A denúncia da médica Junice Maria Moreira, estampada na 1ª página da Folha, de sexta-feira, dia 30/8, é só o primeiro fruto da colheita algo sôfrega com a qual a mídia conservadora busca ansiosamente reverter o jogo do Mais Médicos.
O programa, combatido com a beligerância habitual dedicada a tudo que afronte a irrelevância incremental do liberalismo, caiu na simpatia da população. É forçoso desmontá-lo. E a isso se oferecia o grito anticubano da doutora Junice. O fruto suculento vendido pela ‘Folha no café da manhã não resistiu a alguns cliques de rastreamento digital.
Era mais uma baga podre do jornalismo que já ofereceu simulacros equivalentes em outros momentos. Basta acessar o serviço CNESNet da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. Foi o que fez o professor universitário André Borges Lopes. Associado ao nome da doutora Junice surgem quatro vínculos empregatícios ativos, dois deles de 40 horas no Programa de Saúde da Família e mais dois de 24 horas cada como médico clínico. Total de 128 horas semanais (improváveis 18 horas e meia por dia, de segunda a segunda). Com um detalhe: os vínculos públicos são com prefeituras de três cidades diferentes (Murici, Queimadas e Jiquiriçá no interior baiano) distantes 357 quilômetros entre si, 4h40 de viagem segundo o Google Maps.
Pergunta: por que o diligente jornalismo da casa Frias não providenciou essa investigação mínima, antes de disparar a exclamativa manchete da sexta-feira? Leia a seguir o que apurou o professor André Borges Lopes, publicado na Carta Maior.
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É difícil saber se essa polêmica do Mais Médicos está fazendo mais estragos na reputação dos médicos ou na dos jornalões brasileiros.
Hoje [30/8] – não por coincidência – dois jornalões (Folha e O Globo) dão destaque à triste história da doutora Junice Maria Moreira, médica do Programa Saúde da Família, que estaria sendo sumariamente demitida para “dar lugar a um cubano” em Murici, povoado da cidade de Sapeaçu (BA). A denúncia foi plantada na imprensa pelo CRM da Bahia.
Folha: “Disseram que eu tinha que dar lugar a um cubano”
O Globo: Prefeituras substituem médicos por profissionais do programa do governo.
Muito bem. Aí a gente acessa o serviço CNESNet da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e pede uma busca pelo nome da doutora Junice Maria Moreira.
Descobre-se que essa médica tem quatro vínculos empregatícios ativos, dois deles de 40 horas no Programa de Saúde da Família e mais dois de 24 horas cada como médico clínico. Total de 128 horas semanais (improváveis 18 horas e meia por dia, de segunda a segunda). Com um detalhe: os vínculos públicos são com prefeituras de três cidades diferentes (Murici, Queimadas e Jiquiriçá no interior baiano) distantes 357 quilômetros entre si, 4h40 de viagem segundo o Google Maps.
Com essa carga de trabalho insana e atendendo em três municípios distantes é de se supor que a doutora Junice encontrasse dificuldades para cumprir seus horários contatados. Pois foi exatamente isso que constatou a repórter Louise Lobato do jornal Correio ao seguir o princípio básico de dar voz ao outro lado (relegado ao mero registro de um desmentido formal nas matérias da Folha e d’O Globo).
Da matéria da Louise:
“O secretário de Saúde da cidade, Raul Molina, desmentiu as alegações. ‘Ela disse que está sendo substituída por um médico estrangeiro, mas isso não é verdade. A demissão aconteceu não para economizar recursos da prefeitura, e sim porque esta médica não está cumprindo o contrato. Ela se recusa a cumprir a carga horária determinada, de 40 horas, e ao invés disto, trabalha somente durante um turno, duas vezes na semana. Ou seja, apenas 12 horas’, afirmou. ‘Há três meses, nós comunicamos para a cooperativa que ela não estava cumprindo a carga horária, e pedindo a substituição. Contudo, a cooperativa disse que não tinha nenhum outro médico disponível para substituí-la. Por causa disso, demos entrada no pedido para participar do Mais Médicos’, relata o secretário Molina.”
Bem, se a doutora Junice é uma amostra do tipo de profissional da saúde pública que está sendo trocado pelos médicos cubanos, continuo achando que o Brasil está fazendo um excelente negócio em trazer los hermanos.
André Borges Lopes é professor universitário e produtor gráfico. Texto publicado originalmente na página do Facebook do autor.
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