A questão, para esse projeto evangélico reacionário, é inserir o indivíduo no mercado de trabalho de forma submissa, sem consciência de classe para que possa lutar por seus direitos, e temente a Deus, o que o tornaria relativamente obediente por meio de toda ideologia que envolve o ideal cristão de submissão a Deus.
Raphael Silva Fagundes, via Revista Fórum em 4/8/2020
Nada de erradicar a fome, ou o analfabetismo. Muito menos combater a corrupção. O cristofascismo é o novo projeto de nação inaugurado pela facção da burguesia que assumiu o poder.
Este projeto tem como foco despolitizar a classe operária de modo a retirar o elemento econômico de sua moralidade. Deste modo, a causa dos problemas sociais seriam elementos comportamentais, ideológicos, espirituais etc., jamais a prevalência dos interesses do capital em relação ao trabalho.
A apropriação de um discurso violento por um cristão é fruto de ser ele vítima da violência. As seitas neopentecostais se encontram, em sua maioria, em locais marcados historicamente pela violência. O discurso violento das letras de funk e o discurso violento do fiel têm a mesma origem social.
Pode-se constatar que a violência do bandido não é demonizada neste meio. Há traficantes evangélicos que atuam para ampliar o mercado dos neopentecostais nas favelas, depredando terreiros e expulsando pais de santo. Pedem proteção aos pastores locais, financiam shows gospel com o dinheiro do tráfico e acreditam que um dia, em nome de Deus, sairão do mundo do crime, como mostram as pesquisas de Christina Vital da Cunha sobre o Acari.
Ou seja, para o discurso cristofascista, o problema não é a violência. Não seria muito difícil pensar que estes traficantes sejam, em grande parte, bolsonaristas, a partir desta relação com as seitas neopentecostais que já reconheceram o presidente como um enviado de Deus. Além disso, “fotos do presidente Jair Bolsonaro têm sido utilizadas por traficantes em pinos de cocaína, que são embalagens usadas para a venda pelo tráfico”. [1] “Em Mogi Mirim, embalagens de maconha com a inscrição ‘Bolson Bek’ traziam a foto do presidente Bolsonaro”. [2]
A questão, para esse projeto evangélico reacionário, é inserir o indivíduo no mercado de trabalho de forma submissa, sem consciência de classe para que possa lutar por seus direitos, e temente a Deus, o que o tornaria relativamente obediente por meio de toda ideologia que envolve o ideal cristão de submissão a Deus. O trabalhador deve ser temente a Deus e à burguesia.
Algo semelhante dizia o reverendo Morgan Godwyn para os senhores de escravos da América do Norte, quando estes se recusavam a catequizar os africanos com medo dos cativos aprenderem o inglês no processo, podendo, assim, se unir e lutar contra a ordem escravocrata. “O [cristianismo]”, disse o reverendo, “professa absoluta e total obediência a governantes e superiores, como pode ser extraído de várias passagens das Escrituras”.
Há hermenêuticas libertárias da Bíblia. Podemos começar com o próprio Paulo em Gálatas: “É para a liberdade que Cristo nos libertou”. Mas o que deve prevalecer, neste projeto bolsonarista de nação, é o pseudoprotestantismo moralista que “faz de Deus um ser domesticado, ‘engaiolado’ – simulacro da verdade objetiva”. O ideal protestante de libertar a interpretação das Sagradas Escrituras do monopólio da Igreja, dissipou-se no projeto neopentecostal.
“Bandido bom é bandido morto” esconde na verdade a ideia de que um trabalhador bom é um trabalhador burro. Esse sempre foi o projeto do capital. Ao longo da história mudaram-se as formas de atingir este objetivo.
Desde as origens do capitalismo buscou-se empregar “indivíduos meio idiotas em certas operações simples que constituíam segredos de fabricação”. Marx lembra as palavras de Adam Smith que descreviam a imbecilidade do trabalhador: “Um homem que despende toda a sua vida na execução de algumas operações simples […] não tem oportunidade de exercitar sua inteligência […] Geralmente, ele se torna tão estúpido e ignorante quanto se pode tornar uma criatura humana”. “Assim, sua habilidade em seu ofício particular parece adquirida com o sacrifício de suas virtudes intelectuais…”. Adam Smith, pelo menos, defendia uma instrução mínima popular bancada pelo Estado, outros já se perguntavam se o governo deveria realmente empregar parte de sua receita para isso.
O cristianismo foi usado diversas vezes contra as forças produtivas. Legitimou a escravidão, Lutero o usou contra os camponeses, os luteranos defenderam Hitler e os protestantes holandeses apoiaram o apartheid. Hoje nos deparamos com uma nova empreitada das elites para a manipulação do cristianismo para impor seus interesses aos interesses das classes dominadas.
Para fazer vigorar o neoliberalismo e sepultar a economia moral dos pobres, a que luta pela concretização dos direitos garantidos em lei, a burguesia vem se aliando às forças conservadoras e usando das manifestações culturais disseminadas entre os trabalhadores para empobrecê-los politicamente. Esse projeto atualmente usa as seitas neopentecostais formando assim cristofascismo neoliberal.
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