Gustavo Conde em 15/6/2020
A violência, a agressividade e o ataque criminoso das milícias ciristas a publicações que denunciam a violência verbal – espumante e rupestre – de Ciro Gomes são um alerta para a democracia brasileira.
Esse novo sistema de ódio organizado cresce de maneira assombrosa e começa a fazer frente à estrutura do gabinete do ódio bolsonarista – que definha em função dos custos e do esgotamento ideológico do governo.
Quebra-se o gabinete do ódio de Bolsonaro, mas instala-se o gabinete do ódio de Ciro Gomes.
Algo teria de ser posto no lugar, afinal, para perpetuar a criminalização do PT.
Os ciristas aprenderam direitinho. Não brincaram em serviço. O day after de Bolsonaro, quem diria, nos reservou uma surpresa: teremos uma estrutura de mentiras profissionalmente organizada para exaltar Ciro Gomes e oprimir o PT pelos próximos anos.
Ciro foi esperto. Ele percebeu que a justiça brasileira não fez nada para desmantelar a estrutura de desorientação comunicacional de Bolsonaro – constituída sob a influência de Steve Bannon – e fez vista grossa ao novo sistema político-digital que se erigiu em sua órbita.
Ele está errado? Não sei. Já que não há tipificação criminal minimamente consistente para essas práticas, o território está aberto a novas experimentações [contém ironia].
A obsessão em se tornar presidente da República é tal em Ciro Gomes que resta evidente que ele não pouparia esforços para o intento. Quem tem o despudor de blefar diária e publicamente sobre Lula e o PT na esteira do antipetismo doentio das elites brasileiras, não hesitaria em constituir quaisquer outros tipos de engrenagens sub reptícias de comunicação de guerra.
A essa altura dos acontecimentos, é quase parte do jogo.
Não há pudores nesse campo – excetuando a esquerda romântica que ainda acredita no debate público. O que o PT se recusou a fazer – montar uma estrutura digital para, ao menos, se defender –, o submundo digital que orbita Ciro Gomes nem pestanejou em materializar.
Sob a condição de perpetuar os ataques de ódio a Lula e ao PT, Ciro terá o beneplácito de todo o jornalismo tradicional – como vem tendo.
E atenção: Ciro vai crescer e vai crescer muito. Na mesma proporção em que Bolsonaro naufraga, Ciro irá emergir – porque vai herdar a “operação” do antecessor na missão de criminalizar o PT.
Bolsonaristas começam a migrar para Ciro Gomes em ritmo de samba.
Foi um cálculo muito bem elaborado por Ciro, admito e me retrato – Carlos Bolsonaro certamente lhe dedicaria muitos elogios. Agora, ele colhe os frutos.
O gabinete do ódio de Bolsonaro nem ataca mais o PT, sejamos justos. Essa função já foi transferida para o novo exército de insufladores de ódio, medo e linchamento, malandramente apartada de quaisquer vínculos legais com seu novo mito, futuro presidente e entidade imune a críticas.
O protocolo estímulo-resposta neste novo gabinete do ódio, a rigor, é o mesmo daquele de Bolsonaro. Repetem mantras sobre o PT, vitimizam-se e produzem uma quantidade imensa de memes e montagens que incitam ódio, todas mentirosas e em tom acusatório-debochado.
São os lacradores da nova geração, um degrau mais baixo no quesito “jogo sujo” se comparados aos já obsoletos milicianos bolsonaristas.
É claro: com muitos robôs e perfis “fake” para povoar Twitter e Facebook.
O Brasil está se especializando em protocolos de comunicação de guerra na política. Bolsonaro abriu a porteira do horror e fez escola.
Vale a máxima: nada é tão ruim que não possa piorar.
Em tempo: quando estávamos quase nos vendo livres de Bolsonaro e seu gabinete do ódio, eis que surge um novo gabinete ainda mais odiento – porque visceralizado, mesquinho e forjado nos escombros do país.
Agora, no entanto, o jogo é outro.
Ciro Gomes vem com tudo, como um trem desgovernado, balbuciando insultos, trincando os olhos e deixando a secreção bucal escorrer pelo canto da mandíbula.
Seu ódio estomacal contra o PT e contra Lula não encontra parâmetros na literatura política. Ele já ocupou o espaço das milícias de Carluxo e arregimentou a legião de órfãos que o bolsonarismo vai deixando pelo caminho sangrento.
Não será fácil frear Ciro Gomes.
Resta saber quem é o “Carlos Bolsonaro” de Ciro. A estrutura é gigantesca – e o trabalho é muito “bem feito”: blogueiros, influencers, empresários, gurus intelectuais e favores múltiplos nos veículos tradicionais de comunicação que precisam do antipetismo venal para dar embocadura às suas editorias de guerra.
Observar a movimentação mafiosa em torno de Ciro chega a ser até curioso: a julgar pelo prefácio constrangedor – de tão bajulatório – que Roberto Mangabeira Unger teve a capacidade de assinar apresentando o projeto-livro prepotente do “novo mito”, é certo que encarne o novo Olavo de Carvalho.
Morar nos EUA ele já mora – e tem um sotaque cativante.
Eu sei que é difícil aceitar a crítica a um brasileiro “professor de Harvard” e sei que o viralatismo da “esquerda bem comportada” vai se escandalizar. Tanto melhor. A esse medo de colocar os pingos nos is, a propósito, eu respondo com singela delicadeza: tratarei as moscas putrefatas que orbitam o campo cirista exatamente como Ciro trata Lula e o PT: sem remorso ou comiseração – e com sublime crueldade.
Ciro tem o direito de querer ser presidente. Ciro tem o direito de apresentar um projeto alternativo de país. Ciro tem o direito de disputar espaço político com Lula e com o PT.
Ciro só não deveria entrar na espiral do vale-tudo digital como Bolsonaro.
A gente percebe que, nesses processos vertiginosos regados a ódio, a vida é curta – e o país permanece sequestrado pelo individualismo egocêntrico dos maus perdedores.
Gustavo Conde é linguista.
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