Um ano depois de sair da prisão ilegal, Lula e o Brasil ainda esperam por Justiça

9 de novembro de 2020

Manifesto de 14 personalidades brasileiras pela anulação da sentença permanece atual, à espera do julgamento do habeas corpus no STF.

Via Agência PT em 7/11/2020

No dia 6 de novembro de 2019, quando o ex-presidente Lula ainda estava ilegalmente preso na Polícia Federal em Curitiba, 14 brasileiros e brasileiras reconhecidos internacionalmente divulgaram um manifesto em defesa da anulação da sentença injusta de Sérgio Moro. No dia seguinte, o Supremo Tribunal Federal reconheceu novamente o direito constitucional à presunção da inocência para todos os cidadãos, o que permitiu a Lula recorrer em liberdade daquela sentença, encerrando 580 dias de sua prisão política que durou até 8 de novembro de 2019.

Um ano depois, Lula permanece com os direitos políticos suspensos e com a situação penal pendente do julgamento de um habeas corpus no STF, no qual a defesa comprova a atuação parcial e o interesse político de Sérgio Moro na condenação de Lula. É o julgamento desse habeas corpus, apresentado em novembro de 2018, que poderá reparar a injustiça cometida contra Lula e resgatar a credibilidade da Justiça brasileira, abalada dentro e fora do país em consequência da operação política chamada Lava-Jato.

Por se manter tão atual, mesmo um ano depois de divulgado, reproduzimos o manifesto “Justiça Para Lula, Paz Para o Brasil”.

JUSTIÇA PARA LULA, PAZ PARA O BRASIL
6 de novembro de 2019

Somos brasileiras e brasileiros de diversas origens, atividades e convicções, unidos por uma comunhão de valores: democracia, justiça e respeito aos direitos humanos. Neste momento grave na história de nosso país, consideramos nosso dever chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade internacional para a grande injustiça que vem sendo cometida contra um líder que encarna aqueles valores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por entendermos que a prisão de Lula atinge o cerne da cidadania, do estado de direito e da verdadeira justiça no Brasil, apoiamos e divulgamos este documento que denuncia os abusos e ilegalidades de um processo cruel, conduzido com parcialidade e objetivos políticos. E como não há nada oculto que não venha a ser revelado, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal corrigir esse erro, para restabelecer a verdade e proporcionar a pacificação democrática do país.

Celso Amorim, diplomata
Chico Buarque de Hollanda, compositor
Dalmo de Abreu Dallari, jurista
Gilberto Gil, músico
Kleber Mendonça Filho, cineasta
Leonardo Boff, teólogo
Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista
Maria da Conceição Tavares, economista
Maria Victoria Benevides, socióloga
Marilena Chauí, filósofa
Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político
Raduan Nassar, escritor
Rogério Cezar de Cerqueira Leite, físico
Sebastião Salgado, fotógrafo

Lula preso, corruptos soltos: a farsa da Lava-Jato
Em dezembro de 2015, tão logo foi iniciado o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a Operação Lava-Jato dirigiu seus esforços para condenar e prender o ex-presidente Lula, contando com a sistemática colaboração da grande mídia. Daquele momento em que Sérgio Moro começou a espionar o ex-presidente até agosto de 2016, o Jornal Nacional da TV Globo deu 13 horas de notícias contra Lula, 4 minutos por noite, segundo o Laboratório de Estudos de Mídia da UERJ. Assim o país foi preparado para a denúncia do PowerPoint de Deltan Dallagnol, que viria em setembro. Foi a maior campanha jamais vista contra um líder brasileiro, precedendo a prisão injusta e a cassação da candidatura de Lula em 2018.

Nunca é demais lembrar que Dallagnol denunciou Lula sabendo que o tríplex não era dele; que não havia fatos para acusar, só as “convicções” dos procuradores e uma notícia de jornal velha e falsa. E que Sérgio Moro nem poderia ter julgado Lula, pois admitiu no processo não haver relação entre a reforma do imóvel e os contratos suspeitos que atraíam os casos da Petrobrás para a Vara de Curitiba. Lula foi condenado por “atos indeterminados”, ou seja, porque o juiz queria assim e porque, mesmo sem provas, o réu já havia sido sentenciado nas manchetes e na TV.

Lula perdeu a liberdade e o Brasil desencontrou a paz. A sociedade brasileira foi envenenada pelo ódio político, inoculado nas redes sociais, na imprensa, nos templos, escolas e quartéis. Intolerância e desprezo se ergueram contra toda tentativa de duvidar da Lava-Jato e seus métodos, de divergir do discurso dominante até mesmo nos meios acadêmicos. A prisão de Lula virou dogma da cruzada “moral” que também condenou a visão política, social e econômica que seu governo representou: soberania nacional, justiça social e crescimento com inclusão. Era para marcar o fim de uma era.

Mas hoje é impossível não reconhecer que Lula merecia um julgamento justo e não a farsa judicial armada para prendê-lo. E hoje está claro que, ao contrário de enfrentar a impunidade e a corrupção, a Lava-Jato corrompeu-se, corrompeu o sistema judicial e o processo eleitoral, mentiu ao país e aos tribunais, deixou impunes dezenas de criminosos confessos que Sérgio Moro perdoou e que continuam muito ricos. As prisões espetaculares, ao vivo na TV, criaram na população uma inédita sensação de justiça que, no entanto, era desfeita sem alarde no balcão de negócios das delações bem premiadas.

Sérgio Moro comandou cada passo da perseguição ao adversário político tratado por ele como inimigo a ser abatido, contrariando as leis e o Estatuto da Magistratura que dizem como deve se portar um juiz imparcial. Com o incentivo e a cobertura da mídia para cometer abusos e ilegalidades, Moro chefiou a força-tarefa do Ministério Público Federal no Paraná e as ações truculentas da Polícia Federal. Foi policial e acusador de um caso em que sequer poderia ter sido juiz.

Todas as violações e crimes cometidos contra Lula foram denunciados por sua defesa, mas sistematicamente censurados pela Globo. Cúmplices, contaminados ou intimidados, os grandes da mídia jamais deram uma versão equilibrada do que está nos autos do processo, nem mesmo quando, em outubro de 2016, o Comitê de Direitos Humanos da ONU aceitou preliminarmente a denúncia de perseguição judicial no Brasil contra Lula, o que transformou a Lava-Jato num caso internacional de lawfare.

O muro de silêncio sobre a parcialidade do ex-juiz só começou a ruir quando Sérgio Moro largou a carreira para ser ministro de Bolsonaro, o presidente que ele ajudou a eleger quando condenou o líder das pesquisas eleitorais. Ali ficaram evidentes a motivação e o alinhamento político do ex-juiz ao candidato que montou a indústria de mentiras contra Lula e o candidato do PT, usando dinheiro sujo que o ministro Moro varre para debaixo do tapete ao invés de mandar investigar.

A partir de 9 junho de 2019, quando o site The Intercept Brasil começou a divulgar as mensagens secretas do WhatsApp de Deltan Dallagnol para Moro e os procuradores de Curitiba, Brasília, São Paulo e Rio, os crimes da Lava-Jato foram expostos ao público de maneira vergonhosa para o Ministério Público e o sistema judicial brasileiro. A imprensa mundial cessou os elogios que sempre fizera à Lava-Jato e passou a denunciar a as fraudes e abusos cometidos contra Lula.

Apesar da censura no Jornal Nacional às notícias sobre as mensagens e do esforço para criminalizar a “Vaza-Jato”, 53% das pessoas souberam das conversas secretas de Moro e Dallagnol, segundo o instituto Vox Populi. A comunidade jurídica nacional e internacional repudiou o conluio ilegal entre juiz e promotores, que forjaram acusações, prenderam para intimidar, grampearam advogados e a presidenta da República, manipularam vazamentos, ocultaram provas, mentiram para a Suprema Corte, zombaram da lei e até do luto de Lula.

Não há mais como esconder tantos abusos. Por isso, dobram a aposta na mentira, até para influir no julgamento de ações que sequer dizem respeito diretamente a Lula, mas ao princípio constitucional da presunção da inocência. É falso, por exemplo, afirmar que milhares de criminosos seriam soltos porque a Constituição garante a todos o direito de recorrer em liberdade. A lei já determina a prisão cautelar de quem de fato ameaça a sociedade. Só não é nem poderia ser uma regra automática, tem de ser fundamentada em cada caso pelo juiz.

Não foram os recursos de “advogados caros” nos tribunais superiores os responsáveis por soltar, até agora, pelo menos 120 dos 159 condenados na Lava-Jato. Foi Sérgio Moro e foram seus procuradores que promoveram tamanha injustiça, ao negociar acordos de impunidade com corruptos confessos, vendendo até o perdão que a lei não autoriza, em troca de qualquer palavra que lhes servisse, mesmo falsamente, para incriminar Lula. Foi Moro quem libertou, pela segunda vez, o doleiro Alberto Youssef, condenado a 122 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, que já voltou a operar na bolsa.

Hoje não é mais possível protelar o julgamento pelo STF do habeas corpus em que a defesa de Lula requer a anulação da sentença de Moro e o direito do ex-presidente ao julgamento justo que ele não teve. A defesa demonstrou e a Vaza-Jato escancarou que Moro foi parcial contra Lula desde o início do processo, assim como os procuradores. Por isso, renova-se a pressão sobre o STF, de forma a partidarizar uma decisão que deve ser tomada à luz da lei e dos autos unicamente.

Em abril de 2018, uma pressão absurda envolveu até o alto comando do Exército e resultou numa estranha decisão, em que o STF negou habeas corpus a Lula, apesar de a maioria dos ministros entender que ele tinha, como todo cidadão, direito de recorrer em liberdade. Em setembro, mecanismo semelhante foi acionado para fazer o Tribunal Superior Eleitoral desacatar a determinação da ONU que garantia a Lula o direito de ser candidato, mesmo estando preso. Rasgaram a lei eleitoral e o Pacto Internacional dobre Direitos Civis e Políticos, assinado e ratificado soberanamente pelo Brasil.

Chega! O estado de direito democrático não pode ser tutelado por pressões nem tolerar exceções que discriminem um único cidadão. Não há nada na Constituição dizendo que ela vale para todos, exceto os que se chamem Luiz Inácio Lula da Silva. Existe um só Código Penal Brasileiro; não pode haver um Código Penal do Lula, ou só para o Lula nem contra o Lula. O Brasil e a democracia já pagam altíssimo preço pela prisão ilegal do ex-presidente e a cassação de sua cidadania. Só a vingança política, o ódio cego e a insensibilidade fria podem prolongar uma injustiça que perdura desde 7 de abril de 2018.

Quatro anos depois do início da caçada a Lula, quem está hoje no banco dos réus é Sérgio Moro, que enganou o país, violou a lei, perdoou milionários corruptos e condenou centenas de milhares de trabalhadores ao desemprego; são os procuradores de Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot, que usaram a Lava-Jato para obter fama, poder e fortuna, que entregaram a Petrobrás aos interesses dos Estados Unidos, num crime de lesa-pátria e num suborno judicial que renderia milhões a uma fundação privada sob seu controle, não fosse a reação indignada da sociedade e a tempestiva intervenção do STF. Foram eles que levaram a Petrobras ao banco dos réus em Nova Iorque, sangrando a estatal em 4,8 bilhões de dólares.

São estes fatos que exigem a reflexão da sociedade, a mobilização da cidadania e a ação da Suprema Corte, guardiã da Constituição. Por mais poderosos que sejam os interesses contrariados, políticos e econômicos, o país precisa reencontrar a plenitude do estado de direito para restabelecer as bases do diálogo democrático, que não pode excluir nenhuma corrente ou liderança política, seja pelo arbítrio, seja pela intimidação ou por qualquer forma de injustiça. Chega! Lula merece justiça e o Brasil precisa de paz.

Brasil, 6 de novembro de 2019

REDES SOCIAIS

Fernando Haddad: “Bolsonaro nos torna uma presa fácil num mundo de predadores profissionais”.

8 de novembro de 2020

Ele analisa a política externa do atual governo brasileiro, que coloca o futuro do país em cheque em meio ao embate que está por vir, com o democrata Joe Biden na Casa Branca

Via Jornal GGN em 7/11/2020

O político e professor, Fernando Haddad, aponta o cenário da geopolítica mundial em sua coluna publicada na Folha de S. Paulo, no sábado [7/11]. Para ele, a política externa do atual governo brasileiro coloca o futuro do país em cheque em meio ao embate que está por vir, com o democrata Joe Biden na Casa Branca.

“O amadorismo de Jair Bolsonaro nos torna uma presa fácil num mundo de predadores profissionais”, observou o político sobre o comportamento do Brasil em relação à China.

Para ele, “diante do comportamento errático do governo brasileiro, em que presidente e vice se contradizem diariamente” a China avança escolhendo outros países para exportação de suas demandas.

Haddad também fala sobre a vitória de Biden nas eleições presidenciais americanas: “devemos esperar mudanças em relação ao meio ambiente, nas dimensões climática e sanitária e em relação aos direitos humanos quanto ao racismo e à xenofobia. Biden parece também ter mais apreço pela democracia, pelo menos no seu próprio país”, escreveu.

No entanto, em relação à geopolítica “pouca coisa se altera com Biden”, analisou. “Os Estados Unidos continuarão de olho no petróleo da Venezuela e da Arábia Saudita, dizendo defender a democracia naquele país enquanto apoiam a monarquia absolutista neste outro, sem nenhum constrangimento. Verão com alegria prosperar a dolarização das economias latino-americanas, agora com o apoio do Brasil, prestes a autorizar depósito bancário em moeda estrangeira”.

***

HADDAD E O FUTURO DE BOLSONARO APÓS A DERROTA DE TRUMP
Bernardo Mello Franco em 7/11/2020

Comentário de Fernando Haddad, ex-presidenciável do PT, sobre o impacto da derrota de Donald Trump na política brasileira:

“Agora o Bolsonaro é o cachorro que caiu do caminhão de mudança”.

REDES SOCIAIS

Miliciano Adriano fazia parte de núcleo executivo das rachadinhas de Flávio Bolsonaro, diz MP

8 de novembro de 2020

O MP afirma, que entre 2007 e 2018, foram desviados para a organização criminosa mais de R$1 milhão, por meio da esposa e mãe de Adriano

Via Jornal GGN em 7/11/2020

O Ministério Público afirmou que o miliciano Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro deste ano durante operação policial na Bahia, fazia parte do esquema da rachadinha do senador Flávio Bolsonaro, que tinha como operador o ex-assessor Fabrício Queiroz na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), na época em que 01 era deputado estadual.

A informação foi dada com exclusividade no Jornal Nacional, da TV Globo, na noite de sexta-feira [6/11]. A reportagem foi ao ar mesmo diante da notícia-crime aberta pelo filho de Bolsonaro (sem partido) contra os apresentadores Renata Vasconcellos e William Bonner.

De acordo com a matéria, de Arthur Guimarães e Hélter Duarte, a denúncia do Ministério Público, apresentada após a conclusão do inquérito, aponta que Adriano da Nóbrega integrava o núcleo executivo do esquema criminoso e era próximo a Fabrício Queiroz e a Flávio Bolsonaro.

Segundo o MP, em 2007, ano em que Queiroz foi contratado como assessor parlamentar de Flávio, a esposa do ex-policial Adriano da Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa, também foi nomeada no gabinete. Já em 2015, a mãe do miliciano, Raimunda Veras Magalhães, também se tornou assessora parlamentar de Flávio.

No entanto, as contratadas eram funcionárias fantasmas. O MP afirma, que entre 2007 e 2018, foram desviados para a organização criminosa mais de R$1 milhão, por meio da esposa e mãe de Adriano.

Além disso, a denúncia aponta que o esquema da família do miliciano transferiu outros R$400 mil para Queiroz.

REDES SOCIAIS

Bolsonaro cria seu próprio horário eleitoral

8 de novembro de 2020

Presidente promete atuação diária para candidatos que apoia nas eleições municipais. Procuradoria Eleitoral pede apuração.

Via Jornal GGN em 8/11/2020

A uma semana das eleições municipais, o presidente Jair Bolsonaro prometeu que vai atuar de forma mais efetiva junto aos candidatos que apoia.

“A partir de segunda-feira, está quase certo que todo dia, às 19 horas, eu vou ter o meu horário eleitoral gratuito”, disse o presidente durante uma live onde pediu votos à Coronel Fernanda (Patriota), candidata ao Senado pelo Mato Grosso – o Estado está com uma vaga em aberto por conta da cassação de Selma Arruda, no ano passado.

Como explica o jornal O Globo, Bolsonaro já usou sua live na quinta-feira [5/11] para pedir votos à Coronel Fernanda e outros candidatos, afirmando que faria seu próprio horário eleitoral gratuito.

Por conta do posicionamento do presidente, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) do Rio de Janeiro fez um pedido ao Ministério Público Estadual (MP/RJ) para investigar a veiculação de vídeos de Bolsonaro fazendo propaganda para candidatos, considerando um possível cometimento de ilícitos eleitorais no material divulgado.

Lula explica por que a Petrobrás esconde seus contratos com os Estados Unidos

8 de novembro de 2020

Ex-presidente compartilha reportagem que revela que não há nenhuma prova contra ele nos contratos da Petrobrás com os Estados Unidos.

Via Brasil 247 em 1º/11/2020

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou que a postura da Petrobrás no sentido de não oferecer detalhes dos acordos com os Estados Unidos são um reflexo da inocência dele, apontado sem provas pela Operação Lava-Jato como líder de um esquema de corrupção na estatal.

“Por isso a estatal se nega a fornecer à defesa do ex-presidente contratos firmados com autoridades dos EUA”, escreveu o ex-presidente no Twitter, ao compartilhar uma reportagem do jornal O Globo e destacada pelo Brasil 247 apontando que a estatal não citou ele ao tratar de corrupção em documentos enviados a autoridades americanas.

Os papéis foram direcionados ao Departamento de Justiça (DOJ), à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, e à Justiça de Nova Iorque, a estatal dedicou um capítulo sobre corrupção.

“E nele, a petroleira não cita Lula nem o PT, acusando apenas cinco ex-diretores da companhia e dois ex-governadores”, disse o jornalista Ascanio Seleme.

Chile acabou com “seu SUS” sob Pinochet, a inspiração econômica de Guedes

8 de novembro de 2020
Colagem: Gabriela Leite.

Lucas Borges Teixeira, via UOL em 31/10/2020

Hoje privatizado, o sistema de saúde do Chile já foi público e cobria toda a população. A mudança ocorreu durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), cuja política econômica vinha da mesma escola liberal do atual ministro da Economia, Paulo Guedes.

Especulações sobre uma possível privatização do SUS (Sistema Único de Saúde) ganharam destaque na última semana depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou um decreto que permitia estudos para parcerias entre os setores privado e público para construção e administração de UBS (unidades básicas de saúde).

Após repercussão negativa, o presidente revogou a medida, mas afirmou que editará um novo decreto na semana que vem. Diferentemente do que ocorreu no Chile, Guedes negou que tenha a intenção de privatizar o SUS. Para pesquisadores, as mudanças liberais proporcionaram melhoras nos índices de saúde por lá, mas aumentaram a desigualdade social.

A ditadura liberal de Pinochet
O SNS (Sistema Nacional de Saúde) chileno foi criado em 1952 baseado no NHS (National Health Service) britânico, considerado o primeiro sistema de saúde unificado no mundo. Quando surgiu, ele não tinha cobertura universal, seu financiamento era vinculado à contribuição do Seguro Social.

O SNS ficou mais parecido com o SUS brasileiro entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970, sob o governo de Salvador Allende. De acordo com um estudo de Maria Eliana Labra, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), nesta época, o sistema cobria 100% da população na questão de saúde pública e prestava atenção médica e hospitalar a 90%. De fora, ficavam apenas as Forças Armadas, que mantinham sistemas de saúde próprios, como é até hoje.

Com o golpe militar chileno em 1973, Pinochet passou a adotar uma agenda liberal que tinha como dois dos principais pilares a abertura para o mercado externo e privatizações. Entre as medidas adotadas, houve o fim de um fundo previdenciário coletivo, como o INSS brasileiro, e a transformação do SNS em SNSS (Sistema Nacional de Serviços de Saúde), um órgão que fornecia 27 serviços de saúde de forma autônoma.

“O objetivo era introduzir a iniciativa privada na saúde, seguindo as diretrizes neoliberais organizadas e endossadas na Constituição de 1980, onde o direito à saúde era entendido como a oportunidade de escolha do sistema de saúde ao qual se filiar”, afirmou ao UOL a organização chilena Salud para Todas y Todos,

Foram criados dois fundos de contribuição: o Fonasa (Fundo Nacional de Saúde), que oferece assistência pública com possibilidade de contratação privada, e as Isapre (Instituições Previdenciárias de Saúde), totalmente privado.

Na prática, segundo pesquisadores chilenos e brasileiros da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), isso significou uma divisão entre “as pessoas que tinham os maiores salários, que puderam comprar seus planos de saúde no mercado das Isapre”, “os setores médios, que puderam optar pela modalidade de livre escolha do Fonasa para o atendimento com prestadores privados, fazendo copagamentos” e, por fim, “os setores com os salários mais baixos, ou desempregados, que eram atendidos nas unidades de saúde do Estado gratuitamente”.

Para fazer parte do terceiro grupo é preciso comprovar situação de pobreza e a consequente impossibilidade de pagar pelos fundos. “A saúde no Chile não é mais um direito universal, mas sim a possibilidade de escolher entre estes dois subsistemas de muitos contrastes”, afirma o Salud para Todas y Todos.

Desigualdade cresceu
No estudo publicado em 2001, Labra ressalta que, à época, a situação de saúde chilena se apresentava melhor que a brasileira. Para ela, as mudanças neoliberais contribuíram para que seus indicadores de saúde estivessem “próximos dos níveis de países mais desenvolvidos.”

Por outro lado, o fim da universalidade acentuou a desigualdade no país. Hoje, segundo o Salud para Todas y Todos, uma família chilena gasta, em média 33% de sua renda para ter acesso à saúde enquanto o índice de outros países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 8,5%. Além disso, 78% da população depende do Fonasa ao passo que apenas 17% consegue pagar as Isapre.

“Os processos que conduziram à dualidade do sistema de saúde do Chile não apenas reproduzem as desigualdades sociais do conjunto social, como as ampliam, resultando na manutenção de altos índices de desembolso direto, o que contribui para a insegurança e desproteção de ambas as populações, mas, certamente, com maior impacto nos setores menos favorecidos”, conclui o estudo da UEFS.

Guedes vem da mesma escola
Paulo Guedes é da mesma escola ultraliberal que os idealizadores do plano econômico da ditadura de Pinochet. Foi na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, nos anos 1970, que o atual ministro da Economia conheceu os “Chicago Boys”, como ficaram conhecidos os economistas do ditador, seguidores de Milton Friedman.

Foi por meio deles que Guedes foi dar aula Universidade do Chile, em Santiago, no início dos anos 1980, convidado por Jorge Selume, então diretor da Faculdade de Economia e Negócios e diretor de Orçamento de Pinochet. A universidade, comandada por militares, era o centro de formulação da política econômica da ditadura.

Diferentemente de seu chefe, Guedes nunca fez alusões públicas positivas à ditadura chilena. “Eu sabia zero do regime político. Eu sabia que tinha uma ditadura, mas para mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual”, declarou à revista Piauí, em 2018, ao falar do período.

Agora, o Chile indica uma possibilidade real de mudança deste sistema. No último dia 26, 78% dos chilenos votaram, em plebiscito popular, pelo fim da Constituição ditatorial de 1980 e decidiram por uma nova Carta Magna – a primeira a ser constituída por uma assembleia eleita pelo voto popular, como a nossa de 1988.

Por aqui, Guedes já afirmou que privatização do SUS seria impensável e não entra e nunca esteve em análise. Após a repercussão negativa sobre o decreto, Bolsonaro revogou a medida na quarta [28/10], mas já afirmou que deverá editar um novo na semana que vem.


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