Banestado: Caro mesmo eram os 200 dólares pagos ao delegado

Armando Rodrigues Coelho Neto, via Jornal GGN em 27/7/2020

Você sabe com quem está falando? Aprendi com meu mestre Adilson Citelli, na USP, coisas sobre o tal discurso autorizado. Portanto, “não sou quem” para tocar em certos assuntos. E, ainda que discorde, as falas nas quais me inspirei para escrever, padecem do mesmo mal. São tidas como marginais ou desautorizadas,

São essas tais elites que credenciam o discurso autorizado. Existem pessoas previamente autorizadas a falar de determinados temas. Se você é o doutor fulano de tal, vale o que você diz. Por exemplo, se deu na TV Globo, para o grande público é verdade. Foi assim que Moro virou “herói Zé Roela” e Lula ladrão.

Aos fatos!

Meu primeiro contato com o caso Banestado veio por meio de um telefonema de um conhecido médico de São Paulo, ligado ao alto tucanato. Estava preocupado com um cheque de origem duvidosa. Desconhecia a origem, mas chegara em boa hora. A rigor, ele tinha uma imagem a zelar. “Em política a gente nunca sabe tudo, né?”.

Liguei para um colega da PF/PR, dizendo: use a mesma liberdade com a qual te pergunto, para me dizer sim ou não. O colega não respondeu sim nem não, disse apenas que cheques abaixo de um valor X iriam passar batidos, pois o tamanho do rombo não comportaria correr atrás de quinquilharias. O que seriam quinquilharias?

Não sei o valor do cheque do médico, não sei no que deu, mas soube que o Caso Banestado andou, mas teria andado sem andar. Bem depois, soube que meu colega delegado Castilho (que não é o delegado a quem perguntei sobre o cheque) estava passando por uns perrengues na Polícia Federal. “Fala demais”, disseram.

Tentamos dar uma força paro Castilho por meio da revista de uma das entidades de classe e, bem mais tarde, em Brasília, quis saber afinal de contas que raio de perrengue era aquele do colega. A resposta foi a mesma que muitos dão, como a que um ex-diretor da PF deu recentemente ao jornalista Bob Fernandes.

Por exemplo, falta de verba para manter o delegado nos Estados Unidos, quando investigava o Caso Banestado. É como se não houvesse muito dinheiro em jogo, como se o Brasil não estivesse sendo saqueado. Foi no mínimo paradoxal a justificativa apresentada para o afastamento do delegado Castilho.

Sim. Castilho estava recebendo diárias em dólares, o que é normal, legal e honesto. Sim, às vezes ficava algum tempo ocioso, porque as coisas não saiam no tempo desejado. Os Estados Unidos só passaram a se preocupar pra valer com movimentação bancária ilícita, depois do 11 de Setembro.

Tinha outras. Se as autoridades norte-americanas diziam, só em 45 dias respondemos, não tinha jeito de sair no 44º dia. Mas, Castilho e equipe recebiam em dólares, e isso causava mais inveja do que qualquer coisa. Dólares ínfimos (ainda que muito para a combalida PF), diante da dinheirama roubada do esquálido Brasil.

Sim, também sei que alguma coisa andou. Como me disse um delegado, “tem gente falando de coisas que só leu a capa ou a manchete; não sabe como começou, terminou, quanto foi recuperado, nem quantas pessoas foram processadas e presas… o que anda aparecendo por aí tem cheiro de pólvora queimada”.

É público, inclusive, que o ex-juiz Sérgio Moro arquivou alguma coisa por falta de materialidade. Naquele tempo, parece que Moro não se angustiava com a verdade real, mas tão somente a verdade formal, ou seja, só vale o que está escrito e não o que procuradores e juízes têm em suas cabeças. Nada de convicções.

Mas, o Brasil quer saber do que não se fez e porque faltou materialidade para condenação. Certamente “judge Morrou” (obrigado Paulo Henrique Amorim) não era juiz investigador como o foi na Farsa-Jato. Do mesmo modo, não se ensaiava golpe de estado, nem a Globo nem o discurso autorizado queriam condenar ninguém

Legal ou ilegalmente, o Banco Araucária (família Bornhausen), suporte do governo FHC, teria movimentado 2,3 bilhões de reais. A TV Globo superou 1,6 bilhão de reais. Mais tímidas, SBT, Editora Abril, TVA e Abril Vídeos (Amazonas) figuram com quase 100 milhões. Cervejarias, bancos, importadoras conhecidas estão na lista.

Juntas, figurinhas carimbadas da Farsa-Jato, tais como Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa ultrapassaram 1 bilhão de reais, lembrando que todos os valores aqui citados carecem de atualizações. Tudo isso acabou numa gigantesca pizza, com raias miúdas condenadas.

O canal Duplo Expresso (DE) reabriu a fossa do Banestado. Ouviu o procurador da República Celso Três e o delegado federal Castilho. Longe de ser coisa requentada, o canal jogou no ar uma lista reveladora de que a elite moralista do Brasil (“Fora PT”), não tem currículo, mas sim capivara.

O programa fala de uma lista VIP de possíveis salafrários. Prudente quanto aos nomes, deixa no ar: “seriam homônimos?”. Mas, uma cédula de dólar com o rosto do atual presidente do TSE é delatora. Sim, o presidente do tribunal que impediu a candidatura de Lula e que vai julgar a fraude eleitoral de 2018 seria um VIP.

Estar na lista divulgado pelo DE não é necessariamente ser criminoso. Mas, muitas remessas ilegais ocorreram. Mas, remessas altas feitas por agências bancárias nanicas nunca chamaram a atenção do Banco Central, que aliás, só atrapalhou com informação errada, segundo o procurador Celso Três.

O escândalo do Banestado tem fatos pitorescos. Um vendedor de cachorro quentes em Foz do Iguaçu fazia remessas milionárias. Uma das gerentes de contas seria esposa de um dos procuradores da Farsa-Jato. Como o leitor constata, sempre foi farsa. O juiz era o mesmo, os doleiros e a clientela também.

A lista teria sido utilizada para extorquir dinheiro para caixa 2 de campanhas. Política com regras sujas tem disso. E, como disse o médico citado lá em cima, “Em política a gente nunca sabe tudo”. Mas, sabe alguma coisa: regras obscuras, imorais, ilegais e outras até engordam (contas!). E o PT parece ter sucumbido a mais isso.

O Caso Banestado é uma chaga aberta com crimes não prescritos; muitos credores da dívida pública são na verdade devedores do País. É símbolo da corrupção com a qual a elite sempre conviveu, e que as instituições, entre eles as FFAA, aí estão para garantir que tudo fique como está, inclusive com voto manipulado.

O bom de não crer em bruxas é saber que “las hay”, de modo ser intrigante parar, quebrar o fluxo investigativo, perder o princípio da oportunidade para recuperar, à época, 134 bilhões de dólares. Caro mesmo era pagar 200 dólares por dia para o delegado Castilho, que mal pagava um hotel três estrelas com café da manhã…

Repedindo: 200 dólares, o equivalente a menos de mil reais por dia, era caro demais para tentar valores o que hoje já beiram trilhões de reais.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.

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