Em entrevista realizada em 1971, Lennon e Yoko Ono conversaram com os jornalistas Tariq Ali e Robin Blackburn sobre luta de classes, religião e machismo: “Não podemos ter uma revolução que não envolva e liberte as mulheres.”
Via Opera Mundi em 28/8/2015
Em 1971, os jornalistas Tariq Ali e Robin Blackburn se encontraram com John Lennon e Yoko Ono em Londres para uma conversa que viria a ser publicada no The Red Mole, jornal produzido pelo Grupo Internacional Marxista, seção britânica da organização trotskista Quarta Internacional.
Os Beatles não mais existiam, e Lennon demonstrava estar muito mais próximo da luta da classe trabalhadora a que pertencia antes da fama. Na entrevista, o músico conta como ele e George Harrison se pronunciaram nos Estados Unidos contra a guerra no Vietnã e discute questões de classe, a luta do movimento negro nos EUA e no Reino Unido e o machismo na esquerda. As críticas à religião e à burguesia e as referências ao conturbado relacionamento com sua mãe e seu pai, presentes nas canções do então recém-lançado álbum John Lennon / Plastic Ono Band (1970), também são abordadas na conversa de quase duas horas entre Lennon, Yoko e os dois jornalistas.
Em artigo escrito para o jornal britânico The Guardian em 2010, Ali rememora o encontro e conta o impacto que a conversa teve em Lennon: “No dia seguinte à entrevista ele me ligou e disse que tinha gostado tanto da conversa que escreveu uma canção para o movimento, e começou a cantá-la pelo telefone: era Power to the People.”
Leia a seguir uma tradução da entrevista publicada no site norte-americano CounterPunch, que hoje conta com Ali e Blackburn como colunistas.
Tariq Ali: Seu último álbum [John Lennon / Plastic Ono Band, 1970] e suas declarações públicas recentes, especialmente as entrevistas à revista Rolling Stone, sugerem que seus pontos de vista estão se tornando cada vez mais radicais e políticos. Quando isso começou a acontecer?
John Lennon: Sempre tive certa consciência política, sabe, contra o status quo. É algo bem básico quando você é criado, como eu fui, para odiar e temer a polícia como um inimigo natural, a desprezar o Exército como algo que leva todos embora e deixa-os para morrer em algum lugar. O que eu quero dizer é que é uma coisa básica da classe trabalhadora, apesar de diminuir quando você envelhece, forma uma família e é engolido pelo sistema.
No meu caso, eu sempre fui uma pessoa preocupada com política, apesar de a religião ter ofuscado este lado nos meus dias de ácido; isso por volta de 1965 ou 66. E aquela religião era o resultado direto de toda aquela merda de superstar – a religião era um escape para a minha repressão. Pensava: “Bom, há algo além da vida, não há? Não é só isso aqui, né?”. Mas sempre fui político, de certa forma, sabe. Nos dois livros que escrevi, ainda que tenham sido escritos num estilo joyceano, há muitas críticas à religião e há uma peça sobre um trabalhador e um capitalista. Tenho satirizado o sistema desde minha infância. Eu fazia revistas na escola e entregava-as por aí. Eu tinha muita consciência de classe, pode-se dizer até que eu tinha certo rancor, porque eu sabia o que acontecia comigo e sabia sobre a repressão de classe que nos era imposta. Aquilo era uma porra de um fato, mas no meio do furacão do mundo Beatle isso ficou de fora, me distanciei cada vez mais da realidade durante um tempo.
Tariq Ali: Qual foi o motivo, em sua opinião, para o sucesso do seu tipo de música?
John Lennon: Bom, na época acreditava-se que os trabalhadores tinham ganhado espaço, mas percebo agora, olhando para trás, que é o mesmo acordo fajuto que deram aos negros, era como se permitissem aos negros ser corredores ou boxeadores ou personagens na indústria do entretenimento. É a escolha que é oferecida: agora, a saída é tornar-se uma estrela do pop, que é sobre o que falo no álbum na canção Working class hero. Como contei à Rolling Stone, as mesmas pessoas continuam no poder, o sistema de classes não mudou nada. Claro, agora há várias pessoas andando por aí com cabelo longo, e alguns jovens moderninhos da classe média com roupas bonitas. Mas nada mudou, exceto que todos nos vestimos melhor, deixando os mesmos desgraçados no comando de tudo.
Robin Blackburn: Obviamente, classe é um assunto que os grupos de rock norte-americanos ainda não abordaram.
John Lennon: Porque todos são da classe média e da burguesia, e não querem mostrar isso. Eles têm medo dos trabalhadores, na verdade, porque nos Estados Unidos os trabalhadores parecem ser basicamente de direita, agarrados a suas posses. Mas se esses grupos de classe média perceberem o que acontece, e o que o sistema de classes fez, está nas mãos deles repatriar as pessoas e sair de toda essa merda burguesa.
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