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Gilson Caroni Filho: Os jovens, o Brasil e a Ucrânia

24 de fevereiro de 2014
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O povo pode tudo?

Gilson Caroni Filho em sua página do Facebook

Ao ler que o presidente ucraniano foi deposto, um jovem escreveu em sua página: “O povo pode tudo”. Talvez ele não saiba que o que aconteceu na Ucrânia foi um golpe de Estado, contando com milícias fascistas, extremistas chechenos e patrocínio aberto dos EUA para isolar a Rússia.

Tenho lido análises corretíssimas de quadros políticos do PSOL, do PSTU, do PCB, além de outras siglas de pequena base política, sobre o golpe que está em andamento na Venezuela. Estão certíssimos ao dizer que as manifestações nas ruas são golpistas. E são precisos ao assinalar o papel da mídia privada venezuelana na arquitetura desse retrocesso.

O interessante é que fingem ignorar o que ocorre no Brasil. Aqui, Black Blocs são vistos como tática de um grupo da juventude que vive “uma crise de representação”. Os que vão à rua para gritar “não vai ter Copa” apenas expressam sua insatisfação com emprego de verbas públicas que poderiam ir para ensino e educação. Seria fácil desmontar essa falácia, mas não o fazem. Por que? Será que não perceberam que o alvo das articulações estadunidenses não é apenas o governo Maduro, mas a América Latina?

Será que não aprenderam porra nenhuma com 1964? Será que não veem as barbaridades cometidas no julgamento da Ação Penal 470 por um STF tocando a música da grande imprensa? Inocência, esquizofrenia política ou oportunismo? Alguém precisa pegar a capa de O Globo, de cinco décadas atrás, e recortar a foto de página inteira com milhares de pessoas que participaram da triste “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”.

Em seguida, selecionar as fotos que o mesmo jornal vem publicando de presos e torturados à época, num regime totalmente apoiado pelas famílias que controlam a grande imprensa no Brasil. Feito isso, esfregar na cara do jovem extasiado com as imagens que são transmitidas da Ucrânia, e perguntar: “O povo pode tudo, seu babaca?” Vamos fazer isso? Ou a indignação de vocês só existe quando a vítima é o Eduardo Freixo?

Minha paciência começa a se esgotar. Se você não gostou do que está escrito, não venha com comentários agressivos. Nunca me manifestei nas barbaridades que você escreve. Deleto sem qualquer problema.

Vídeo: O diretor da Fiesp e por que o Brasil está certo ao investir em Cuba

3 de fevereiro de 2014
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Dilma e Raul Castro durante a inauguração do Porto de Mariel.

O investimento no Porto de Mariel amplia o alcance do comércio e a área de influência do Brasil.

José Antonio Lima, via CartaCapital

Causou certa indignação em determinados setores da sociedade brasileira a inauguração do porto de Mariel, em Cuba, na segunda-feira, dia 27, com a presença de Dilma Rousseff. O espanto se deu por que a obra foi erguida graças a um financiamento do BNDES, que data ainda do governo Lula. Atribui-se o investimento a uma aliança ideológica entre os governos petistas e a família Castro, responsável pela ditadura na ilha. É um equívoco ver o empréstimo desta forma. Trata-se de um ato pragmático do Brasil.

O porto de Mariel é um colosso. Ele é considerado tão sofisticado quanto os maiores terminais do Caribe, os de Kingston (Jamaica) e de Freeport (Bahamas), e terá capacidade para receber navios de carga do tipo Post-Panamax, que vão transitar pelo Canal do Panamá quando a ampliação deste estiver completa, no ano que vem. A obra, erguida pela Odebrecht em parceria com a cubana Quality, custou 957 milhões de dólares, sendo 682 milhões de dólares financiados pelo BNDES. Em contrapartida, 802 milhões de dólares investidos na obra foram gastos no Brasil, na compra de bens e serviços comprovadamente brasileiros. Pelos cálculos da Odebrecht, este valor gerou 156 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no País.

A obra “se pagou”, mas o interesse do Brasil vai além disso. Há quatro aspectos importantes a serem analisados.

O primeiro foi exposto por Dilma no discurso feito em Cuba. O Brasil quer, afirmou ela, se tornar “parceiro econômico de primeira ordem” de Cuba. As exportações brasileiras para a ilha quadruplicaram na última década, chegando a 450 milhões de dólares, alçando o Brasil ao terceiro lugar na lista de parceiros da ilha (atrás de Venezuela e China). A tendência é de alta se a população de Cuba (de 11 milhões de pessoas), hoje alijada da economia internacional, for considerada um mercado em potencial para empresas brasileiras.

Esse mercado só será efetivado, entretanto, se a economia cubana deixar de funcionar em seu modo rudimentar atual. Como afirmou o subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Antonio José Ferreira Simões, o modelo econômico de Cuba precisa “de uma atualização”. O porto de Mariel é essencial para isso, pois será acompanhado de uma Zona Especial de Desenvolvimento Econômico criada nos moldes das existentes na China. Ali, ao contrário do que ocorre no resto do país, as empresas poderão ter capital 100% estrangeiro. Dono de uma relação favorável com Cuba, o Itamaraty está buscando, assim, completar uma de suas funções primordiais: mercado para as empresas brasileiras. Não é à toa, portanto, que o Brasil abriu uma nova linha de crédito, de 290 milhões de dólares, para a implantação desta Zona Especial em Mariel.

Aqui entra o terceiro ponto, a localização de Mariel. O porto está a menos de 150 quilômetros do maior mercado do mundo, o dos Estados Unidos. Ainda está em vigor o embargo norte-americano a Cuba, mas ele é insustentável a longo prazo. “O embargo não vai durar para sempre e, quando cair, Cuba será estratégica para as companhias brasileiras por conta de sua posição geográfica”, disse à Reuters uma fonte anônima do governo brasileiro. Tendo em conta que a população cubana ainda consistirá em mão de obra barata para as empresas ali instaladas, fica completo o potencial comercial de Mariel.

Há ainda um quarto ponto. Ao transformar Cuba em parceira importante, o Brasil amplia sua área de influência nas Américas em um ponto no qual os Estados Unidos não têm entrada. A administração Barack Obama é favorável ao fim do embargo, como deixou claro o presidente dos EUA em novembro passado, quando pediu uma “atualização” no relacionamento com Cuba. Ocorre que a Casa Branca não tem como derrubar o embargo atualmente diante da intensa pressão exercida no Congresso pela bancada latina, em sua maioria linha-dura. No vácuo dos EUA, cresce a influência brasileira.

Grande parte das críticas ao relacionamento entre Brasília e Cuba ataca o governo brasileiro por se relacionar com uma ditadura que não respeita direitos humanos. Tal crítica tem menos análise de política externa do que ranço ideológico, como prova o silêncio quando em destaque estão as relações comerciais do Brasil com a China, por exemplo. Não há, infelizmente, notícia de um Estado que paute suas relações exteriores pela questão de direitos humanos. Se a regra fosse essa, possivelmente o mundo não seria a lástima que é.

Soma-se a isso o fato de que manter boas relações com Cuba é uma prática do Estado brasileiro, não do governo atual. As relações Brasília-Havana foram reatadas em 1985 e têm melhorado desde então. Em 1992, no governo Fernando Collor, houve uma tentativa de trocar votos em eleições para postos em organizações internacionais. A prática, como a Folha de S.Paulo mostrou em 2011, continuou no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sob o qual o Brasil também fechou parcerias e intercâmbios com Cuba.

De fato, em 1998 o então chanceler de FHC, Luiz Felipe Lampreia, se encontrou com um importante dissidente cubano, Elizardo Sánchez, algo que o governo brasileiro parece muito distante de fazer. Pode-se, e deve-se, criticar o fato de o Planalto sob o PT não condenar publicamente as violações de direitos humanos da ditadura castrista, mas não se pode condenar o investimento no porto de Mariel. Neste caso, prevaleceu o interesse nacional brasileiro.

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Porto de Mariel: Diretor da Fiesp explica sua importância estratégica para o Brasil

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Leia também:

Por que investir em Cuba? E na África e na América Latina? Não é caridade ideológica, é negócio

Beto Almeida: O porto de Mariel, Brasil, Cuba e o socialismo

Em Cuba, Dilma agradece por Mais Médicos e diz que bloqueio é injusto

Venício Lima: China e Brasil, alguma diferença?

2 de janeiro de 2014

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Bernardo Kucinski e eu já argumentamos que apesar das eventuais divergências, no Brasil, a grande mídia trabalha como se existisse um único editor.

Venício Lima, via Carta Maior

A filial brasileira da Thomson Reuters – “a maior agência internacional de notícias e multimídia do mundo”, com sede em Nova Iorque, Estados Unidos – divulgou recentemente uma matéria sob o título “China orienta imprensa contra pontos de vista errados”.

O texto foi reproduzido no Estadão e, posteriormente, em dezenas de jornais, portais e blogs Brasil afora [basta colocar o título da matéria no Google para verificar].

Trata-se de diretriz do Partido Comunista Chinês, sob orientação do novo presidente Xi Jinping, que determinou “à imprensa estatal que pare de noticiar ‘pontos de vista errados’, e que em vez disso cubra histórias positivas, que promovam ‘valores socialistas’.” De acordo com as novas diretrizes, comenta a Reuters, busca-se reforçar “os valores socialistas centrais” e os meios de comunicação devem “manter resolutamente a correta orientação da opinião pública”. A matéria informa ainda que, segundo as recomendações, “os órgãos noticiosos e editoriais e quem trabalha no setor devem fortalecer a autorregulamentação e aumentar com seriedade seu senso de responsabilidade e a capacidade de promover os valores socialistas centrais”.

Parágrafos omitidos

Curiosamente a Reuters Brasil, o Estadão e todos os demais, sem qualquer explicação para o leitor brasileiro, reproduziram apenas seis (6) dos onze (11) parágrafos da matéria original, divulgada pela própria Reuters. Nos parágrafos omitidos, as diretrizes do Partido Comunista Chinês, divulgadas pela agência oficial Xinhua, explicitam que “os valores socialistas centrais” incluem “ideais sublimes como democracia, igualdade e estado de direito, mas também as posições orientadoras marxistas na China de hoje”.

China e Brasil

Sem entrar na questão sobre a natureza do regime chinês – socialismo ou país de economia mista, dirigido por um partido único? – o mais interessante, todavia, é comparar as orientações para a imprensa “estatal” na China com o comportamento padrão da imprensa privada em países capitalistas, como o Brasil.

Evidentemente não existe aqui um Partido Capitalista Brasileiro distribuindo orientações para que a imprensa “pare de noticiar ‘pontos de vista errados’, e que em vez disso cubra histórias positivas, que promovam ‘valores capitalistas’. Ou lembrando que os meios de comunicação devem manter resolutamente a correta orientação da opinião pública”. Menos ainda, estabelecendo diretrizes para que “os órgãos noticiosos e editoriais e quem trabalha no setor (fortaleça) a autorregulamentação e (aumente) com seriedade seu senso de responsabilidade e a capacidade de promover os valores capitalistas centrais”. Ou, explicando que “os valores capitalistas centrais” incluem “ideais sublimes como democracia, igualdade e estado de direito, mas também as posições orientadoras capitalistas no Brasil de hoje”.

Na verdade, a grande imprensa brasileira já faz tudo isso, dia após dia, sem que seja necessária qualquer orientação centralizada em um partido institucionalizado formalmente.

Somos mais práticos. Aqui, simplesmente funciona assim.

Bernardo Kucinski e eu já argumentamos que apesar das eventuais divergências existentes na disputa de mercados, no Brasil, a grande mídia trabalha dentro de uma mesma lógica, como se existisse um único editor, um supra editor (cf. Diálogos da perplexidade; Editora Perseu Abramo, 2009; pp. 97 segs.).

No prefácio para o meu Regulação das comunicações (Paulus, 2011), Kucinski escreveu: “A mídia brasileira forma hoje um compacto político-ideológico em defesa dos fundamentos do modelo econômico chamado neoliberal: privatizações, terceirizações, flexibilização das leis trabalhistas e desregulação do movimento de capitais. Também combate em uníssono as principais políticas públicas dos governos Lula-Dilma, como o Bolsa Família, o Plano Nacional de Direitos Humanos, as cotas nas universidades e a política externa” (cf. p. 12).

Judith e Antonio

É verdade: as entidades empresariais que congregam os principais meios de comunicação no Brasil – a ANJ, a Abert e a Aner – também orientam seus associados em defesa dos princípios “da livre iniciativa” que conduzem as operações desse tipo de empresa comercial no capitalismo.

Todavia, embora dirigentes dessas entidades já tenham reconhecido publicamente que a grande imprensa funciona como um partido político, não é necessário que se constitua e se registre no TSE um partido político formal que emita orientações para a imprensa brasileira.

Como se sabe, a ex-militante petista Judith Brito, à época presidente da ANJ, hoje diretora-superintendente do Grupo Folha e colaboradora do Instituto Millenium, declarou em março de 2010:

“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo” [cf. “Ações contra tentativa de cercear a imprensa”, O Globo, 19/3/2010, pág. 10].

Neste ponto Judith Brito e Antonio Gramsci (1891-1937) não poderiam concordar mais. Em sua famosa passagem sobre os partidos políticos nos Cadernos de cárcere [1929-1935], o filósofo sardenho afirma:

“Será necessária a ação política [no sentido estrito] para que se possa falar de “partido político”? […] o Estado-Maior intelectual do partido orgânico não pertence a nenhuma das frações, mas opera como se fosse uma força dirigente superior aos partidos e às vezes reconhecida como tal pelo público. Essa função pode ser estudada com maior precisão se se parte do ponto de vista de que um jornal (ou um grupo de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas) são também eles “partidos”, “frações de partido” ou “funções de um determinado partido”. Veja-se a função do Times na Inglaterra, a que teve o Corriere della Sera na Itália e também a função da chamada “imprensa de informação”, supostamente “apolítica”, e até a função da imprensa esportiva e da imprensa técnica” [cf. Maquiavel, a política e o estado moderno; Civilização Brasileira, 1976, pp. 22-23).

No Brasil, tudo isso é tão comum, faz de tal maneira parte do cotidiano da grande imprensa, que nenhum partido político precisou orientar agência de notícias, jornal, portais e blogs para omitir que entre as novas diretrizes recomendados pelo Partido Comunista Chinês estão incluídos “ideais sublimes como democracia, igualdade e estado de direito, mas também as posições orientadores marxista”.

Todos simplesmente fizeram. Tão rotineiramente que nem merece uma nova matéria da agência Reuters.

Com queda de 73% em mortalidade infantil, o Brasil é destaque de relatório da Unicef

22 de dezembro de 2013

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Via BBC Brasil em 15/12/2013

Uma queda de 73% na taxa de mortalidade infantil do Brasil em apenas duas décadas foi um dos destaques de um relatório da Unicef divulgado. Segundo o estudo, a taxa brasileira caiu de 58 para 16 por mil nascidos vivos entre 1990 e 2011. Em 2000, o índice era de 36 por mil nascidos vivos – o que faz com que a queda tenha sido de 56% desde então.

Ainda com essa redução drástica, 40 mil crianças morreram antes de completar cinco anos no Brasil no ano passado (contra 205 mil em 1990).

“No Brasil, programas comunitários e estratégias de saúde para a família foram implementados desde a década de 1990 para oferecer cuidados de saúde primários (à população)”, explica o relatório. “Isso ajudou a expandir o acesso aos serviços de saúde, reduzir as desigualdades na cobertura e cortar as taxas de mortalidade infantil.”

Segundo a Unicef, outros fatores que ajudaram a reduzir as mortes de crianças no Brasil incluem “melhorias nos serviços de saneamento básico, nos níveis educacionais das mães e nos índices de aleitamento materno e vacinação, além do crescimento na renda das famílias”.

A queda no Brasil foi acompanhada de uma redução menos acentuada nos índices globais no mesmo período. Em 2011, 6,9 milhões de crianças morreram antes de completar cinco anos – um total de 19 mil por dia. Em 1990, foram 12 milhões de mortes.

Países problemáticos
Para a Unicef, esse declínio geral se deve às melhorias das condições de vida em regiões carentes e às campanhas de vacinação e de conscientização sobre a importância do aleitamento materno.

Segundo a agência da ONU, nos países pobres, as maiores quedas ocorreram em lugares que receberam ajuda externa, como a República Democrática Popular do Laos, o Timor Leste e a Libéria.

Mas em alguns países a situação piorou desde 1990, entre eles República Democrática do Congo, Chade, Somália, Mali, Camarões e Burkina Faso.

Em 2011, metade das mortes infantis ocorreram em apenas cinco países: Índia, Nigéria, República Democrática do Congo, Paquistão e China. E quase todas as 500 mil mortes por malária ocorreram na África Subsariana.

De acordo com a Unicef, os conflitos armados estão entre os principais fatores de risco para o problema da mortalidade infantil. No total, oito dos dez países com as maiores taxas têm algum tipo de conflito ou instabilidade.

As cinco principais causas de mortes entre crianças menores de cinco anos no planeta são pneumonia (18%), complicações neonatais (14%) diarreia (11%); complicações durante o parto (9%) e malária (7%).

Cerca de 40% das mortes ocorrem durante os primeiros 28 dias de vida da criança, estando a desnutrição ligada a mais de um terço desses óbitos.

Paulo Moreira Leite: Vira-latas em Teerã

26 de novembro de 2013
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad (centro), e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, se abraçam durante cerimônia de assinatura de acordo nuclear entre Brasil, Irã e Turquia em 2010.

Acordo assinado em Genebra foi rascunhado por Lula, Erdogan e Ahmadinejad em 2010. O massacre foi geral.

Paulo Moreira Leite em seu blog

O caráter colonizado de grande parte de nossos observadores diplomáticos teve poucos momentos tão vergonhosos como em maio de 2010. Naquele momento, Brasil, Turquia e Irã assinaram um acordo nuclear que, em seus traços essenciais, era um rascunho bem feito do acerto fechado ontem, em Genebra, com apoio de Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Alemanha.

Após três anos e seis meses de tensão e novas ameaças de confronto, o óbvio ficou um pouco mais ululante. Desmentindo o discurso imperial que em 2010 tentava apresentar uma intervenção militar como inevitável diante da “intransigência” iraniana para defender seu programa nuclear, o novo acordo confirma que era possível avançar numa solução pacífica, respeitando a vontade soberana daquele país. Apesar disso, quem não sofreu uma perda seletiva de memória irá lembrar-se do que ocorreu há três anos.

Com apoio inicial da Casa Branca, que voltaria atrás sob pressão de lobistas a serviço da extrema direita de Israel, Lula tomou a iniciativa de atrair o Irã e a Turquia para as conversas. Foi uma ideia do presidente brasileiro, a partir de conversas prévias com o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em Nova Iorque. Informado, Barack Obama aderiu a ideia, ainda que relutante. O chanceler Celso Amorim atuou nos bastidores entre os envolvidos.

Quarenta e oito horas depois, enquanto os Estados Unidos propunham uma nova rodada de sanções contra o Irã, inviabilizando um pacto que bastante razoável, Lula tornou-se alvo de um massacre externo e, especialmente, interno. Fez-se o possível para ridicularizar sua atuação, como se fosse um caso patológico de caipirismo diplomático. Refletindo o tom geral, um comentarista chegou a mandar os pêsames para o presidente brasileiro. Como explicar essa postura?

Um ponto, claro, era eleitoral. Cinco meses depois da viagem de Lula a Teerã, a população brasileira iria às urnas e era importante impedir qualquer vitória de seu governo, que poderia ajudar a eleição do ainda poste Dilma.

Outro aspecto é o complexo de vira-latas, que não consegue enxergar oportunidades que a conjuntura internacional pode oferecer ao país. Não se perdoou a indisciplina de Lula em relação a Washington. Já que Obama havia mudado de ideia, como é que o governo brasileiro se atrevia a teimar com seu projeto?

Como escreveu o professor José Luiz Fiori, em 2010, “o que provocou surpresa e irritação em alguns setores, não foram as negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o sucesso do presidente brasileiro que todos consideravam impossível ou muito improvável. Sua mediação […] criou uma nova realidade que já escapou ao controle dos Estados Unidos e seus aliados.”

O ponto principal envolve o caráter provinciano do pensamento diplomático estabelecido no país. Incapaz de enxergar novos horizontes quando a situação internacional permite – como estava claro em 2010 – nossos professores de fim de semana procuram sabotar uma diplomacia que, vê-se agora toda clareza, abria oportunidades.

Chato, né?

EUA espionaram milhões de e-mails e ligações de brasileiros

6 de julho de 2013
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O ex-técnico da CIA Edward Snowden, que denunciou um gigantesco esquema de espionagem liderado pela Agência Nacional de Segurança dos EUA.

Brasil aparece como alvo na vigilância de dados e é o mais monitorado na América Latina.

Via O Globo

Na última década, pessoas residentes ou em trânsito no Brasil, assim como empresas instaladas no País, se tornaram alvos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency – NSA, na sigla em inglês). Não há números precisos, mas em janeiro passado o Brasil ficou pouco atrás dos Estados Unidos, que teve 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens espionados.

Eles foram coletados por Edward Joseph Snowden, técnico em redes de computação que nos últimos quatro anos trabalhou em programas da NSA entre cerca de 54 mil funcionários de empresas privadas subcontratadas – como a Booz Allen Hamilton e a Dell Corporation.

No mês passado, esse norte-americano da Carolina do Norte decidiu delatar as operações de vigilância de comunicações realizadas pela NSA dentro e fora dos Estados Unidos. Snowden se tornou responsável por um dos maiores vazamentos de segredos da História norte-americana, que abalou a credibilidade do governo Barack Obama.

Os documentos da NSA são eloquentes. O Brasil, com extensas redes públicas e privadas digitalizadas, operadas por grandes companhias de telecomunicações e de internet, aparece destacado em mapas da agência norte-americana como alvo prioritário no tráfego de telefonia e dados (origem e destino), ao lado de nações como China, Rússia, Irã e Paquistão. É incerto o número de pessoas e empresas espionadas no Brasil. Mas há evidências de que o volume de dados capturados pelo sistema de filtragem nas redes locais de telefonia e internet é constante e em grande escala.

Criada há 61 anos, na Guerra Fria, a NSA tem como tarefa espionar comunicações de outros países, decifrando códigos governamentais. Dedica-se, também, a desenvolver sistemas de criptografia para o governo.

A agência passou por transformações na era George W. Bush, sobretudo depois dos ataques terroristas em Nova Iorque e Washington, em setembro de 2001. Tornou-se líder em tecnologia de inteligência aplicada em radares e satélites para coleta de dados em sistemas de telecomunicações, na internet pública e em redes digitais privadas.

O governo Obama optou por reforçá-la. Multiplicou-lhe o orçamento, que é secreto como os de outras 14 agências norte-americanas de espionagem. Juntas, elas gastaram US$75 bilhões no ano passado, estima a Federação dos Cientistas Norte-americanos, organização não governamental especializada em assuntos de segurança.

Outro programa amplia ação

A NSA tem 35,2 mil funcionários, segundo documentos. Eles informam também que a agência mantém “parcerias estratégicas” para “apoiar missões” com mais de 80 das “maiores corporações globais” (nos setores de telecomunicações, provedores de internet, infraestrutura de redes, equipamentos, sistemas operacionais e aplicativos, entre outros).

Para facilitar sua ação global, a agência mantém parcerias com as maiores empresas de internet norte-americanas. No último 6 de junho, o jornal The Guardian informou que o software Prism permite à NSA acesso aos e-mails, conversas online e chamadas de voz de clientes de empresas como Facebook, Google, Microsoft e YouTube.

No entanto, esse programa não permite o acesso da agência a todo o universo de comunicações. Grandes volumes de tráfego de telefonemas e de dados na internet ocorrem fora do alcance da NSA e seus parceiros no uso do Prism. Para ampliar seu raio de ação, e construir o sistema de espionagem global que deseja, a agência desenvolveu outros programas com parceiros corporativos capazes de lhe fornecer acesso às comunicações internacionais.

Um deles é o Fairview, que viabilizou a coleta de dados em redes de comunicação no mundo todo. É usado pela NSA, numa parceria com uma grande empresa de telefonia dos EUA. Ela, por sua vez, mantém relações de negócios com outros serviços de telecomunicações, no Brasil e no mundo. Como resultado de suas relações com empresas não norte-americanas, essa operadora dos EUA tem acesso às redes de comunicações locais, incluindo as brasileiras.

Ou seja, por meio de uma aliança corporativa, a NSA acaba tendo acesso aos sistemas de comunicação fora das fronteiras norte-americanas. O documento descreve o sistema da seguinte forma: “Os parceiros operam nos EUA, mas não têm acesso a informações que transitam nas redes de uma nação, e, por relacionamentos corporativos, fornecem acesso exclusivo às outras [empresas de telecomunicações e provedores de serviços de internet].”

Companhias de telecomunicações no Brasil têm esta parceria que dá acesso à empresa norte-americana. O que não fica claro é qual a empresa norte-americana que tem sido usada pela NSA como uma espécie de “ponte”. Também não está claro se as empresas brasileiras estão cientes de como sua parceria com a empresa dos EUA vem sendo utilizada.

Certo mesmo é que a NSA usa o programa Fairview para acessar diretamente o sistema brasileiro de telecomunicações. E é este acesso que lhe permite recolher registros detalhados de telefonemas e e-mails de milhões de pessoas, empresas e instituições.

Para espionar comunicações de um residente ou uma empresa instalada nos Estados Unidos, a NSA precisa de autorização judicial emitida por um tribunal especial (a Corte de Vigilância de Inteligência Estrangeira), composto de 11 juízes que se reúnem em segredo. Foi nessa instância, por exemplo, que a agência obteve autorização para acesso durante 90 dias aos registros telefônicos de quase 100 milhões de usuários da Verizon, a maior operadora de telefonia do país. Houve uma extensão do pedido a todas as operadoras norte-americanas – com renovação permanente.

Fora das fronteiras norte-americanas, o jogo é diferente. Vigiar pessoas, empresas e instituições estrangeiras é missão da NSA, definida em ordem presidencial (número 12333) há três décadas.

Na prática, as fronteiras políticas e jurídicas acabam relativizadas pelos sistemas de coleta, processamento, armazenamento e distribuição das informações. São os mesmos aplicados tanto nos EUA quanto no resto do mundo.

Todo tipo de informação armazenada

Desde 2008, por exemplo, o governo monitora com autorização judicial hábitos de navegação na internet dentro do território norte-americano. Para tanto, exibiu com êxito um argumento no tribunal especial: o estudo da rotina online de “alvos” domésticos proporcionaria vigilância privilegiada sobre a prática online cotidiana de estrangeiros. Assim, uma pessoa ou empresa “de interesse” residente no Brasil pode ter todas suas ligações telefônicas e correspondências eletrônicas – enviadas ou recebidas – sob vigilância constante. A agência armazena todo tipo de registros (número discado, tronco e ramal usados, duração, data, hora, local, endereço do remetente e do destinatário, bem como endereços de IP – assim como sites visitados). E faz o mesmo com quem estiver na outra ponta da linha, ou em outra tela de computador.

Começa aí a vigilância progressiva pela rede de relacionamento de cada interlocutor telefônico ou destinatário da correspondência eletrônica (e-mail, fax, SMS, vídeos, podcasts etc.). A interferência é sempre imperceptível: “Servimos em silêncio”, explica a inscrição numa placa de mármore exposta na sede da NSA em Washington.

Espionagem nesse nível, e em escala global, era apenas uma suspeita até o mês passado, quando começaram a ser divulgados os milhares de documentos internos da agência coletados por Snowden dentro da NSA. Desde então, convive-se com a reafirmação de algumas certezas. Uma delas é a do fim da era da privacidade, em qualquer tempo e em qualquer lugar. Principalmente em países como o Brasil, onde o “grampo” já foi até política de Estado na ditadura militar.


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