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O Brasil e a mídia, 20 anos depois da queda de Collor

1 de outubro de 2012

Collor e a ex-mulher no dia de sua posse.

Paulo Nogueira em seu Diário do Centro do Mundo

A queda de Fernando Collor de Mello, há 20 anos, foi a última demonstração de força e influência da imprensa brasileira, para o bem e para o mal.

Collor, um político provinciano e oco, tagarela e bonitão, se tornou uma figura nacional graças à mídia, que viu nele uma alternativa salvadora a – sempre ele – Lula na Presidência.

Collor seria consagrado como “o caçador de marajás” por jornais e revistas. Era descrito pela mídia como o homem perfeito: combatia marajás – os funcionários públicos de altos salários – e era moderno. Este foi o primeiro empurrão em Collor e lhe permitiu chegar ao segundo turno das eleições presidenciais.

Sua plataforma era a versão tosca em português da de Margaret Thatcher, que então era tida como uma semideusa. Não haviam aparecido ainda os efeitos nefastos do thatcherismo. Hoje eles são claros, impressos que estão na grande crise econômica e financeira mundial. Mas quando Collor virou um pretendente sério à Presidência a fórmula de Thatcher – desregulamentar e privatizar — parecia funcionar.

Como um Thatcher de calças, Collor cortejou e conquistou Roberto Marinho, à época considerado amplamente o homem mais poderoso do País. Isso foi essencial para o segundo empurrão dado em Collor: a edição mal-intencionada da TV Globo do debate entre ele e Lula às vésperas da eleição.

Lula não foi bem no debate, mas na edição da Globo – vista por uma audiência gigantesca que já não existe mais para a emissora – ele foi ainda muito pior.

E então nosso Thatcher virou presidente.

Collor cometeu o erro de achar que, porque andara de avião, podia voar sozinho. Foi fatal. Não buscou alianças políticas, e não soube manter sequer o apoio da mídia que tanto contribuíra para sua vitória.

Sem apoio político, foi jogado para o abismo pela mesma mídia que o alçara ao Planalto. Foi o apogeu da imprensa como força política. Em 1964, ela participara ativamente das ações para a derrubada do presidente João Goulart, mas o papel principal coube aos militares. Em 1992, o protagonismo foi da mídia.

Passados 20 anos, o poder da imprensa é uma sombra do que foi. Em parte porque a internet foi ocupando um espaço cada vez maior. Mas também porque as grandes corporações de jornalismo não souberam captar o zeitgeist, o espírito do tempo. E isso é fatal no jornalismo.

Em 1992, por exemplo, ler a Folha era considerado coisa de gente bacana. Ela captara o espírito do tempo na campanha das Diretas Já. Hoje, na nova geração de leitores, quem se importa com a Folha? O espírito do tempo, hoje, se manifesta em coisas como a inconformidade com a iniquidade social monstruosa que varreu o mundo. Na agenda de que grande empresa de mídia se vê algum traço desse inconformismo?

A maior demonstração da crescente falta de potência está nos resultados das três últimas eleições presidenciais. Ganharam candidatos – Lula e Dilma – que jamais gozaram do apoio da mídia, para dizer o mínimo.

É bom ou ruim o enfraquecimento da mídia estabelecida para o Brasil? É difícil lamentar a perda de influência. O Brasil que as grandes empresas de jornalismo ajudaram a construir era simplesmente insustentável em sua iniquidade, na forma absurda com que era distribuído o bolo, no número abjeto de miseráveis amontoados em favelas.

No mundo perfeito, a mídia teria apontado esse drama e lutado para corrigi-lo. Não fez. Fez o oposto, na verdade: se alinhou à manutenção de privilégios. Por isso, vinte anos depois da queda de Collor, fala apenas para os privilegiados – e não todos eles, mas aqueles que em seu egoísmo sem limites ignoram e desprezam os desfavorecidos.

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Carandiru 20 anos: Pavilhões caíram, mas a muralha invisível esconde a história do massacre

28 de setembro de 2012

Reprodução de foto de Mônica Zarattini, publicada no Jornal da Tarde, vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de 2001.

“Incinerei muitas coisas lá do Carandiru depois da implosão. E foi até gente morta dentro do caminhão de lixo”, declara ex-funcionário da Limpurb.

Jorge Américo e José Francisco Neto, via Brasil de Fato

Por volta das 19 horas do dia 2 de outubro de 1992, véspera das eleições municipais, uma viatura da Polícia Militar deixa as dependências da Casa de Detenção do Carandiru, no bairro paulistano de Santana. O veículo segue rumo ao hospital, carregando oito corpos perfurados com tiros de metralhadoras, fuzis e pistolas. Na sequência, outros 103 corpos deixam a unidade prisional. Ao todo, 111 mortos – segundo a contagem oficial. Todos detentos do pavilhão 9. Desses, 51 ainda não haviam completado 25 anos de idade.

Ainda hoje, passados 20 anos do episódio que ficou mundialmente conhecido como o Massacre do Carandiru, suspeitas não confirmadas sugerem um número de vítimas maior que o divulgado pelas autoridades. “Incinerei muitas coisas lá do Carandiru depois da implosão. E foi até gente morta dentro do caminhão de lixo.” A declaração é de V.G.V., ex-funcionário da Limpurb (órgão gerenciador dos serviços de limpeza urbana prestados na cidade de São Paulo).

V.G.V. sempre viveu no bairro de Santana. Uma história de 60 anos. Com os vizinhos e colegas de trabalho compartilhou incontáveis notícias extraoficiais que não puderam ser contidas pelas muralhas. Talvez a mais intrigante seja a suposta existência de uma vala clandestina. “Tinha um cemitério debaixo de um porão, teve muita morte. Tinha um cemitério clandestino no pavilhão 9. Quando morria gente, eles jogavam lá pra baixo”, recorda. A presença da Casa de Detenção causava certo incômodo aos moradores do bairro, mas a paisagem começou a mudar em 2002, quando os prédios do complexo foram demolidos para dar lugar ao Parque da Juventude. “Aqui ficou um lugar bom, porque era muito pesado. A vizinhança via o presídio como um negócio abandonado, estranho. Por dentro era tudo estragado, derrubado. As pessoas muito maltratadas”, relata V.G.V., enquanto faz sua caminhada matinal sobre um extenso gramado rodeado de árvores que parecem aguardar ansiosas pelo fim do inverno para recuperar a folhagem natural.

Parque da Juventude

O parque foi inaugurado em 2003, mas as obras foram finalizadas em 2010. Uma área de 240 mil metros quadrados abriga um complexo poliesportivo, uma biblioteca, uma considerável reserva de Mata Atlântica, entre outros atrativos. Do antigo Carandiru, sobrou um trecho de muralha e ruínas de celas. Os pavilhões 4 e 7 foram mantidos integralmente. Neles estão instaladas duas Escolas Técnicas (Etecs).

Tahire Cristina, 17 anos, ainda não havia nascido quando ocorreu o massacre. Moradora da cidade vizinha de Guarulhos, estuda dança no prédio onde funcionou o antigo Pavilhão 4. Ela descobriu o curso pela internet, “sabia que era um presídio”, mas diz nunca ter se aprofundado no assunto. Seu depoimento indica que se depender da Direção da escola, a história será apagada. “Nunca ninguém aqui falou do que aconteceu. Todos os professores ficam no palco no primeiro dia de aula, falam algumas regras da escola, o que pode e o que não pode, mas nunca ninguém tocou no assunto [do massacre]”.

Embora a implosão dos pavilhões tenha durado menos de 10 segundos, não é tarefa fácil esconder tantos anos de história. Oficialmente denominada Casa de Detenção de São Paulo, a penitenciária do Carandiru foi inaugurada em 1920 e ampliada em 1956, com capacidade de oferecer 3,4 mil vagas. Chegou a conter mais de 8 mil presos, o que lhe rendeu o título de maior presídio da América Latina. Quando encerrou as atividades, a penitenciária tinha população semelhante ou superior à de 259 dos 645 municípios paulistas.

Ubiratan

A invasão do Carandiru foi comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, depois de ter recebido autorização do secretário de Segurança Pública – Pedro Franco de Campos – para agir deliberadamente. Este havia consultado o então governador Luiz Antônio Fleury por telefone, que concedeu poder de decisão ao policial. A Comissão que investigou os excessos cometidos naquele 2 de outubro conclui que não houve negociação e “os PMs dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas, visando principalmente a cabeça e o tórax”.

Entre os envolvidos na operação, apenas o coronel Ubiratan foi a julgamento, sendo responsabilizado por 111 mortes e cinco tentativas de homicídio. Foi condenado a 632 anos de prisão em regime fechado. Por ser réu primário e ter endereço fixo, o coronel conseguiu recorrer da sentença em liberdade. Ironicamente, o pavilhão 9 era específico para réus primários. Cerca de 80% das vítimas do massacre esperavam por uma sentença definitiva. Ainda não haviam sido condenadas pela Justiça.

Mais tarde, a sentença foi anulada. Ubiratan elegeu-se deputado estadual. Em setembro de 2006 foi encontrado morto em seu apartamento, com um tiro no abdômen. Ciumenta, a namorada teria matado “por amor’.

Para o defensor público Antônio Maffezoli, é difícil identificar uma responsabilidade penal das demais autoridades, mas “inequivocamente, responsabilidade civil teria. Todos eles, porque fazia parte da competência do governador e do secretário a gestão da Segurança como um todo. E aí a sua própria culpa por escolher determinadas pessoas para cuidar da situação naquele momento.”

Como o massacre ocorreu um dia antes de a população escolher prefeito e vereadores para o próximo mandato, o número oficial de mortos no massacre do Carandiru só foi revelado uma hora antes do encerramento das votações. As eleições estavam salvas e a ordem mantida.


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