Caique Lima, via DCM em 1º/8/2020
Na semana passada, foi revelado pelo UOL que um órgão do Ministério da Justiça montou uma ação sigilosa contra servidores “antifascistas”.
Pelo menos 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários tiveram seus nomes e, em alguns casos, fotos e redes sociais, compilados em um dossiê pela Seopi (Secretaria de Operações Integradas).
Em defesa da secretaria, o Ministério da Justiça disse que a atividade prestada não se trata de “investigação” e que “se direciona exclusivamente à prevenção de prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas”:
“Não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, muito menos com caráter penal ou policial. Não compete à Seopi produzir ‘dossiê’ contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial”.
No entanto, a reportagem do UOL afirma que o documento foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país.
Alguns dos alvos da ação foram, inclusive, monitorados, e membros do “movimento de policiais antifascismo” relataram já haver retaliações.
Para Denise Assis, que é jornalista e pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade, a ação simboliza uma volta do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), um órgão que apurava denúncias contra opositores da ditadura e encaminhava nomes ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) ou ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna).
“Essa pessoa [denunciada] era presa pela Polícia Civil, torturada, morta ou desaparecida”.
Ela conta que, à época, as informações eram coletadas pelo Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), órgão cujas fichas e monitoramentos originaram o SNI, que fiscalizava a vida dos opositores no país.
Cerca de 3 mil dossiês foram produzidos com informações das principais lideranças políticas, sindicais e empresariais do país.
Para Denise, o fato de a secretaria ser comandada por um policial civil e a Diretoria de Inteligência (Dint) ser comandada por um servidor de formação militar corroboram com a conclusão de que a secretaria é “um novo SNI”.
Denise ainda aponta que a Seopi concretiza o que Bebianno chamou de “Abin paralela”:
“É um sistema paralelo de vigilância. Isso estava sendo arquitetado pelo Carlos Bolsonaro junto do General Heleno”.
Transparência
Até o início de 2020, as ações da Seopi eram desenvolvidas por uma coordenadoria, mas, com um decreto de Bolsonaro, ela foi elevada ao status de secretaria.
A repartição é cercada de mistérios.
No portal do governo, suas atribuições não aparecem.
No Portal da Transparência, ao buscar por despesas e receitas o resultado é: “Nenhum registro encontrado”.

Busca por receitas e despesas da secretaria não retorna nenhum resultado. Foto: Reprodução/Portal da Transparência.
Na aba de notícias, a única que pode ser encontrada é o “Edital nº 4/2020” que anuncia o resultado de um processo seletivo. A minuta? Inexiste.
Denise conta que tentou encontrar mais detalhes acerca do edital no site. Sem sucesso, ligou para a assessoria da secretaria e foi pedido que ela solicitasse a informação por e-mail.
Até o momento, ela não obteve resposta.
“Eles são órgão obscuro dentro de um sistema que é muito perigoso, que é o sistema de informação. Se isso não é um SNI, é o quê?”.
“É um aparelho, que se for restabelecido, como aparenta ser, é muito poderoso e representa um perigo iminente para a democracia”, completa.
Consequências
Por conta da ação da secretaria, o ministro da Justiça, André Mendonça, já foi enquadrado pelo MPF e por parlamentares.
Existem atualmente três pedidos de convocação do ministro para que preste esclarecimento ao Congresso.
O MPF do Rio Grande do Sul abriu um procedimento para buscar informações sobre o dossiê.
Mendonça disse, na sexta [31/7], que soube da ação “pela imprensa”. Todavia, o Decreto 9.662, diz que compete à secretaria “assessorar o Ministro de Estado nas atividades de inteligência e operações policiais, com foco na integração com os órgãos de segurança pública federais, estaduais, municipais e distrital”.
***
MINISTRO DA JUSTIÇA DIZ QUE NÃO PODE “CONFIRMAR E NEM NEGAR” EXISTÊNCIA DE DOSSIÊ CONTRA ANTIFASCISTAS
André Mendonça tergiversou ao ser confrontado com o assunto em entrevista à GloboNews; MPF instaurou um procedimento preliminar para buscar informações sobre o dossiê, que lista 579 servidores públicos que apoiam movimentos e atos antifascistas.
Via Revista Fórum em 2/8/2020
Durante entrevista à jornalista Natuza Nery, da GloboNews, na noite de domingo [2/8], o ministro da Justiça, André Mendonça, se enrolou para responder a uma pergunta sobre um “dossiê secreto” que teria sido produzido por sua pasta com o intuito de perseguir servidores considerados antifascistas.
“Não posso confirmar, nem negar a existência”, tergiversou o ministro, ao que a jornalista respondeu afirmando que, quando Mendonça diz “nem que sim, nem que não”, fica clara a existência do documento.
Segundo reportagem de Rubens Valente, do UOL, publicada em 24 de julho, 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários aparecem em uma lista montada pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, em junho, em meio ao avanço das mobilizações antifascistas no país.
O primeiro documento do órgão foi nomeado “Ações de Grupos Antifa e Policiais Antifascismo” e se baseia no manifesto “Policiais antifascismo em defesa da democracia popular”, subscrito por 503 agentes, mas leva em conta a participação nas redes e em atos.
MPF
No dia 28 de julho, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento preliminar para buscar informações sobre o dossiê.
Em ofício ao governo federal, o procurador regional dos Direitos do Cidadão Enrico Rodrigues de Freitas, que atua no Rio Grande do Sul, deu prazo de dez dias para que sejam fornecidas informações como a base legal que justificou a apuração, a indicação do objeto do relatório de inteligência e a motivação de sua instauração.
O objetivo do procurador é verificar “existência de elementos que indiquem uma atuação estatal de eventual cerceamento ou limitação da livre expressão do pensamento de cidadãos e profissionais, por meio dossiê ou relatório sigiloso elaborado pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
REDES SOCIAIS
Os comentários sem assinatura não serão publicados.