coordenação do grupo por três meses na sexta-feira, dia 17, substituindo Paulo Sérgio Pinheiro.

Os depoimentos públicos da comissão começaram com o do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, 80. Na sexta-feira, dia 10, ele confrontou aos gritos os membros do grupo e disse que a ditadura salvou o País de um suposto golpe comunista.

O entendimento de que a comissão deve descrever em seu relatório final (a ser entregue em maio de 2014) a participação empresarial na repressão já era consensual antes mesmo de o grupo ser empossado, um ano atrás.

A historiografia sobre o período descreve a participação de diversos empresários na repressão, em especial no financiamento da Operação Bandeirante (Oban), um grupo de integrantes das Forças Armadas e das polícias estaduais criado no fim dos anos de 1960 com o fim de acabar com a resistência ao regime.

O caso mais famoso é o do empresário dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Albert Boilesen. Apontado como financiador da Oban, ele foi assassinado por esquerdistas em 1971.

Segundo Rosa, é possível que primeiro sejam feitos os depoimentos públicos com militares e, depois, com os empresários. Na semana que vem, a comissão vai se reunir para decidir a lista dos nomes. Dificilmente serão chamados mais do que dez, afirmou. Os convocados podem ficar em silêncio, mas são obrigados a se apresentar.

Em sua gestão, Rosa irá fomentar a criação de novos comitês da verdade – grupos da sociedade civil que apoiam a comissão nacional – e fortalecer o subgrupo que apura o que ocorreu com sindicalistas e com militares que se opunham ao regime.

Para ela, o colegiado tem mais oito meses para apurar as violações aos direitos humanos feitas no regime, uma vez que os últimos quatro meses devem ser dedicados à redação do relatório final.

A participação de empresários e de membros do Judiciário foi lembrada por Paulo Sérgio Pinheiro num ato em que ele fez um balanço do primeiro ano de trabalho da comissão, empossada em 16 de maio de 2012.

Segundo ele, o relatório será contundente, explicitará a “cumplicidade de setores do Poder Judiciário no encobrimento de crimes” e vai “reconstituir a colaboração de empresas e empresários na manutenção do sistema paralelo de repressão articulado com as Forças Armadas”.

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12 de maio de 2013

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“Ustra nega tortura e mortes e diz que Dilma era de grupo terrorista”, diz a manchete principal do jornal O Estado de S.Paulo do sábado, dia 11. A publicação optou por destacar a defesa do coronel reformado e ex-comandante do DOI-Codi em São Paulo à Comissão Nacional da Verdade, negada pelo vereador Gilberto Natalini ainda durante a sessão, que afirmou ter sido ele próprio torturado pelo militar. Entre Ustra e Dilma, Estadão fica com torturador.

Via Brasil 247

Num depoimento polêmico e raivoso, com direito a porradas na mesa, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra negou na sexta-feira, dia 10, à Comissão Nacional da Verdade ter ocultado qualquer cadáver durante a ditadura militar. Mais: o ex-comandante do DOI-Codi em São Paulo afirmou que nenhuma tortura foi cometida dentro das instalações do órgão de repressão do governo militar sob sua gerência – entre 1970 e 1974 – e acusou a presidente Dilma Rousseff de participar de “grupo terrorista”.

Apesar de seu nome estar entre os mais citados em denúncias sobre tortura e outras violações de direitos humanos à época do regime militar no Brasil, o jornal O Estado de S.Paulo escolheu a sua defesa para estampar a manchete principal da edição de sábado, dia 11. Eis o título: “Ustra nega tortura e mortes e diz que Dilma era de grupo terrorista”. Em seu depoimento, como relata a reportagem, Ustra ressalta que “lutou pela democracia” e que combatia o “terrorismo”.

Sobre a chefe do Executivo, o texto cita que Dilma “fez parte de grupos de resistência à ditadura e foi presa em 1970”, mas não menciona que ela foi perseguida, presa e torturada durante a ditadura. No início do mês, a presidente anunciou que doaria a indenização de R$20 mil que receberá pelos crimes dos quais foi vítima no período para a ONG Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro. Ela faz parte de uma lista de 170 beneficiados de um programa de indenização a perseguidos políticos e familiares de vítimas da ditadura.

Vereador diz ter sido torturado por Ustra

A sessão da Comissão Nacional da Verdade foi marcada por momentos tensos envolvendo Ustra e o presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, vereador Gilberto Natalini (PV/SP). Questionado sobre se teria torturado Natalini, em 1972, Ustra respondeu que não tinha nada a dizer e negou o fato. A negativa foi rebatida por Natalini que interrompeu a fala de Ustra aos gritos: “Sou um brasileiro de bem. O senhor é que é terrorista. Eu fui torturado pelo coronel Ustra.”

O discurso do ex-comandante do DOI-Codi paulista também foi rebatido pelo agora deputado estadual Adriano Diogo, que preside a Comissão da Verdade Rubens Paiva na Assembleia Legislativa de São Paulo. Segundo ele, que era estudante universitário quando foi preso em 1973, quem supervisionava tudo era Ustra e foi ele quem matou seu colega de classe Alexandre Vannuchi. “Ele é um assassino confesso, ele é um dos maiores verdugos da História do Brasil”, disse o deputado.

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Comissão da Verdade vai ter de enfrentar assassinos da ditadura

11 de maio de 2013

Ustra06_TorturadorEduardo Guimarães em seu Blog da Cidadania

O “espetáculo” de autoritarismo, mitomania e cinismo dado pelo coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra durante seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade na sexta-feira, dia 10, foi apenas prévia de uma situação que se espera que tenha sido prevista quando foi pensada a missão de contar ao Brasil e ao mundo o que ocorreu neste País durante a ditadura militar (1964–1985).

Para quem não sabe, Brilhante Ustra, um dos mais violentos torturadores do regime de exceção que se abateu sobre este País durante mais de duas décadas, protagonizou um bate-boca com os membros da Comissão.

O ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974 – período que é considerado o mais macabro daquele regime de viés absolutamente nazista – afirmou que a presidente Dilma Rousseff “militou em organizações terroristas”, que “nunca houve assassinatos” praticados pelo regime, que as organizações de esquerda que resistiram à ditadura “tinham como objetivo implantar a ditadura do proletariado” e “o comunismo”.

Brilhante Ustra, apesar de habeas corpus concedido pela Justiça Federal que lhe garantiu o “direito” de ficar calado, respondeu algumas perguntas por opção. Todavia, fê-lo aos gritos e batendo na mesa. Além disso, fez-se acompanhar de dois outros militares da reserva que juntaram-se a ele quando, fora de si, insultou membros da comissão e a própria presidente da República.

Apesar de estarem surgindo provas testemunhais e materiais dos horrores praticados no Brasil durante aquele período macabro de nossa história e apesar de o País ter sido advertido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e até pela ONU por não punir os criminosos da ditadura, a Comissão da Verdade não dará em nada se não houver coragem para enfrentar pessoas que um dia tiveram poder de fazer o que Brilhante Ustra tenta (abafar o caso) e que se acredita que não tenham mais.

O STF – corte que tem um ministro que julga que aquele horror todo foi um “mal necessário” – já deu sua proteção aos Brilhantes Ustras que caminham por aí livres e afrontando as vítimas de suas sessões de tortura como, por exemplo, o vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PV), quem, pouco antes do piti de Ustra, disse que foi torturado com requintes de crueldade por ele e que depois foi insultado por seu algoz pretérito.

Note-se que os “jeitinhos” na Justiça – tais como o habeas corpus que garantiu a Brilhante Ustra meio de ir depor na Comissão da Verdade sem responder a questões que deveriam ser respondidas caso fosse realmente inocente – e uma ajudinha da mídia que colaborou para implantar e para sustentar a ditadura se tornarão cada vez mais explícitos conforme for chegando a hora de a onça beber água.

Essa tal hora de a onça beber água será quando os trabalhos da Comissão da Verdade começarem a ser expostos à sociedade, porque Brilhante Ustra e outros como ele terão de encarar suas famílias e amigos após as revelações macabras que virão. Além disso, a comissão deverá expor a atuação criminosa das famílias midiáticas Marinho, Frias e Mesquita, dentre outras.

Quando estiverem chegando ao fim os trabalhos da comissão – o que deve ocorrer no primeiro semestre do ano que vem –, que ela e a própria presidente Dilma não tenham dúvidas: todos os que colaboraram com a ditadura sairão de suas tocas para opor suas mentiras à verdade que se quer apurar e expor ao Brasil e ao mundo.

Além de decisões judiciais, matérias na grande mídia, acusações à presidente da República e sabe-se lá mais o que, haverá que ver até que ponto as Forças Armadas “permitirão” que o que fizeram àquela época seja contado pela Comissão da Verdade ao Brasil e ao mundo. E note-se que nem se está pedindo, ainda, as exigíveis punições a gente como Brilhante Ustra.

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11 de maio de 2013
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O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra , que comandou o DOI-Codi/SP entre 1970 e 1974, presta depoimento à Comissão Nacional da Verdade. Foto de Wilson Dias/ABr.

Via CartaCapital

O ex-sargento Marival Chaves, ex-servidor do DOI-Codi de São Paulo na década de 1970, afirmou na sexta-feira, dia 10, em depoimento à Comissão da Verdade, que o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do aparato repressivo paulista durante a ditadura, era o comandante da tortura no Estado. Ustra chefiou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) entre setembro de 1970 a janeiro de 1974.

“Se você quer definir responsabilidades, ele [Ustra] comandava as operações”, afirmou Chaves. Antes de iniciar seu depoimento, o ex-sargento entregou à Comissão da verdade cartas com ameaças de morte que recebeu a partir de 1992, ano em que iniciou suas revelações sobre a ditadura. Ainda segundo o ex-sargento, empresas do ramo automobilístico apoiavam DOI-Codi.

Da sessão, também participou o vereador Gilberto Natalini (PV), torturado por Ustra em 1972, quando ficou preso por 60 dias acusado de divulgar “jornais subversivos”. “Um dia ele me pegou, me despiu, me colocou em pé numa poça d’água, ligou fios em meu corpo e, pessoalmente, chamou uma tropa para fazer uma sessão de declamação de poesia”, revelou Natalini. “Eu não tenho motivo para inventar essa história. Isso aconteceu, é fato concreto. Apanhei bastante das mãos dele e das pessoas que trabalhavam com ele.”

Ustra nega ser assassino e chama Dilma de terrorista

Ustra tinha um habeas corpus para se manter em silêncio na Comissão da Verdade, mas mesmo assim falou. Sua versão é a de que a repressão realizada pelo Estado contra cidadãos brasileiros era um confronto contra o comunismo. Ustra não explica, entretanto, o que justificaria as violações contra os direitos humanos cometidas nesta suposta batalha.

“Todas as organizações terroristas, em todos seus estatutos, tinham claramente que o objetivo final era a implantação de uma ditadura do proletariado, o comunismo. Derrubar os militares e implantar o comunismo.” Ele destacou também a participação da presidenta Dilma Rousseff no movimento. “Isso consta de todas as organizações. Inclusive nas quatro organizações terroristas que nossa presidenta da República participou. Ela participou de quatro organizações terroristas que tinham isso, de implantar o comunismo”, disse Ustra.

“Estávamos lutando pela democracia e estávamos lutando contra o comunismo. Se não fosse nossa luta, se não tivéssemos lutado, eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o paredón. Os senhores teriam um regime comunista, um regime como o de Fidel Castro”, afirmou.

Ustra negou a existência de centros clandestinos de tortura e de que tenham ocorrido estupros nas instalações do DOI. Durante o depoimento, ele disse ser falsa a afirmação de que Lana e Sônia Angel haveriam passado pelo DOI-Codi/SP. Segundo Ustra, na data de suas mortes, ele se encontrava de férias. “Nunca fui um assassino, graças a Deus nunca fui”, disse, afirmando ter apenas cumprido ordens.

Sobre a suposta apostila que ensinava métodos interrogatórios, ele confirmou ter sido o elaborador. “Fiz essa apostila sim, usando casos reais.”

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Ditadura militar: Mortos eram troféus no DOI-Codi

“Cadáveres de militantes eram expostos no DOI-Codi como troféu de vitória”, diz ex-sargento.

Corpos de militantes torturados eram expostos ao público interno do DOI-Codi, o maior órgão de repressão aos grupos de esquerda contrários à ditadura militar (1964–1985), como “troféu de vitória”, afirmou o ex-sargento Marival Chaves na sexta-feira, dia 10, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em Brasília.

“Vi em duas ocasiões. O casal Antônio Carlos Bicalho Lana e Sônia foi trazido ao DOI para visitação do órgão. Vi o casal morto, com perfurações a bala na cabeça e nos ouvidos”, disse Chaves, acrescentando que supunha que isso ocorria por se tratar de pessoas consideradas “importantes no contexto das organizações”.

Ele também citou o caso de outro militante, chamado Yoshitane Fujimori, que chegou com ferimentos a bala e ainda estava vivo. Chaves já falou duas vezes à comissão, que apura que apura crimes cometidos no período da ditadura militar.

O depoimento foi colhido por Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República, e José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, que integram a comissão.

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