Salvador Dalí reina na moeda que circula na cidade.
Edgard Catoira, via CartaCapital
Tudo no Rio, a meu ver, sempre foi surreal, no ótimo sentido do estilo: o cenário deslumbrante da cidade, o caminhar das garotas na praia, a alegria dos botequins, e por aí vai.
Do ponto de vista negativo, os tempos trouxeram o tráfico invariavelmente truculento, balas perdidas, violência em qualquer lugar, além de políticos corruptos que fazem obras monumentais de acordo com as verbas que têm para gastar e encher os bolsos – deles e das empreiteiras amigas – deputados, e vereadores que também levam algum aprovando o que o Executivo propõe. E o povo que se ferre também com os conchavos entre poder público e privado, como o setor do transporte público. Um caos!
Neste momento, a fase é de grandes lucros para a classe política, graças aos grandes eventos internacionais que o Rio vem abrigando. Só que com o exemplo emanado pelos dirigentes da cidade, o comércio e os serviços também resolveram levar uma grana extra. Um maço de cigarros, tabelado em 6,25 reais, num quiosque do calçadão da Avenida Atlântica, custa 10 reais. O coco já está custando a bagatela de 6 reais. Bares e restaurantes, e não estou me referindo aos tradicionalmente caros e luxuosos, mas daqueles que sempre frequentamos, estão com cardápios proibitivos.
O carioca, claro, criou nome para essa nova moeda local – $urreal.
De acordo com minha pesquisa pessoal, só as lojas de roupas não estão usando a nova moeda. Aliás, para refazer o caixa, estão em liquidação em pleno verão.
Mas não podemos esquecer que os turistas estão chegando e têm que desembolsar seus $urreais em acomodações: as diárias dos hotéis estão com preço na estratosfera. Apartamentos ou quartos, para os menos exigentes, estão em aluguéis, incluindo aqui os imóveis de favelas. O $urreal não está explorando o turismo, está explorando o turista.
Claro que quem frequenta habitualmente as praias está levando suas garrafinhas de água, latinhas de cerveja e cangas para se acomodarem na areia, já que até as cadeiras oferecidas pelas barracas de praia estão também com preços proibitivos.
Todos estão mais espertos, tentando pagar ainda com o Real.
No Facebook, a página criada pelas jornalistas Daniela Name e Andréa Cals, com layout do designer Flávio Soares, a “Rio $urreal – não pague” está fazendo grande sucesso! “Se Vira no Rio”, “Não pago preço absurdo” e “Boicote Rio” são postagens que chamam a atenção de como está a revolta geral contra os preços. Também fazem sucesso nas redes sociais as notas do $urreal, criadas pela designer Patrícia Kalil. Elas são semelhantes às do Real onde, no lugar das garças e garoupas da moeda oficial, fica a imagem do pintor surrealista Salvador Dalí.
As dicas postadas na rede social Rio $urreal, em forma de piada ou de bronca, estão repercutindo muito bem e já fazem os fornecedores reverem seus preços. Um exemplo é o coco, que já pode ser pago em Real, apesar de ainda caros R$5,00.
Quando contei ao jornalista – e crítico amigo – Murilo Rocha que eu não paguei 10 $urreais num quiosque por um maço de cigarros, mas o tabelado do outro lado da Avenida Atlântica, ele, divertido, me mandou seu divertido conselho:
“Antes de reclamar dos preços nos órgãos de defesa do consumidor, lembre-se do mais importante: você mesmo. Não dá tanto trabalho, basta, ao entrar na, digamos, casa de pasto, ao consultar o cardápio, faça-o da direita para a esquerda. Ou seja, veja primeiro a coluna que interessa, que é a dos preços. Então, basta ligar o nome à pessoa, e, em caso de decepção, levantar-se e cair fora, sem constrangimentos. Se o garçom fizer a gentileza de perguntar o porquê da saída extemporânea, não perca a oportunidade: Sofro de vertigens e me senti mal quando olhei os preços”.
E Murilo Rocha continua, lembrando que virou moda falar do Custo Brasil, o peso que a absurda carga tributária e os encargos em geral colocam sobre os preços. Verdade, mas há, também, o Custo Ganância, instrumento que o comerciante utiliza frequentemente, com base na filosofia dele mesmo, de que talvez não haja amanhã neste mundo. Afinal, nunca tivemos terremotos devastadores nem tsunamis de arrasar tudo, mas… nunca se sabe, não é? E o Brasil, como país exótico que é, onde as leis de economia já nascem caducas, sempre teve por regra contrariar o princípio do comércio que manda ganhar pouco sobre muito. Nossos comerciantes querem mesmo é ganhar muito sobre pouco. Como se não houvesse amanhã…
Mudando os hábitos, quando ouvir: “Meu bem, onde nós NÃO vamos comer hoje?”. Saiba que essa é para quem curte o luxo e o requinte de comer em corredor de shopping.
Faço minhas as palavras de Murilo Rocha. E lanço meu grito de ordem: “Abaixo o $urreal.”
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