Pesquisa revela metrópole complexa: libertária diante de casamento gay, legalização da maconha ou famílias heterodoxas; porém, individualista e rendida ao mito da meritocracia.
Anna Beatriz Anjos, via Revista Fórum em 1º/8/2015
A imagem do paulistano conservador, contrário a qualquer mudança, por mínima que seja, no status quo da cidade, defensor dos valores da família heteronormativa e admirador de máximas como “bandido bom é bandido morto” ganhou o imaginário coletivo. Isso ficou mais evidente durante os últimos anos, quando o prefeito Fernando Haddad (PT) tentou empreender algumas transformações na dinâmica da capital – com a implementação dos corredores exclusivos para ônibus e ciclovias, por exemplo – e encontrou enorme resistência de alguns setores da população que, respaldados por manchetes dos veículos de comunicação tradicionais, engrossaram o coro contra o mandatário.
Mas pode-se dizer, de fato, que o reacionarismo é um traço preponderante da sociedade paulistana? Foi essa pergunta que motivou a pesquisa “Conservadorismo e Progressismo na Cidade de São Paulo”, desenvolvida pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp/SP) e que será lançada em agosto. Realizado em todas as regiões da cidade durante oito dias na segunda quinzena de junho, o estudo, que levou em conta os depoimentos de 1.288 entrevistados, tem 95% de confiança e margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos.
“O que motivou [a realização da pesquisa] foi a constatação de que, desde junho de 2013, por conta das manifestações, passando pelo processo eleitoral, sobretudo no segundo turno, e culminando nos protestos de 2015, temos um clima de polarização política muito intensa no país e um reflexo disso muito forte na cidade [de São Paulo], que acabou aparecendo como uma espécie de epicentro dessa polarização”, explica o economista William Nozaki, coordenador do levantamento, para quem o objetivo da iniciativa era tirar uma radiografia sociopolítica do paulistano. “A pergunta inicial que fizemos foi: será que vivemos um momento de surgimento de um novo conservadorismo ou será que é um período de explicitação de um velho conservadorismo já entranhado na sociedade brasileira e em São Paulo?”.

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O questionário apresentado às pessoas ouvidas continha mais de 60 perguntas, elaboradas conforme quatro grandes eixos: visão de mundo e estilo de vida, relação com as diferenças e com o outro, construção de direitos e privilégios e avaliação de políticas públicas. Segundo Nozaki, a formulação das questões considerou principalmente assuntos polêmicos ou fortemente influenciados pelo senso comum.
Uma das respostas que a equipe responsável pela pesquisa já chegou, embora algumas informações obtidas ainda estejam sendo interpretadas, é que não se pode afirmar que o cidadão que habita a maior metrópole do Brasil é conservador em relação a todos os temas – ou então que a totalidade deles o é. “Para algumas questões, o paulistano é menos conservador do que achamos que ele é”, pontua o economista. “Há um conjunto de opiniões mais progressistas no que diz respeito às liberdades individuais e aos direitos civis e um grau de conservadorismo muito extremo quando partimos para a análise das políticas que tratam de igualdade de oportunidades sociais.”
Números ilustram a situação descrita pelo pesquisador. Em tópicos relacionados às liberdades do indivíduo, o paulistano se mostra mais propenso à aceitação de ideias liberais. Exemplos: 70% dos entrevistados concordam com o casamento entre pessoas do mesmo sexo; 54% assimilam outras configurações de família que não a chamada “tradicional”; 80% sinalizam respeito às diferentes expressões religiosas, 92% acham que os salários pagos a homens e mulheres devem ser equivalentes e 52% são favoráveis à legalização da maconha – uma pequena maioria, mas que não deixa de ser expressiva. Em contrapartida, 62,3% apoiam a redução da maioridade penal, 61,4% são a favor do uso do exército no combate à criminalidade e 42% afirmam que os Direitos Humanos têm como objetivo a defesa de bandidos.

O levantamento da Fesp/SP foi desenvolvido a partir da constatação que, desde junho de 2013, uma intensa polarização política vem se instalando no Brasil – e São Paulo parece ser o epicentro desse processo.
Na análise do sociólogo Rodrigo Estramanho de Almeida, também pesquisador e professor da Fesp/SP, a individualidade detectada pelo estudo é, de certa forma, normal às grandes metrópoles. “Não é difícil pensar que em uma cidade onde convivem tantas diferenças e desigualdades a opinião em algum momento aclive para questões mais individuais. Aliás, a questão do individualismo em grandes cidades não é exclusiva a São Paulo; individualismo e grandes cidades são termos que se combinam”, considera. “Sem contar que a dinâmica das atitudes e dos comportamentos das grandes cidades está em constante mudança, então provavelmente um estudo como esse realizado daqui a um ano pode revelar um aspecto diferente desse que aí está. É uma foto do momento.”
De acordo com Nozaki, os dados mostram, ainda, que nas periferias o progressivismo em relação a direitos civis é maior na comparação às regiões centrais. “Há uma aceitação das liberdades individuais maior do que a gente imagina nas camadas de menor renda da população. Isso provavelmente tem a ver com o fato de que a população da periferia tem que lidar com diversas estratégias de sobrevivência e articulação com a comunidade e vizinhança, com o Estado e com a igreja para poder organizar sua trajetória de vida. Não há uma narrativa progressista ou conservadora sólida, coerente e engessada”, argumenta.
O cenário descrito indica um caldo complexo de opiniões e ideias que nem sempre permite estabelecer relação simples e direta entre maneiras de pensar e posicionamento no espectro político. “A gente não consegue fazer uma associação direta entre ser conservador e ser de direita e ser progressista e ser de esquerda. Há um conservadorismo popular, assim como há um progressismo em parcela da elite. A nossa pesquisa foi sobre cultura política, não sobre comportamento ideológico propriamente, mas mostra que essas coisas não podem ser tratadas como sinônimos sem maiores qualificações. É um cenário mais complexo, que precisa ser olhado com mais minúcia”, esclarece o pesquisador.
Meritocracia e ascensão social
O levantamento realizado pela Fesp/SP revela também que há, difundido na sociedade paulistana, independente de renda, um desejo de ascensão social por meio de mérito. Mais uma vez, é possível comprovar com dados o apontamento: mais da metade das pessoas ouvidas, 52%, disseram que a política de cotas raciais nas universidades reforça a discriminação. Quando o assunto são programas de ajuda do Estado, o cenário é igual: 53% entendem que o Bolsa Família estimula que pessoas de baixa renda tenham mais filhos, e 60,5% acreditam que ele deixa os beneficiados mais preguiçosos.
Segundo a pesquisa, a crença de que o esforço individual é suficiente para se alcançar sucesso profissional e financeiro se acentua à medida em que cresce a renda. “Nas camadas médias, o nível de conservadorismo vai ficando maior. O discurso fica mais racionalizado, mais coerente, de defesa do indivíduo e do mercado e de crítica ao Estado e às relações comunitárias”, expõe William Nozaki. Os resultados que abrangem os recortes de classe estão sendo consolidados pela equipe da Fesp/SP.
O economista sublinha que, nas parcelas menos favorecidas economicamente da população paulistana, ainda está presente a ideia de que o Estado é necessário na garantia de alguns direitos. “Há uma espécie de liberalismo ‘à paulista’: o desejo de ascensão social pelo mérito, por meio dos mecanismos formais de educação e trabalho, que anda acompanhado, sobretudo entre as camadas populares, de uma demanda pela presença do Estado”, afirma. “Isso reflete um pouco da nossa trajetória histórica. Assim como no século 19 a gente teve um liberalismo que andava de mãos dadas com a escravidão, no século 21 temos uma meritocracia que anda junto com uma demanda por serviços estatais.”
O estudo chegou a outra informação que deve ser destacada, relacionada à percepção dos paulistanos sobre o regime político vigente no Brasil: 30% dos entrevistados declararam que, dependendo da conjuntura, a ditadura é preferível à democracia. “Não é maioria, mas é um número expressivo: um terço praticamente da população. Isso mostra que, ainda que a democracia esteja consolidada do ponto de vista institucional, do ponto de vista da cultura política ela não é um valor enraizado em toda a população”, observa Nozaki.
A ideia dos pesquisadores é que, depois de lançado, o levantamento não se difunda apenas no meio acadêmico, mas seja examinado inclusive por autoridades. “Ele pode servir, de fato, para o gestor público pensar maneiras de agir, caminhos, e de alguma maneira tentar compreender como pensa o paulistano. Não se pode tomar decisões somente a partir desses dados, mas eles podem ajudar a pensar modos de agir. Há um caldo importante de informações [na pesquisa]”, coloca Rodrigo Estramanho de Almeida.
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