Kennedy Alencar em 23/6/2020
A eleição presidencial norte-americana de 3 de novembro fica mais importante a cada dia em que se aproxima. Derrotar o presidente Donald Trump é uma tarefa civilizatória.
Tirar o republicano da Casa Branca terá como efeito principal enfraquecer populistas de extrema-direita que fragilizaram democracias mundo afora. Quebrar a onda trumpista é fundamental para o futuro da humanidade.
A pandemia de coronavírus já seria uma tragédia por si mesma. Sem vacina e tratamento terapêutico eficaz, a covid-19 assustaria sem precisar que políticos incapazes que negam a ciência agravassem os seus efeitos, sobretudo para os mais pobres.
Não é mera coincidência que os Estados Unidos e o Brasil sejam os países com mais mortes e casos de covid-19. Apesar de não merecerem, as duas nações têm no comando presidentes incompetentes e sem empatia pela dor alheia.
Os protestos dos EUA ressoaram globalmente por simbolizar mais do que um grito de basta contra a violência policial e o racismo estrutural da sociedade norte-americana.
Em meio à pandemia, essas manifestações se espalharam por todo o planeta em resposta ao crescimento de injustiças sociais de um sistema político e econômico que concentra renda e dinamita direitos humanos em velocidade avassaladora – massacrando e excluindo minorias.
Nos protestos, novas gerações mostraram não ter compromisso com o que figuras como Trump representam, mas com o fim do racismo, o combate à violência policial, as questões ambientais e os direitos das minorias. Enfim, defenderam os valores mais caros ao melhor da civilização.
Trump não pode ser normalizado. O Brasil é o melhor exemplo do desastre de ter normalizado em 2018 um político de extrema-direita e despreparado.
O melhor para o mundo seria o primeiro mandato de Trump entrar para a história como um acidente de percurso, um erro de uma geração que terá custado caro, mas ainda passível de ser reparado.
Um segundo termo presidencial seria a normalização de um padrão desumano, racista, ignorante e autoritário para chefes de Estado no século 21. A reeleição de Trump daria carta branca ao pior tipo de governante e de governo.
As pesquisas nos Estados Unidos indicam que, hoje, o democrata Joe Biden seria eleito no Colégio Eleitoral. Trump errou nas respostas à pandemia e aos protestos. Dobrou a aposta perante um público para o qual não tem pudor de se exibir como racista, como fez no comício em Tulsa, Oklahoma, no último sábado. Segundo ele, “a maioria silenciosa está mais forte do que nunca”. Será uma pena para o planeta se a sua estratégia divisionista estiver certa.
O moderado Joe Biden não é um líder que inspire paixões. Há um quê de picolé de chuchu no democrata. Mas é o que os norte-americanos e o mundo têm para hoje.
Vitória civilizatória, a eleição de Biden seria um marco para todo o planeta, quiçá o começo da derrocada de vários líderes de extrema-direita que chegaram ao poder espalhando fake news, usando as redes sociais para destilar ódio no debate público e solapando as democracias.
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O ex-consultor de segurança nacional, John Bolton, é fotografado em um fórum moderado por Peter Feaver, o diretor do programa American Grand Strategy, da Universidade Duke, em 17 de fevereiro de 2020, em Durham, na Carolina do Norte. Foto: Melissa Sue Gerrits.
JOHN BOLTON ESTÁ CONTANDO A VERDADE, MAS NÃO PODEMOS ESQUECER DA SUA CARREIRA TERRÍVEL E PERIGOSA
Jon Schwarz, via The Intercept Brasil, tradução de Maurício Brum em 22/6/2020
O novo livro de memórias de John Bolton sobre seus dias no governo Trump, “The Room Where It Happened” [A sala onde tudo aconteceu, sem edição brasileira], é um relato preciso do que ele viu na Casa Branca como consultor de segurança nacional? A resposta, quase certamente, é que sim, tornando-o um registro histórico valioso. Os jornalistas devem estar particularmente interessados em saber que Donald Trump disse que nós deveríamos “ser executados”.
Podemos acreditar no que Bolton diz não porque ele tenha um longo histórico de honestidade. Pelo contrário, ele é um dos indivíduos mais enganadores a ocupar altos cargos nos EUA. No entanto, Bolton também é extremamente inteligente para os padrões da direita, e tem um profundo senso de interesse próprio. Suas mentiras no passado sempre foram sobre pessoas e países mais fracos do que ele, que não podiam cobrar um preço por sua desonestidade. Por outro lado, quando Bolton ataca quem é mais poderoso que ele, como um presidente ainda no cargo, podemos ter certeza que ele tem o cuidado de contar com a realidade ao seu lado.
Mas, quaisquer que sejam os méritos do novo livro de Bolton, é importante lembrar que ele não é um herói da verdade. A seguir, uma breve lista de algumas das suas ações terríveis ao longo de uma duradoura e destrutiva carreira.
- Bolton apoiou com veemência a Guerra do Vietnã, mas também se opôs com veemência à ideia de ter que combater nela. Antes de se formar em Yale, ele se alistou na Guarda Nacional de Maryland para garantir que evitaria o combate. Mais tarde, ele explicou: “eu não queria morrer em um arrozal do Sudeste Asiático”, sugerindo que estava oferecendo generosamente a oportunidade para quem efetivamente quisesse morrer dessa forma. Bolton logo deixaria a Guarda Nacional para estagiar no gabinete do então vice-presidente Spiro Agnew.
- Talvez o impacto mais poderoso de Bolton na política norte-americana seja o mais antigo e menos conhecido de todos: seu papel como um iniciante advogado de direita destruindo as reformas no financiamento de campanha do pós-Watergate. Em suas memórias, Bolton escreve orgulhosamente sobre seus esforços no processo Buckley contra Valeo, que resultou em uma decisão da Suprema Corte de 1976 mais importante que a do caso Citizens United. A decisão estabeleceu limites para gastos com financiamento de campanha e autofinanciamento por candidatos super-ricos. Como Bolton explica: “Todos sabiam que a decisão em Buckley contra Valeo poderia determinar […] a forma futura da política norte-americana”. Ele estava certo. Sem esse caso, Donald Trump nunca seria capaz de gastar dezenas de milhões de dólares do próprio bolso para ser eleito e, depois, contratar Bolton.
- Bolton ocupou vários cargos diferentes no governo Reagan nos anos 1980. Uma obsessão do governo estava matando as regulamentações internacionais sobre o comércio de fórmulas para bebês em países sem água potável. Uma subordinada escreveu mais tarde que, quando se recusou a ajudar nesse projeto, Bolton “gritou que a Nestlé era uma empresa importante e que ele estava me dando uma ordem direta do presidente Reagan”. Ele então tentou demitir a funcionária e, quando não pôde fazer isso, fez com que ela fosse realocada para um escritório no porão.
- Bolton ingressou no governo George W. Bush como subsecretário de estado para o controle de armas. Em 2002, ele declarou que Cuba tinha um programa ofensivo limitado de armas biológicas. Quando um analista do Departamento de Estado contestou o teor mais forte utilizado em um rascunho anterior do discurso, Bolton (como de hábito) tentou fazer com que o analista fosse demitido.
- Nesse mesmo ano, Bolton conseguiu que o diplomata brasileiro José Bustani fosse removido de seu cargo de chefe da Organização para a Proibição de Armas Químicas, a OPAQ. “Nós sabemos onde seus filhos moram”, disse Bolton a Bustani quando tentou convencê-lo a sair. “Você tem dois filhos em Nova York”. O pecado de Bustani foi convencer o Iraque a assinar o tratado internacional de proibição de armas químicas. Isso, por sua vez, levaria a inspeções intrusivas da OPAQ, o que teria demonstrado que o Iraque não tinha arma alguma. Do ponto de vista de Bolton, esse seria o pior resultado possível, pois dificultaria um ataque dos EUA ao Iraque.
- Em 2015, Bolton escreveu um artigo no New York Times com o título “Para parar a bomba do Irã, bombardeie o Irã”. Ele estava cheio das falsidades características de Bolton, tudo para defender uma guerra não provocada.
- Pouco antes de Trump trazer Bolton para o seu governo em 2018, Bolton escreveu um artigo para o Wall Street Journal pedindo mais uma guerra não provocada, desta vez com a Coreia do Norte. Nele, Bolton argumentou que os presidentes agora deveriam poder ignorar a cláusula dos poderes de guerra da Constituição, que reserva ao Congresso o direito de declarar guerra, assim podendo atacar outros países sempre que desejarem.
E isso mal passa da ponta do iceberg da cruzada de extrema direita que Bolton promoveu durante toda a vida. Provavelmente levaremos anos até ter uma dimensão completa de suas ações como consultor de segurança nacional. Mas, em certo sentido, a expulsão de Bolton do governo Trump mostra quão bem sucedido ele tem sido. Como muitos revolucionários extremistas, ele triunfou e depois descobriu que as pessoas que finalmente tomaram o poder no caos não compartilharam seus objetivos e, finalmente, decidiram que ele próprio deveria ser expurgado.
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