“Não podemos aceitar, pelo menos na nossa gestão, que haja grupos que tenham processos sigilosos, encobertos por uma fatia do nosso sistema, que só descobrimos agora”.
Via Jornal GGN em 29/7/2020
O procurador-geral da República, Augusto Aras, revelou ter descoberto recentemente a existência de 50 mil documentos que foram “escondidos” da Corregedoria do Ministério Público Federal. A declaração ocorreu na noite de terça [28/7], durante um debate promovido pelo grupo Prerrogativas no YouTube.
No encontro com advogados renomeados, Aras também revelou que a força-tarefa de Curitiba tem dados, sem nenhum controle externo, sobre 38 mil pessoas, e falou da possibilidade dessa base ser usada para “chantagem ou extorsão”.
O PGR também foi questionado sobre a polarização dentro do MPF e a falta de punição, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em relação aos procuradores de Curitiba, expoentes do “lavajatismo” – que, para ele, precisa ser corrigido e encerrado.
Aras defendeu no debate a “divisão de tarefas no que toca as atividades de investigação e acusação penal pelos membros do MP.”
Segundo ele, a “experiência das forças-tarefas teve suas vantagens, não se duvida disso. Mas como tudo que ganha o “ismo” no final, o lavajatismo termina por apresentar algumas dificuldades”, que poderiam ser superadas com a centralização da coordenação das forças-tarefas, um modelo que está em desenvolvimento.
Na mesma toada, Aras comentou sobre a divisão dentro do MPF e falta de transparência na Lava-Jato. “Não podemos aceitar, pelo menos na nossa gestão [na PGR], que haja grupos que tenham processos sigilosos, encobertos por uma fatia do nosso sistema, que só descobrimos agora, há menos de 15 dias”, disparou.
“Não podemos aceitar ter um ‘MPF do B’ ou coisa parecida. Que tenhamos processos escondidos da Corregedoria, que tenhamos 50 mil documentos invisíveis à Corregedoria e que só agora foram descobertos.”
Segundo Aras, a Corregedoria vai apurar os responsáveis por omitir os documentos. Além da insubordinação e falta de transparência, ele criticou a falta de isenção nas metodologias da Lava-Jato. Ele citou como exemplo a notícia de que a força-tarefa de São Paulo estava distribuindo processos de acordo com a vontade de cada procurador.
“O MPF, mesmo quando acusa, tem que se imparcial ao fazer juízo de valor técnico, não juízo de valor ideológico, pré-determinado ao resultado que não seja o da verdade real”, defendeu Aras.
Apesar de ter participado do debate por 2 horas, o PGR não entrou no mérito das reclamações contra os procuradores de Curitiba nem comentou a morosidade dos julgamentos no Conselho Nacional do MPF.
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ARAS E AS SUSPEITAS SOBRE A LAVA-Jato PARANÁ
Agora, com as revelações de Aras, não haverá como não iniciar a devassa sobre os abusos cometidos pela Lava-Jato Paraná e seus yuppies do setor público.
Luis Nassif em 29/7/2020
O depoimento do procurador-geral da República Augusto Aras ao grupo Prerrogativas, ontem à noite, foi histórico. Foi a mais contundente crítica já feita contra os abusos da Lava-Jato Paraná. E para uma audiência que contava com alguns dos mais ilustres juristas garantistas do país, Aras colheu aplausos unânimes não apenas por expor os vícios da Lava-Jato, mas os princípios que devem nortear a atuação do Ministério Público.
O MPF não deve ser o órgão punitivista que assume todos os casos pensando na condenação, disse ele, reforçando as análises de Lenio Streck. Deve ser um promotor de justiça, colher todos os elementos e firmar convicção sobre o caso, sem posições apriorísticas. Não deve também se basear no julgamento midiático, nem montar parcerias com a mídia visando ganhar força através da espetacularização dos casos para pressionar o Judiciário, que invariavelmente assassina a reputação das vítimas mesmo antes de levantar provas e/ou evidências de crimes cometidos.
As informações fornecidas pela PGR em relação à Lava-Jato de Curitiba são chocantes, mesmo para os críticos da operação. 38 mil pessoas com dados depositados, 50 mil documentos, uma base de dados muito maior do que todas as bases do Ministério Público Federal sem nenhuma supervisão. Era o poder absoluto, compartilhado entre procuradores com intenções políticas, ex-procuradores que ingressaram no mercado da advocacia corporativa, uma operação com ligações estreitas com advogados que atuam no milionário mercado das delações premiadas e das disputas corporativas.
Houve quem julgasse precipitada a divulgação da base de dados, antes de uma perícia para averiguar irregularidade eventuais. Mas o tamanho da base é uma evidência óbvia de ilegalidade. Como pode um controle estrito sobre informações de 38 mil pessoas sem nenhuma forma de controle superior ou externo? Em uma das conversas divulgadas pela Vaza-Jato Deltan Dallagnol menciona as tratativas com uma empresa de big datas, para turbinar a base de dados. Inclusive, ele apareceu até como garoto propaganda da empresa em uma live. A empresa fornece sistemas para governos de estados, procuradorias, ministérios públicos. Dias depois, surgiram denúncias de propinas pagas a outras empresas para colocar seu produto. O que demonstrava claramente o apoio incondicional e nenhum pouco seletivo ao mundo dos aliados.
As esperanças suscitadas pelas palavras de Aras, no entanto, não são suficientes para esclarece pontos controversos do governo que o indicou, o mais obscurantista da história.
O ministro da Justiça André Mendonça está transformando a Polícia Federal em uma polícia política, invadindo residências de governadores adversários com todo o aparto midiático que caracterizou o lavajatismo.
Há uma ofensiva clara do governo contra populações vulneráveis, índios, quilombolas, além de ataques contra o meio ambiente. E, principalmente, há em curso uma série de pedidos de impeachment de Bolsonaro.
Nessa luta contra o obscurantismo cada dia é um dia. Nas próximas semanas, ao montar as comissões temáticas da PGR se saberá melhor qual o fôlego da gestão Aras em direção ao reencontro do Ministério Público com os princípios levantados pela Constituição de 1988. A prova de fogo será a maneira como serão tratados os grupos ligados a direitos humanos que, em nenhum momento, se aliaram ao corporativismo tacanho dos lavajatistas.
A posição de Aras desnudou o populismo corporativo de seus antecessores, especialmente Rodrigo Janot, um fraco que sucumbiu às pressões da mídia e da base lavajatista do MPF. Aliás, o próprio Janot tentou se prevalecer da cumplicidade imoral com a mídia, em uma sessão do Conselho Superior do MPF, no qual articulou com jornalistas policiais uma armação tentando desmoralizar sua colega Raquel Dodge, e impedi-la de disputar a PGR.
Agora, com as revelações de Aras, não haverá como não iniciar a devassa sobre os abusos cometidos pela Lava-Jato Paraná e seus yuppies do setor público.
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