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Paulo Moreira Leite: Mascarados vieram para criminalizar democracia

17 de outubro de 2013
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Paulo Moreira Leite: “Nós sabemos que a Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato.”

Paulo Moreira Leite em seu blog

Os protestos de junho de 2013 trouxeram a novidade das máscaras. É um debate importante, que mobilizou prós e contras em vários lugares. Cinco meses depois, os mascarados continuam em atividade, cada vez mais intensa.

As principais alegações a favor das máscaras envolvem argumentos simplórios.

Dizem que os mascarados são indivíduos no exercício de seus direitos políticos e têm direito de se proteger de qualquer ação repressiva.

Será?

Nós sabemos que a Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato – como aprendi recentemente durante almoço em plena Vila Madalena.

Não vamos falar de certas situações de opressão geral que em alguns países podem justificar o uso de máscaras.

Num país democratizado, como o Brasil, as máscaras teriam outro efeito político se o País se encontrasse numa situação revolucionária de duplo poder, em que é razoável colocar em questão o monopólio da violência sobre o Estado.

No País de 2013, seu único efeito prático é ajudar a criminalizar os protestos e a própria luta política extraparlamentar, necessária a todo momento para avançar determinadas reivindicações que o Congresso ignora.

A máscara é um convite para a tropa de choque entrar em ação porque é uma demonstração irrefutável de que as autoridades se mostram incapazes de manter a ordem, mesmo que momentaneamente.

O sujeito que saiu de casa mascarado se autodenuncia e manda um recado: vai aproveitar a mobilização para cometer atos ilegais.

É tão óbvio que a polícia, se tiver um mínimo de responsabilidade, de sentido de cumprir seu dever legal, irá prestar atenção redobrada a seus movimentos e contra-atacar na primeira oportunidade.

Está na cara que a PM, primeiro instrumento criado pela ditadura militar para reprimir as mobilizações populares, e que não foi reformada como ser necessário depois da democratização, fala a língua da violência. Atira para machucar e bate para ferir. Admite matar – mesmo que teoricamente por acidente – com uma bala de borracha.

Por isso todas as intervenções da PM tendem a dar errado quando vistas pela atual consciência democrática do país. E é o caso de evitar pensamentos ingênuos quando se discute porque ela não é reformada nem reeducada. Porque não interessa, vamos combinar. E nós sabemos quem tem força e articulação para definir, estruturalmente, o que interessa e o que não interessa mudar, certo?

Estudantes serão feridos de forma bruta. Manifestantes serão conduzidos para a cadeia de modo arbitrário, cumprindo temporadas ridiculamente longas de detenção. E aí o foco do protesto, com justiça, será a própria polícia e, por essa via, a ação do Estado.

Estive em Washington quando grupos ultrarradicais queriam impedir uma reunião do FMI e foram paralisados por uma ação preventiva, pacífica e sem violência, da polícia local. Então há diferença entre uma situação e outra.

Há outras questões nestas máscaras. Sem responder a uma situação política especifica, onde pode ser necessária, sua violência permanente auxilia no reforço da ordem.

O discurso de quem esconde o rosto é que ele se dedica a destruir “símbolos” do capitalismo. Bobagem. Seus atos destroem patrimônio real do capitalismo, que custou trabalho de assalariados, que serão, de uma forma ou outra, forçados a pagar pelo prejuízo. Como empregados, enfrentarão pressões nos salários e benéficos. Como cidadãos, serão forçados a pagar sua parte no prejuízo pelo aumento de taxas e tarifas. Como consumidores, podem perder um automóvel ou mesmo serem obrigados a pagar a reforma de sua casa.

Simbólico, aqui, é outra coisa – o show – sob medida para reforçar clamores por lei e ordem.

A sociedade do espetáculo despreza os homens simples do povo, os verdadeiros cidadãos que podem ser protagonistas de mudanças relevantes e duradouras porque estimula símbolos que combinam com a ideologia que ela defende e divulga: o individualismo, o meio como substituto do fim. O caráter puramente destrutivo de sua atividade determina que sua função seja produzir impasses.

Seu universo não é o da política, pois pertence a sociedade de consumo. Não aceita heróis de pessoas de carne, osso – e rostos – mas personagens que poderão ser promovidos e descartados ao saber das conveniências.

Há um elemento narcisista no militante mascarado mas sua força de atração é outra. Ele tem uma postura de busca permanente pelo confronto, que sempre poderá ser objeto de consumo num tempo em que faltam opções revolucionárias reais no horizonte.

Ao contrário do que ocorria em outros momentos históricos, a partir da chegada de Lula no Planalto temos um governo que procura encaminhar as reivindicações de trabalhadores e da população mais pobre, com avanços, recuos, acertos e muitos erros mas um saldo geral positivo, mesmo que limitado, mas suficiente para exasperar os setores historicamente dominantes.

Estes mantêm uma relação ambígua com os mascarados. Declaram-se horrorizados com seus atos mas não deixam de enviar mensagens de estímulo e tolerância, pois a máscara sempre será muito útil enquanto servir para desgastar o governo Dilma, paralisar instituições e impedir reformas necessárias – inclusive do sistema político.

A máscara tem a vantagem de que nunca se sabe quem é o rosto por trás dela e sempre será possível permitir o governo de incapaz de manter a ordem e defender a democracia, um desses argumentos obviamente ululante em toda intervenção contra os direitos do povo.

Qualquer que seja o discurso e a ideologia dos mascarados, a função real de sua violência é retirar a legitimidade do processo histórico que o país vive hoje.

O resultado dessa atividade não beneficia a maioria da população e cria obstáculos a novas conquistas.

Desmoraliza organizações dos trabalhadores, por mais que dê a impressão de ajuda-las – e até possa se mostrar útil diante da extrema violência da PM. Sua violência não corresponde ao momento político real e, como todo gesto político feito sob estas condições, cedo ou tarde se voltará com contra os mais fracos. Todas gerações de brasileiros assistiram a este filme.

Quanto o serviço de desmoralizar os símbolos da democracia tiver terminado, os mascarados serão retirados de cena – e aí sobrará menos liberdade e mais repressão para quem nada tinha a ver com machadinhas, máscaras e violência.

Luciano Martins Costa: Uma bomba armada nas ruas

17 de outubro de 2013

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Luciano Martins Costa, via Observatório da Imprensa

O leitor ou leitora que escrutinar o noticiário de quinta-feira, dia 17, poderá achar um pouco confusa a descrição das ações do Estado, no Rio e em São Paulo, contra manifestantes acusados de promover depredações a atacar policiais.

Em São Paulo, dos 60 detidos após as manifestações violentas ocorridas na noite de terça-feira, 59 foram soltos por falta de provas e apenas um foi indiciado, por porte de maconha. No Rio, metade dos 190 detidos continuava presa e 27 haviam sido autuados pela nova Lei de Crime Organizado.

A diferença no comportamento das autoridades nos dois estados, assim como a abordagem da imprensa, dificulta a compreensão do que se passa nas ruas. Basicamente, o governo paulista demonstra estar fazendo um esforço para identificar os adeptos da tática conhecida como Black Bloc, para compreender suas motivações e seus objetivos. Já o governo do Rio parece mais preocupado em conter a onda de violência, na tentativa de amenizar o estrago que o fenômeno poderá provocar em suas pretensões eleitorais do próximo ano.

O sistema de inteligência da polícia paulista registrou cerca de 400 suspeitos de protagonizar atos de vandalismo e está estudando seus perfis para tentar identificar lideranças e separar os diferentes grupos que se organizam e se desfazem continuamente durante as manifestações.

Os especialistas reunidos numa espécie de conselho procuram montar um quebra-cabeças em busca de um sentido para o comportamento desses jovens, considerando, de antemão, que eles precisam ter algo mais em comum do que o simples impulso da destruição para organizar suas ações aparentemente espontâneas, que, no entanto, revelam uma característica de sofisticada mobilidade e eficiência.

Pelo que se pode depreender das reportagens, a estratégia do governo de São Paulo é usar essas informações para tomar medidas práticas, como obrigar os reincidentes a se apresentar a uma autoridade policial no horário dos protestos. O modelo é semelhante àquele que é aplicado contra os integrantes de torcidas organizadas de futebol que se envolvem continuamente em conflitos nos estádios.

Mistura explosiva

Pressionado por uma campanha avassaladora que promoveu até mesmo o bloqueio da rua onde mora, o governador do Rio, Sergio Cabral, é movido pela urgência: se quiser sobreviver politicamente, ele não pode chegar ao fim do ano sitiado pelos manifestantes.

As palavras de ordem dos primeiros protestos eram contra o custo e a má qualidade dos transportes públicos, depois evoluíram para a exigência de investigação sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo Alves de Souza e atualmente têm como estopim as reivindicações salariais dos professores do Estado. No entanto, o alvo pessoal dos manifestantes segue sendo o governador Cabral.

A perspectiva de eleições no horizonte próximo instiga à urgência e limita a disposição das autoridades para entender a natureza desse fenômeno. Afinal, o que move centenas, eventualmente milhares, de jovens a arriscar sua integridade física e seu futuro por uma pauta de demandas difusa e quase irreconhecível?

Pesquisadores reconhecidos pela imprensa apresentam teses eventualmente conflitantes, mas no geral há certo consenso em que o conjunto denominado genericamente de Black Bloc tem como objetivo chamar a atenção para o distanciamento entre o Estado e o cidadão. Segundo essa tese predominante, baseada em entrevistas selecionadas no calor dos protestos, há um mosaico de racionalidade por trás das atitudes destrutivas desses manifestantes.

No entanto, seria aconselhável que os pesquisadores e jornalistas tivessem algum cuidado ao analisar declarações feitas aos gritos, no meio do tumulto, por jovens bombados pela adrenalina do momento.

Da mesma forma que ninguém vai considerar que o pacato pai de família que se manifesta nas arquibancadas contra o juiz de futebol acredite mesmo que a mãe do árbitro seja necessariamente uma prostituta, não se pode interpretar linearmente o que diz um manifestante enquanto se desvia de uma bomba de efeito moral e acende seu “coquetel molotov”.

Esse é talvez o maior desafio para se compreender o momento por que passam as maiores cidades do País: encontrar um terreno sólido no campo da racionalidade para entender o comportamento aparentemente irracional.

Há uma enorme dose de concessão nas análises de acadêmicos e jornalistas sobre a natureza dessa violência. A mistura de universitários, mendigos, meninos abandonados e delinquentes profissionais no confronto com policiais viciados na arbitrariedade compõe uma receita explosiva.

Quem poderia desejar um desfecho trágico para esse enredo?


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