No Brasil, empreendimentos pagam empresas privadas para atestar segurança de barragens.
Rafaella Dotta, via Brasil de Fato em 5/12/2015
Há um mês do rompimento da barragem em Mariana, especialistas continuam a debater os motivos e resultados do desastre. Na quinta-feira, dia 3/12, um debate na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apresentou a legislação brasileira sobre planos de emergência e responsabilizações acerca de barragens de rejeitos.
A palestrante Karen Alvarenga, advogada e doutora em Economia Agrária pela Universidade de Cambrigde, da Inglaterra, explicou o modelo de Alerta e Preparação de Comunidades para Emergências Locais (Apell), elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para auxiliar os países na prevenção de desastres, “depois de muitos acidentes com barragens”, lembra. Há um mês do rompimento da barragem em Mariana, especialistas continuam a debater os motivos e resultados do desastre. Na quinta-feira, dia 3/12, um debate na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apresentou a legislação brasileira sobre planos de emergência e responsabilizações acerca de barragens de rejeitos.
Para a advogada, o Apell é um avanço, mas possui inúmeros procedimentos que as empresas mineradoras não colocam em prática. Um exemplo são os dez passos para a construção do próprio plano, desde o mapeamento de lideranças locais, até os testes práticos realizados com a comunidade. “Isso leva muito tempo, principalmente nas cidades do interior, e os empreendimentos não vão atrasar seus lucros por isso”, critica.
Fiscalização baseada em laudos de terceiros
Na segunda parte do debate, Marcelo Kokke emendou com uma descrição das leis brasileiras sobre licenciamento, fiscalização e responsabilização sobre barragens. Procurador da Advocacia Geral da União junto ao Ibama e doutor em direito pela PUC, Marcelo frisa que o licenciamento ambiental e, principalmente, a fiscalização de barragens são todas feitas via parceira do órgão público com entes privados.
Segundo o procurador, o Brasil usa um modelo comum em vários países, que é trabalhar com laudos feitos por empresas terceirizadas, contratadas pelo empreendimento minerário. Assim, de acordo com a Lei Complementar 140, a fiscalização a barragens é competência do ente licenciador, que no caso de Minas Gerais é o governo estadual, mas que parte de um julgamento prévio dado pelos técnicos contratados.
“Imagine: você é um fiscal. Você tem uma pilha com relatórios, assinados por profissionais, dizendo que a barragem está bem. Você tem uma segunda pilha com barragens mais ou menos. E uma terceira com barragens em estado ruim. Qual você irá visitar primeiro?”, questiona Marcelo. Deve-se lembrar que, apesar das ações do Ministério Público, a barragem de Fundão estava atestada como uma barragem em bom estado.
Responsabilidades
Marcelo Kokke explica que, no Brasil, os danos causados por acidentes de empreendimentos minerários são classificados como “risco integral”. Isso quer dizer que a empresa deve assumir os possíveis problemas ambientais e sociais causados pela sua atividade, ainda que a culpa seja de um engenheiro ou um terremoto. De acordo com a Lei 12.334, é possível cobrar dela a reversão dos danos, as indenizações e os gastos que a União, estados e municípios estão tendo.
“É preciso ficar atento. Pelo histórico de casos, quando a poeira se assenta começam as discussões sobre as responsabilidades. Houve empresas que negaram indenizações porque atingidos tinham apenas provas testemunhais. Ou seja, não tiraram foto ou vídeo dos bens que possuíam. Mas como, se precisou sair às pressas somente com a roupa do corpo?”, questiona o promotor.
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8 de dezembro de 2015 às 18:00
Alegação de falta de provas, no caso de Mariana, é absolutamente impossível.
A tragédia girou o planeta.
A humanidade, em qualquer ponto do planeta, viu o caudal das águas marrons do Rio Doce, a morte de seres humanos, de peixes e do próprio rio e florestas em volta.
Fotos, filmagens, testemunhas são meios de prova.
A tragédia fala por si mesma.