Jamil Chade em 6/7/2020
A Organização Mundial da Saúde não enviou um convite para que o presidente Jair Bolsonaro fosse um dos líderes a discursar em sua principal cúpula, a Assembleia Mundial da Saúde. O evento ocorreu no final de maio e foi considerado como um dos principais momentos da agência na busca de um consenso sobre como dar uma resposta à pandemia.
Naquele momento, a OMS não esclareceu oficialmente quem tinha sido convidado. O Itamaraty, apesar dos repetidos pedidos de esclarecimento por parte da coluna, se manteve em total silêncio sobre a ausência do presidente no evento.
Fontes na cúpula da entidade, porém, afirmam agora que de fato não houve um convite ao brasileiro.
Nos bastidores, pessoas próximas ao diretor-geral Tedros Ghebreyesus indicaram que o argumento oficial que utilizariam se fossem questionados era de que a vaga na América do Sul na Assembleia Mundial foi dada ao Paraguai, na condição de presidente do Mercosul no primeiro semestre do ano.
Quando o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, tomou a palavra no evento, ele de fato citou que era o presidente temporário do Mercosul, mas se limitou a dizer o que o seu país estava fazendo para conter o vírus, e não os vizinhos.
Um segundo país latino-americano também deveria participar e foi convidado pela OMS. Mas, de última hora, teve de ser cancelado por outros compromissos internos.
Mas a ausência do Brasil vai além de uma questão de protocolar e, para experientes negociadores em Genebra, o uso do Mercosul foi interpretada como uma “saída diplomática” para não ter de contar com um discurso do brasileiro ou, pior, uma recusa de Bolsonaro, o que ampliaria o mal-estar.
A regra de representação de um país por bloco não foi respeitada em outras regiões. Na Europa, a palavra foi dada ao presidente da França, Emmanuel Macron, e não aos croatas que presidiam o bloco. Na Ásia, China e Coreia do Sul participaram em seu mais alto nível. Donald Trump também foi convidado, mas se recusou.
Naquele momento, a OMS ainda lamentava a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Ela era visto na direção da entidade como um “aliado” da agência dentro do governo brasileiro. Em reuniões fechadas, Tedros chegava a dizer que o ex-ministro era “excelente”.
Já antes de sua saída, o Itamaraty passou a enviar cartas duras às principais agências da ONU para alertar sobre eventuais críticas contra o país. Procurado, Mandetta afirmou que desconhecia essas cartas. Na esperança de manter uma relação cordial e apoiar o trabalho de Mandetta, Tedros optou por não criticar o Brasil publicamente.
Sem ele, a avaliação na OMS é de que a vertente ideológica do governo sobre saúde e política externa assumiu o comando da resposta à pandemia.
Presente em todos os grandes momentos da história recente da agência, o Itamaraty foi tradicionalmente um apoiador irrestrito ao multilateralismo. Com Bolsonaro, porém, o tom é de críticas, um afastamento e a utilização da organização como forma de justificar o número elevado de mortes.
Quem representou o Brasil foi o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Em seu discurso, ele apresentou um cenário do Brasil distante da realidade que vive o país. Não citou o salto no número de casos e nem o fato de o presidente insistir em não seguir e até criticar as recomendações da entidade.
No discurso, o general tampouco citou a OMS ou seu diretor-geral, Tedros Ghebreyesus, uma prática comum em falas na Assembleia Geral. Nos últimos meses, Bolsonaro tem criticado o chefe da agência e ignorado suas recomendações.
A entidade começou seu debate com um alerta duro por parte do secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, que criticou governos que não deram ouvidos aos alertas da OMS ou suas recomendações. A reunião ainda contou com a participação de presidentes como Emmanuel Macron, Xi Jinping e vários outros líderes.
Um dos objetivos de Tedros era ainda de ter Donald Trump no evento, num sinal de coordenação entre Pequim e Washington para lutar juntos contra o vírus. O chinês aceitou o convite. Mas Trump recusou e, naquela semana, anunciou que estava “rompendo” com a OMS.
Na agência em Genebra, porém, o governo norte-americano nunca formalizou sua saída e, para todos os efeitos legais, continua sendo membro. Diplomatas norte-americanos também participam de reuniões sobre diversos temas, sempre longe dos holofotes da imprensa para não desmentir o próprio presidente dos EUA.
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