Além de Minneapolis: Protestos contra assassinato de homem negro por policial branco se espalham pelos EUA

Manifestantes protestam em frente à Casa Branca.

Morte de homem negro, rendido em abordagem policial, desperta onda de indignação, com marchas, saques e ataques a delegacias em várias cidades norte-americanas.

João Paulo Charleaux, via Nexo Jornal em 29/5/2020

Na quinta-feira [29/5], pela terceira noite seguida, manifestantes saíram às ruas da cidade de Minneapolis, no estado de Minnesota, no centro-oeste dos EUA, para protestar contra a violência policial e o racismo.

Os protestos se tornaram cada vez mais violentos e se espalharam por outras cidades do país, como Nova York, Denver, Phoenix, Columbia e Ohio, em alguns casos com manifestantes tentando invadir prédios de prefeituras.

A onda de protestos levou o presidente dos EUA, Donald Trump, a ameaçar convocar a Guarda Nacional, e usar munição real para disparar contra manifestantes envolvidos em saques e depredações. O post de Trump acabou removido pelo Twitter por “glorificar a violência”, o que alimentou a guerra paralela que o presidente norte-americano mantém com os administradores dessa rede social.

Em Minneapolis, epicentro dos distúrbios, um grupo de pessoas irrompeu numa delegacia de polícia da cidade, quebrando os vidros, destruindo os móveis e ateando fogo no local. Pessoas arremessaram objetos contra a delegacia, enquanto policiais disparavam “projéteis”, diz o jornal The New York Times, sem especificar se foi usada munição real.

A polícia retirou-se em seguida do local, advertindo a população pelo Twitter sobre o risco de explosões, por causa da rede de gás que passa pelo edifício. O fogo se alastrou por edifícios vizinhos durante a noite, enquanto os bombeiros diziam não haver condições ideais de segurança para se aproximar.

O ataque à delegacia de Minneapolis ocorreu depois de promotores de Justiça do local terem relutado em apresentar uma denúncia contra um grupo de policiais envolvidos na morte de um homem negro na segunda-feira [25/5] – episódio que deflagrou a onda de protestos.

O estopim dos distúrbios
A morte de George Floyd, um homem negro de 46 anos, foi o estopim dos distúrbios na cidade. Ele foi asfixiado até a morte por um policial branco numa abordagem ocorrida na segunda-feira [25/5]. Transeuntes filmaram a cena e postaram o vídeo nas redes sociais, deflagrando uma campanha internacional de pessoas que se disseram ultrajadas com o ocorrido.

No vídeo, o policial Derek Chauvin imobiliza Floyd no chão, ao lado de uma viatura. O policial coloca todo o peso do corpo em seu joelho, que aparece apoiado contra o pescoço de Floyd. Rendido, sem esboçar reação, e com as mãos para atrás, o homem imobilizado avisa o policial que já não consegue respirar. A situação se mantém inalterada por oito minutos, até que Floyd é levado inconsciente por uma ambulância e, em seguida, é dado como morto.

“Esses policiais têm de ser processados por assassinato, porque é exatamente o que eles fizeram. Foi claramente um assassinato. Eu não quero que os protestos sejam apenas por protestar. Eu quero que medidas sejam tomadas”.
Bridgett Floyd, irmã de George Floyd, em declaração à imprensa, em 28 de maio de 2020

Os policiais envolvidos na ocorrência dizem que Floyd resistiu fisicamente à abordagem policial, mas o fato é negado por testemunhas. Quatro agentes envolvidos na ação – Chauvin e outros três, que formam um cordão ao redor da cena, impedindo as pessoas de se aproximar – foram afastadas enquanto o FBI, a Polícia Federal dos EUA, realiza as investigações, juntamente com promotores estaduais de Justiça, em duas frentes paralelas.

Destruição e repressão
O governador do estado de Minnesota, o democrata Tim Walz, declarou estado de emergência e pediu reforço de 500 membros da Guarda Nacional estadual – uma espécie de força de reserva ativada em casos nos quais as polícias estaduais se veem sobrecarregadas nos EUA.

Quase 200 supermercados e pequenos negócios de bairro foram saqueados e destruídos só em Minneapolis e St. Paul – conhecidas como “cidades gêmeas” no estado Minnesota. A onda de ataques obrigou muitos comerciantes a manterem as portas fechadas, aumentando o clima tenso nas ruas.

O contexto político das ações
Os protestos e enfrentamentos no centro-oeste norte-americano ocorrem no ano em que os norte-americanos votam para presidente. Em novembro, os eleitores decidirão entre a renovação do mandato de Trump ou a eleição de seu rival, o democrata Joe Biden, que goza de maior prestígio entre os eleitores negros e latinos.

Tanto o governo do estado de Minnesota quanto a prefeitura da cidade de Minneapolis estão nas mãos de políticos democratas. Trump criticou ambos nas redes sociais, colocando-se como um presidente capaz de pôr um fim aos distúrbios caso as autoridades locais não se mostrem à altura.

A posição de Trump deve acirrar ainda mais os ânimos de uma sociedade dividida ao meio não apenas entre negros e brancos, mas também em relação aos direitos das mulheres, dos imigrantes e de minorias que veem na agenda de extrema direita do atual presidente um risco existencial.

A história do racismo nos EUA
A morte de Floyd não é um fato isolado. O debate sobre violência policial contra os negros nos EUA é tão antigo quanto a própria história do país, que, assim como o Brasil, é marcado pela escravidão de africanos, considerada uma prática legal até a segunda metade do século 19.

Mesmo após a abolição da escravatura, os negros ainda viveram um século 20 marcado por leis discriminatórias e perseguições protagonizadas por milícias que cometiam linchamentos públicos, em muitos casos sob anuência das autoridades.

O cenário de racismo persistente nos EUA colocou o movimento negro na vanguarda da luta por direitos civis nos anos 1960, que culminaram com a conquista de uma série de direitos que, embora tenham feito justiça ao passado, não foram suficientes para equalizar uma situação de desigualdade resultante de séculos de história.

Racismo em números
O instituto norte-americano Pew Research Center publicou em 2019 um abrangente estudo de opinião sobre a percepção que os EUA têm a respeito das diferenças raciais no país.
58% dos norte-americanos classificam como “ruins” as relações raciais no país.
56% acham que o presidente Donald Trump tornou as relações raciais ainda piores.
80% dos norte-americanos consideram que a herança da escravidão prejudica os negros ainda hoje nos EUA.

O mesmo instituto aponta, com base em dados de 2017, que os negros eram 12% da população adulta norte-americana, mas representavam 33% da população carcerária do país.

No subgrupo das mulheres, a disparidade é ainda maior – o número de mulheres negras encarceradas no país é o dobro do número de mulheres brancas na mesma situação.

As injustiças estruturais, somadas aos episódios reiterados de brutalidade contra negros nos EUA, alimenta uma rede de pessoas, movimentos e instituições que lutam por justiça.

Um dos movimentos mais conhecidos desse setor é o que ficou conhecido pelo nome “Black Lives Matter” (ou vidas negras importam, em português).

O movimento teve início num dos muitos episódios de violência policial semelhantes ao ocorrido com Floyd, em Minneapolis, quando em fevereiro de 2012, o jovem negro Trayvon Martin, de 17 anos, foi seguido, alvejado e morto por um vigia de bairro na Flórida. O autor dos disparos, George Zimmerman, alegou legítima defesa e acabou sendo absolvido pelo assassinato.

João Paulo Charleaux é repórter especial do Nexo e escreve de Paris

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