Será que devo dançar balé?
Renato Marcon Pugliese em seu blog em 7/10/2015
O governo do Estado de São Paulo (Geraldo Alckmin), por meio de sua Secretaria de Educação (Herman Voorwald) e, provavelmente, por meio de suas secretarias da Fazenda, da Gestão e Planejamento e de Desenvolvimento Econômico, apresentou nas últimas semanas uma reorganização de toda a rede de educação básica em São Paulo, na qual frequentam mais de 4 milhões de estudantes (1).
O número de estudantes nas escolas estaduais diminuiu muito nos últimos anos (2), apesar de o número de estudantes ter crescido no estado de São Paulo (3), assim como sua população (4). A aprendizagem na rede pública, no geral, tem sido tão baixa, mas tão baixa (especialmente nas periferias), que quem pode paga transporte para seus filhos estudarem em escolas públicas mais organizadas (centrais), ou paga escolas particulares (periféricas) ou ainda paga transporte e escolas particulares centrais (isso é para quem pode mesmo). Poucos querem seus filhos nas escolas estaduais.
Na virada de 2014 para 2015 o governo Alckmin/Voorwald fechou cerca de 2.700 salas de aula no estado (5), justificando que havia muitas salas com poucos alunos (15, 20, 25…) e que, portanto, salas com poucos alunos deveriam ser reagrupadas até atingirem a quantidade recomendada de 40 (ensino médio), por exemplo. Quer dizer, em vez de uma escola com 18 salas com 25 alunos cada (450 alunos), fazemos 10 salas com 45 alunos.
No decorrer de 2015, apesar de uma parcela significativa dos professores se manter em greve (6) por três meses (uma das maiores da história da categoria), nada foi modificado quanto às classes, às contratações/concursos ou aos salários, de modo que o governo saiu como grande vitorioso.
Agora, na virada de 2015 para 2016, o mesmo governo (reeleito em 2014) apresenta uma nova reorganização: cada escola estadual atenderá exclusivamente ao Ensino Fundamental I (6 a 10 anos), Fundamental II (11 a 14 anos) ou Médio (15 a 17 anos), de forma que as classes de Fundamental I de várias escolas serão agrupadas em uma só escola de Fundamental I, as de Ensino Fundamental II em outra escola e as de Ensino Médio também agrupadas em outro prédio, levando estudantes, pais e professores a modificarem suas rotinas, seus percursos, seus deslocamentos diários…
Quando eu estava lecionando na rede estadual, na querida E.E. Prof. Oswaldo Catalano, no Tatuapé, utilizei uma semana de férias para organizar o Laboratório de Física, pois havia uma sala livre e vários equipamentos parados de quando a escola recebeu ensino técnico (décadas atrás). Preparei um ambiente muito gostoso e utilizei nas aulas de física de várias turmas, especialmente em 2009.
Neste período (de férias), minha diretora pediu que eu calculasse a área, em metros quadrados, de cada sala pois precisava dividir as turmas e a recomendação do governo (Serra, em 2008) era de colocar um aluno por metro quadrado por sala. Como as salas tinham 7x7m, seriam 49 alunos por sala, um absurdo. Ela sugeriu que eu desaparecesse com 1m de profundidade das salas, deixando 6x7m e, portanto, 42 alunos por sala. Foi feito.
Quem trabalha com educação, seja professor, faxineiro, diretor ou coordenador, sabe que acima de 20 alunos por sala o trabalho deixa de ser possivelmente dialógico e passa a ser necessariamente autoritário: não podemos conhecer os estudantes e avaliar sua aprendizagem cotidianamente. O professor finge que ensina todo mundo, os alunos fingem que aprendem, o faxineiro finge que consegue limpar tudo, o diretor finge que conhece as classes… é o espetáculo.
Ainda assim, sabemos que há trabalhos maravilhosos sendo feitos, muitas vezes por professores que lecionam para mais de 20 classes com mais de 45 alunos cada!
Alckmin é médico. Voorwald é engenheiro mecânico. Nas secretarias da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento Econômico temos um economista (Renato Villela), um administrador de empresas (Marcos Antônio Monteiro) e um advogado (Márcio França, também vice-governador), respectivamente.
Sabe o que isso significa? Que eu, professor de Física, posso fazer um transplante de coração, construir um edifício, ser promotor de justiça, dançar balé e tantas outras coisas que o diploma de Licenciado em Física me permite [sic].
Não há educadores cuidando da educação. Há médicos, engenheiros, economistas etc., brincando com a educação. E reeleitos. De novo.
Essa reorganização deve ser lida como uma diminuição dos gastos do governo com a educação do pobre. Somente isso.
Agora deixa eu ir dançar balé.
Notas
(1) De acordo com a SEE, disponível aqui.
(2) O secretário da Educação de São Paulo, Herman Voorwald, apresenta uma redução de 2 milhões de estudantes na rede estadual nos últimos 16 anos (entre 1998 e 2015): Voorwald, H. A reorganização paulista e o novo modelo de escola. Disponível aqui, 29/9/15.
(3) Ver dados apresentados pelo MEC no texto Linha de Base do PNE 2014-2024, onde mostra que entre 2004 e 2013, por exemplo, o percentual da população de 4 a 5 anos frequentando escolas em São Paulo saltou de 65,8% para 87,3%, enquanto o percentual da população de 15 a 17 anos oscilou entre 86,9 (2003), 88,5% (2009) e 85,0% (2013).
MEC. PNE 2014-2024 – Linha de Base. 30/9/15. Disponível aqui.
(4) A população de São Paulo saltou de 37 milhões para 44 milhões de pessoas entre 2000 e 2014. Ver dados do IBGE, disponíveis aqui.
(5) ZANVETTOR, R. SP: Alckmin fecha 2.700 salas de aula. Caros Amigos, 10/2/15. Disponível aqui.
(6) ARAÚJO, G. Professores de São Paulo anunciam fim da greve após 3 meses de paralisação. G1 São Paulo, 12/6/15. Disponível aqui.
Renato Marcon Pugliese é doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da USP, mestre em Ensino de Ciências – Modalidade Física – pela Universidade de São Paulo (2011) e licenciado em física pela mesma instituição (2007). Atualmente é professor de Ensino Superior na Fatec/SP e editor da revista Crônicas do Ensino Básico.
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12 de outubro de 2015 às 19:36
Os pais dos alunos já deveriam ter-se juntado aos professores, apoiando-os nas suas reivindicações contra um desgoverno do Geraldo Opus Dei.