Luis Nassif, via Jornal GGN em 22/9/2015
Para entender as razões de Gilmar Mendes ter protagonizado um dos mais infames episódios da história do STF (Supremo Tribunal Federal) – no julgamento do financiamento privado de campanha – tem de se passar inicialmente por algumas características psicológicas do personagem.
Gilmar é do tipo visceral. Em cada polêmica ele precisa enxergar o inimigo, uma pessoa física ou jurídica a ser implacavelmente destruída, apelando para todas as formas de ataque, especialmente o de atacar em circunstâncias em que o atacado não possa se defender.
No período em que foi ministro do STF, Joaquim Barbosa confrontou-o, levando o embate para o campo em que Gilmar reinava sozinho – o da truculência em ambiente formal. Acusou-o, inclusive, de ter “capangas”. No período em que Barbosa permaneceu no STF, houve mudança sensível no comportamento de Gilmar.
Bastou Barbosa sair do STF – portanto perdendo a tribuna para confrontar Gilmar – para este se valer de Márcio Chaer, do Consultor Jurídico, para um ataque cruel ao adversário.
Outro alvo de Gilmar tem sido o ministro Luís Roberto Barroso, que Gilmar ataca municiando o blogueiro Reinaldo Azevedo. Suas impressões digitais foram escancaradas na longuíssima catilinária de cinco horas com que apresentou seu voto, repetindo argumentos repassados anteriormente ao blogueiro. E com ataques a Barroso, que não estava presente para se defender.
Como se diz em algumas partes do país, Gilmar sempre procura pegar os adversários “desaprecatados”.
A ira de Gilmar contra Barroso deve-se ao fato de enxergar no ministro o seu oposto. Barroso é um iluminista, que jamais deixa as discussões descambar para o campo pessoal, ao contrário do padrão Diamantino de Gilmar. Barroso trata o direito com o respeito de um grande escultor cinzelando o mármore dos princípios constitucionais; Gilmar trata as leis a marteladas, como um funileiro. Barroso é a mais completa tradução do moderno, tanto quanto Gilmar do arcaico. Barroso é o século 21, Gilmar, o fantasma da República Velha.
Mais: Barroso tem suficiente senhoridade para exercitar o espírito independente sem pagar óbolo a nenhum partido. Concordando ou não com elas, todas suas teses sempre visam o melhor entendimento dos princípios constitucionais fundamentais.
Essa bronca de Gilmar é relevante para passarmos para o segundo ponto, a maneira como foi construída a argumentação que terminou com a votação consagradora do STF proibindo o financiamento privado nas campanhas eleitorais e o modo como Gilmar construiu sua teoria conspiratória.
A construção da proposta
Em 2010, depois de analisar detidamente os princípios constitucionais e testemunhar os abusos no financiamento eleitoral, um procurador da República e um advogado resolveram trabalhar o tema. O procurador é Daniel Sarmento – que depois abandonou o MPF para construir carreira acadêmica –, o advogado Cláudio Pereira de Souza Neto, ambos colegas de doutorado na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Sarmento havia atuado no Ministério Público Eleitoral, no Rio de Janeiro, onde testemunhou o poder corrosivo do dinheiro nas campanhas eleitorais.
Sarmento sendo procurador, Souza Neto advogado ligado à OAB, ambos decidiram atuar nas duas frentes.
Em 2010, Sarmento representou junto ao então procurador geral da República, Roberto Gurgel que não deu atenção ao projeto. Souza Neto representou junto ao Conselho da OAB que rapidamente comprou a causa por unanimidade.
Foi em 2011 e o presidente da entidade era Ophir Cavalcanti, ligado ao PSDB. Mesmo porque, na ocasião, o PT era o partido de um governo com ampla aprovação, sendo o maior destinatário das contribuições de campanha. O que comprova a desonestidade intelectual de Gilmar, de atribuir o trabalho a uma conspiração petista.
A petição inicial junto ao STF é a cópia da representação. Nela, abordam a questão da constitucionalidade, da relação de igualdade, a corrupção e a plutocratização da política.
Pouco antes, houve um evento na OAB para discutir reforma política e Luís Roberto Barroso, na época advogado, apresentou uma proposta defendendo votos em lista fechada, sistema distrital misto e semiparlamentarismo. Pouco tratou de financiamento eleitoral E suas propostas não tinham a concordância de Sarmento e Souza Neto.
Havia apenas um ponto em comum entre os três – todos eram da UERJ. Foi o que bastou para Gilmar criar a vinculação com Barroso e a teoria da conspiração do PT, manejada por Barroso e tendo Sarmento e Souza Neto como paus mandados.
Imediatamente recorreu a seus blogueiros, que cuidaram de levar o debate a lugares selecionados, tipo Revoltados Online e leitores de Veja online.
De nada adiantou o fato de, no julgamento, Barroso mostrar-se um dos menos entusiasmados com a tese da proibição do financiamento privado. Defendeu leis mais moderadas, não proibindo expressamente o financiamento. Luiz Fux é quem comprou para valer a tese.
As teses em julgamento
Sarmento e Souza Neto montaram sua tese em cima de três grandes fundamentos.
1) Igualdade
A democracia se baseia na igualdade entre cidadãos. Quando permite ao dinheiro influência tão grande, pelas doações empresariais seja pelo critério para limitar doação de pessoa natural, a igualdade entre pessoas é eliminada: rico começa a contar mais que o pobre. Que tenha mais poder que o pobre no shopping é uma coisa, na eleição é outra,
À medida que sucesso e insucesso na eleição têm relação direta com a campanha, o candidato vai sempre cortejar os possíveis financiadores, ganhando influência decisiva na política, diluindo a influência do cidadão comum.
Este foi o principal fundamento.
2) Igualdade entre candidatos e forças políticas
À medida que permite essa influência tão forte do dinheiro, vai favorecer duas coisas: governantes, porque tendência das forças econômicas estarem bem com governo, e aquelas forças políticas com agenda simpática para o capital.
3) Corrupção
Não só no sentido jurídico penal, mas mais amplo. O financiamento privado cria mecanismos de acesso facilitado entre doadores e donatários, promiscuidade que depois vai ser decisiva na atuação dos poderes legislativo e executivo.
Em cima dessas teses, pedia-se:
a) Vedar doações de empresa;
b) Doação de pessoas naturais é possível, mas limites são inconstitucionais. Define-se como limite o percentual de 10% da renda auferida no ano anterior. Quando gasto do próprio candidato, é o limite de gasto de campanha.
Os autores defendem que pessoas naturais tem que ser teto uniforme. O objetivo da limitação é diminuir a influência do dinheiro na política e promover igualdade. Não tem nenhuma relação com o que a pessoa ganhou no ano anterior. Se um milionário ganhou R$100 milhões, pode doar R$10 milhões. Se favelado ganhou R$10 mil, se doar R$1.500,00 pratica ato ilícito.
O que se pediu na ação é que definisse o critério como inconstitucional, mas como o STF não é legislador, que exortasse o congresso a estabelecer critério uniforme, baixo, para próximos 18 meses, sob pena de não o fazendo, voltar provisoriamente para o Judiciário estabelecer esse limite.
Esse pedido tinha sido acolhido por seis ministros, portanto tendo maioria. Na sessão Fux voltou atrás e a proposta ficou meio no ar.
As manobras de Gilmar
No início, o ministro Dias Toffoli era integralmente favorável à tese. Gilmar conseguiu demovê-lo.
Acontece que no dia em que o julgamento foi pautado, Toffoli estava fora do país, portanto impedido de retificar seu voto. Tentou, inutilmente, que o presidente do STF Ricardo Lewandowski tirasse o projeto de pauta, aguardando sua volta. Não foi atendido.
Gilmar tentou de todas as maneiras retardar o julgamento para aguardar Toffoli, mas Lewandowski não permitiu.
No primeiro dia, passou cinco horas lendo seu voto. Nunca foi de dar votos extensivos. Desta vez lia e olhava sem parar no relógio.
No segundo dia, tentou novas manobras. Na hora de julgar a modulação, levantou-se da cadeira e disse que “isso a gente julga na semana que vem”.
Imediatamente foi enquadrado pelo ministro Marco Aurélio de Mello, o melhor antídoto para truculências que o STF dispõe:
“Isto é manobra que não podemos aceitar. Está postergando para aguardar outro ministro.”
Antes de Gilmar, o ministro Teori Zavaski votou contra a ação. Antes da sessão Teori mudou o voto definindo limitações para o financiamento empresarial, como o da empresa não poder doar para mais que um candidato, não ter contratos com setor público e que, se doasse, não poderia vir depois a celebrar contratos com o setor público.
Isolado, Gilmar acabou aderindo ao voto minoritário de Teori. Se tivesse passado, criaria o maior laranjal da história da República.
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25 de setembro de 2015 às 23:18
descalabro Mendes é o patrono da bandalheira jurídica que reina neste Brasil, não respeita quem quer que seja, mas quando confrontado com alguém que sabe lidar com bandidos, foge, dá as costas, não consegue admitir seus erros crassos, nem moderar violências verbais. Conseguiu uma cadeira no STF como recompensa pelas numerosas artimanhas jurídicas que arranjou para facilitar as privatizações de numerosas empresas porque todas elas não podiam ter sido privatizadas sem a autorização da imensa maioria do Povo brasileiro, 75% dos cidadãos! As empresas acabaram sendo práticamente doadas, foi autêntica Privataria Tucana. Gilmar era o fazedor da base enganadora que sustentava a doação! É um traidor da Pátria como FHC, Serra e todos que participaram ativamente nesse descalabro! E como pode um traidor da Pátria sentar no STF? Os ministros não se sentem mal? Marcos Pinto Basto