O ESTADO OLIGÁRQUICO DE DIREITO
Vladimir Safatle, lido no Esquerda Caviar em 11/12/2015
Neste exato momento, a população brasileira vê, atônita, a preparação de um golpe de estado tosco, primário e farsesco. Alguém poderia contar a história da seguinte forma: em uma república da América Latina, o vice-presidente, uma figura acostumada às sombras dos bastidores, conspira abertamente para tomar o cargo da presidente a fim de montar um novo governo com próceres da oposição que há mais de uma década não conseguem ganhar uma eleição. Como tais luminares oposicionistas da administração pública se veem como dotados de um direito divino e eterno de governar as terras da nossa república, para eles, “ganhar eleições” é um expediente desnecessário e supérfluo.
O vice tem como seu maior aliado o presidente da Câmara: um chantagista barato acostumado, quando pego em suas mentiras e casos de corrupção, a contar histórias grotescas de fortunas feitas com vendas de carne para a África e contas na Suíça com dinheiro depositado sem que se saiba a origem. Ele comanda uma Câmara que funciona como sala de reunião de oligarcas eleitos em eleições eivadas de dinheiro de grandes empresas e tem ainda o beneplácito de setores importantes da imprensa que costumam contar a história do comunismo a espreita e do bolivarianismo rompante para distrair parte da população e alimentá-la com uma cota semanal de paranoia. O nome de sua empresa diz tudo a respeito do personagem: “Jesus.com”.
O golpe ganha um ritmo irreversível enquanto a presidenta afunda em suas manobras palacianas estéreis e nos incontáveis casos de corrupção de seu governo. Ela havia dado os anéis para conservar os dedos; depois deu os dedos para guardar os braços. Mais a frente, lá foram os braços para preservar o corpo, o corpo para guardar a alma e, por fim, descobriu-se que não havia mais alma alguma. Reduzida à condição de um holograma de si mesma e incapaz de mobilizar o povo que um dia acreditou em suas promessas, sua queda era, na verdade, uma segunda queda. Ela já tinha sido objeto de um golpe que tomou seu governo e a reduziu à peça decorativa. Agora, nem a decoração restou.
Bem, este romance histórico ruim e eternamente repetido parece ser a história do fim da Nova República brasileira. Que ela termine com um golpe de estado primário, fruto de um pedido de impeachment feito em cima da denúncia de “manobras fiscais” em um país no qual o orçamento é uma ficção assumida por todos, isto diz muito a respeito do que a Nova República realmente foi. Incapaz de criar uma democracia real por meio do aprofundamento da participação popular nos processos decisórios do Estado e equilibrando-se na gestão do atraso e do fisiologismo, ela acabou por ser engolida por aquilo que tentou gerir. Para justificar o impeachment, alguns são mais honestos e afirmam que um governo inepto deveria ser afastado. É verdade, só me pergunto por que então conservar Alckmin, Richa, Pezão e cia.
O fato é que, no lugar da Nova República, o Brasil depois do golpe assumirá, de vez, sua feição de Estado Oligárquico de Direito. Um estado governado por uma oligarquia que, como na República velha, transformou as eleições em uma pantomima vazia. Uma oligarquia que já mostrou seu projeto: uma política de austeridade que não temerá privatizar escolas (como já está sendo feita em Goiás), retirar o caráter público dos serviços de saúde, destruir o que resta dos direitos trabalhistas por meio da ampliação da terceirização e organizar a economia segundo os interesses não mais da elite cafeeira, mas da elite financeira.
Mas como a população brasileira descobriu o caminho das ruas (haja vista as ocupações dos estudantes paulistas), engana-se aqueles que acreditam poder impor ao país os princípios de uma “unidade de pacificação”. Contem com um aumento exponencial das revoltas contra as políticas de um governo que será, para boa parte da população, ilegítimo e ilegal. Mas como já estamos dotados de leis antiterroristas e novas peças de aparato repressivo, preparem-se para um Estado policial, feito em cima de leis aprovadas, vejam só vocês, por um “governo de esquerda”. Faz parte do comportamento oligarca este recurso constante à violência policial e ao arbítrio para impor sua vontade. Ele será a tônica na era que parece se iniciar agora. Contra ela, podemos nos preparar para a guerra ou agir de forma a parar de vez com este romance ruim.
14 de dezembro de 2015 às 18:58
GOLPE NUNCA MAIS! Eu que venho de longe (70), lembro-me, andando triste pelas ruas de Marechal Hermes, um silencio sepulcral! Minha mãe lavava as louças, o radio com aquele olho mágico, que me impressionava, chorava a morte do Getúlio. Eu tinha sete anos! Aos dezessete, debaixo de chuva, com meu casaco de couro preto, moda na época, sentado de madrugada no hidrante da esquina, sozinho, vendo os tanques de guerra, vindos de Deodoro, passarem rumo ao centro da cidade para consumarem o golpe de 1 de abril. Nessa esquina discutíamos o futuro do Brasil, udenistas x trabalhistas, perdemos! Eu não entendia, porque que as forças populares e as forças armadas permitiram! Chorava, sozinho em silencio, a queda do regime democrático e a esperança cultivada na UME, UNE e nos movimentos católicos, que estávamos começando a diminuir a desigualdade e a desenvolver o país! O medo de ser preso, na última reunião promovida no Calabouço, quando fomos cercados pelas forças da repressão. Edson tinha acabado de ser morto! Mantenho a fé, que nessa última década útil da minha vida, não verei, novamente, as forças oligárquicas brasileira, solaparem os nossos sonhos infanto-juvenis: construção de um país mais justo e mais igualitário. Criarmos um projeto de povo, o povo sonhado por Darcy Ribeiro, e um projeto de nação formulado por Getúlio Vargas e outros fundadores do trabalhismo. Que Deus me poupe desse desgosto novamente! GOLPE NUNCA MAIS! NÃO PERMITIREMOS! NÃO PASSARÁ!