Mauro Santayana: Havana em Washington e os EUA nos Brics

Os hitlernautas que infestam a internet brasileira desenvolveram a retorcida tese de que Cuba estaria se rendendo aos EUA.

Mauro Santayana, via Carta Maior em 23/7/2015

Membros das forças armadas da Ilha caribenha, hastearam, na segunda-feira, dia 20/7, orgulhosamente, pela primeira vez em quase 60 anos, a bandeira da República de Cuba, no mastro frontal de sua nova embaixada em Washington, a capital dos Estados Unidos.

Sem ter o que dizer diante da transcendência – histórica – do fato, os hitlernautas que infestam a internet brasileira, com sua deslustrosa ignorância e seu anticomunismo tosco – tão sutil e tresloucado quanto um paquiderme, ensandecido, solto em um salão de chá – desenvolveram, como fizeram há alguns anos a respeito de Pequim com relação ao capitalismo, a retorcida tese de que Cuba estaria se rendendo aos EUA.

Nem Cuba se rendeu aos EUA, nem a China ao capitalismo.

Tanto é que, hoje, os quatro maiores bancos do mundo, segundo a lista da Forbes deste ano, não são privados, mas sim, estatais, – e chineses – e o milenar “Império do Meio”, sem deixar de ser oficialmente um país socialista, se transformou na maior plataforma industrial do mundo e está prestes a arrebatar dos próprios EUA o posto de primeira economia do planeta.

Outra linha de ação da florescente frente antinacional cibernética, é a de dizer que, ao construir o novo Porto de Mariel e sua Zona Especial de Desenvolvimento, em Cuba, o Brasil deixou de investir aqui dentro e fez a cama para que os EUA nela se deitassem.

Em primeiro lugar, em benefício, principalmente, da verdade, é preciso dizer que se o BNDES financia obras no exterior – minoritariamente, lembremos, como é o caso do conjunto de contratos internacionais da Odebrecht – para apoiar a exportação de serviços e produtos nacionais – inclusive para os EUA – ele também o faz no Brasil.

E tanto o faz por aqui, que, por mais que se tente ocultar, já foram ou estão sendo construídos – entre obras de “pequeno” porte, como milhões de casas populares – superportos como o de Açu, gigantescas usinas hidrelétricas, como Santo Antônio, Jirau e Belo Monte – a terceira maior do mundo – bases de submarinos – grandes – depois de décadas sem fazê-lo – refinarias de petróleo, pontes incríveis, em sua engenharia e arquitetura, como a recentemente inaugurada Anita Garibaldi, em Laguna, Santa Catarina, ou a que se estende, majestosa, sobre o Rio Negro, em Manaus, no Amazonas, a Transposição do São Francisco, que em alguns trechos já está passando por testes, além de milhares de quilômetros de rodovias que estão sendo duplicadas, “novos” aeroportos, como o de Brasília, acessos e entroncamentos ferroviários – ampliados e duplicados – como o que a Vale inaugurou na Grande Belo Horizonte na última semana.

E em segundo lugar, porque quem vai comandar Mariel – por força de licitação internacional – não é uma empresa brasileira – e nem poderia, já que com certeza qualquer empresa nacional que o fizesse estaria sendo vilipendiada e acusada de todo tipo de crime agora – nem muito menos norte-americana, mas, em um exemplo a mais de que a internacionalização da economia cubana vem de muito antes da reaproximação com os Estados Unidos, do distante arquipélago de Singapura.

Na verdade – e não há, como vemos, nenhuma contradição econômica ou estratégica nisso, o Brasil está sendo muito mais relevante para Cuba para a revitalização de sua agricultura, com a introdução da soja – e os cultivares da Embrapa – e da mecanização (exportação de implementos) e da sua indústria açucareira e o do tabaco.

E, se formos dar ouvidos aos comentários que enchem as páginas da internet, parece que está fazendo isso por meio de empresas famosas por seu “marxismo-leninismo” como a Souza Cruz, uma companhia controlada – pelos padrões dos fascistas brasileiros de ocasião – pela “bolivarianíssima” e “comunistíssima” British American Tobacco Company, a maior multinacional tabaqueira do mundo, que fabrica um em cada oito cigarros fumados no planeta, dona de 50% da Brascuba, uma empresa binacional, teoricamente cubano-brasileira, que produz a maioria dos cigarros consumidos na Ilha e os famosos charutos Cohiba.

Cuba não precisa se aproximar dos EUA para “abrir” sua economia, embora possa, com certeza, expandir suas possibilidades, se vier a ter acesso ao maior mercado do mundo, localizado a escassas milhas de distância.

A Ilha já recebe – sem mudar o seu sistema de governo – mais de 3 milhões de turistas estrangeiros por ano. Há dezenas de cadeias hoteleiras de capital espanhol e italiano em Cuba, e a presença parcial – e o interesse – do capital estrangeiro, não necessariamente dos EUA – que deve estabelecer parcerias com o governo para se estabelecer na Ilha – é tão importante, que na 23ª Edição da Fihav, a Feira Internacional de Havana, do ano passado, compareceram 4.500 expositores de mais de 60 países – aproximadamente 90% deles ocidentais – para a exposição, pelo governo cubano a grandes investidores, de 271 diferentes projetos de infraestrutura, com investimento previsto de mais de US$8 bilhões.

Isso, poucas semanas depois que 188 países tivessem condenado, em votação na ONU, o bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba, exigindo pela enésima vez o fim do embargo.

Foi essa pressão diplomática, a crescente presença dos Brics – especialmente do Brasil, da Rússia e da China – em Cuba, e a evidência de que se não tomassem a mesma atitude da grande maioria das nações, estariam se tornando cada vez mais ridículos aos olhos do mundo, que fez com que os EUA reatassem as relações diplomáticas com a Ilha, e que a bandeira cubana tenha sido orgulhosamente hasteada, esta semana, em sua nova embaixada na capital norte-americana.

Da mesma forma que o Brasil não construiu e financiou Mariel para ajudar o regime cubano, e nem mesmo porque acredita – até mesmo porque vem conversando há anos com os EUA sobre isso – que o fim do bloqueio está cada vez mais próximo.

Mas, principalmente, porque esse porto, beneficiado por uma localização geográfica única, e a profundidade de suas águas, será o mais importante e moderno entreposto de containers a funcionar na boca do novo Canal do Panamá e do futuro Canal da Nicarágua, em instalação pela China, funcionando como o principal, quase obrigatório, centro de transbordo e distribuição de produtos embarcados na Europa, no Extremo Oriente e nas costas atlânticas da África e das Américas, ou que estejam sendo transportados para esses destinos.

Uma localização que será, essencial, também, para a instalação de negócios brasileiros na Zona de Desenvolvimento de Mariel. Empresas que estão interessadas em “maquiar”, por meio do aproveitamento de um excelente – devido ao câmbio – custo de mão de obra cubana (extremamente bem formada graças ao ensino universal gratuito (do berço à universidade), produtos de consumo fabricados no Brasil. Levando para a Ilha insumos e peças feitos majoritariamente em nosso país, por trabalhadores brasileiros, que, depois de terminados e embalados em Cuba, serão distribuídas, com maior eficiência logística e melhores preços, por meio do porto de Mariel, para o mundo todo, melhorando a competitividade de nossa indústria não apenas frente à China, mas também ao México, também com relação – depois do fim do bloqueio – ao vizinho mercado dos EUA.

O reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos é mais uma evidência da emergência, possível, de um novo mundo, no qual a hegemonia europeia e norte-americana terá, obrigatoriamente, que dar lugar a um multilateralismo pragmático, com mais respeito pela soberania de grandes países como a Rússia, a China, a Índia, e o próprio Brasil, que se situam, na maioria dos quesitos geoestratégicos, entre as principais nações do mundo.

Neste novo mundo – mesmo mantendo suas rivalidades geopolíticas, econômicas e militares – deverá se perseguir, cada vez mais, o estabelecimento de um equilíbrio, também possível, no qual países com diferentes formas de governo e variadas abordagens ideológicas dos desafios que devem enfrentar, em benefício do desenvolvimento de seus respectivos povos, competirão em paz pela defesa de seus interesses, cooperando no lugar de apenas pressionar e respeitando – como o Brasil já faz há muito tempo, por força da Constituição – o princípio de não ingerência em assuntos internos de outras nações.

EUA no Brics
É isso que irrita os radicais antinacionais que pululam nas redes e portais da internet brasileira. Se, mais realistas que o rei, em sua patética subserviência aos Estados Unidos, e seu ridículo, anacrônico e baboso anticomunismo, eles estão indignados com o reatamento das relações diplomáticas entre Washington e Havana, chamando Barack Obama de comunista sujo e de “burro” em seus comentários, imaginem o que fariam se a Alemanha e os EUA viessem a aderir ao Brics, a aliança estratégica global dos países emergentes – com US$17 trilhões de PIB – que a direita mais rançosa e certos grupos de comunicação brasileiros não perdem a oportunidade de execrar sempre que possível.

Por mais absurda que pareça, essa hipótese – independentemente das atuais considerações estratégicas de Pequim, Moscou, Brasília, Pretória e Nova Delhi – já está sendo aventada por muita gente por aí.

O jornalista Greg Hunter, ex-ABC News, Good Morning America e CNN, do site USA Watchdog, diz que a Alemanha – levada, também, entre outros fatores, pela espionagem norte-americana da NSA – já estaria secretamente estudando a hipótese de entrar para o Brics, o que abriria caminho para uma aliança com a Rússia, país que representa, hoje, paradoxalmente, não apenas a maior ameaça militar contra Berlim – em resposta ao cerco da Otan contra Moscou patrocinado pelos EUA – mas também, a sua maior alternativa de expansão econômica rumo ao Leste, para além do espaço europeu. Esse é uma atitude que também levaria, segundo alguns comentaristas alemães, a uma maior independência do país mais importante da Europa com relação aos EUA, lembrando, o fato, cristalino, de que as únicas tropas estrangeiras que ainda estão ocupando o pais, desde 1945, já não são mais russas, mas made in USA.

EUA_Brics01Há algumas semanas circula, também, nos Estados Unidos, patrocinada pelo controvertido jornalista norte-americano Lyndon Laroche, uma petição internacional para que a União Europeia e os EUA – em benefício da paz – entrem para o Brics, com assinaturas que vão de conservadores britânicos a roteiristas premiados e cientistas e professores universitários, cujos principais nomes, a título de curiosidade, coloco logo depois do final deste texto.

Laroche lançou até mesmo um livro [foto] cujo título não é outro que: Porque os Estados Unidos devem entrar nos Brics – Uma nova ordem internacional para a humanidade.

Nada – ao menos por enquanto – mais improvável. Mas com relação à reação – no duplo sentido – dos hitlernautas brasileiros, seria algo – caso viesse a ocorrer – como mostra a sua atitude frente à reabertura da embaixada cubana em Washington – muito engraçado de se ver.

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Uma resposta to “Mauro Santayana: Havana em Washington e os EUA nos Brics”

  1. pintobasto Says:

    Os hitlernautas, conhecidos Valentões do Teclado, todos aprimorados por lavagem cerebral intensa durante décadas, condenam os yankees por se aproximarem de Cuba. Não lhes resta outra saída para fugirem dum isolamento global que eles mesmo cozinharam.
    Existem ainda vários fatores de ordem social que farão imensa legião de cidadãos yankees visitarem Cuba e verem como foram manipulados durante décadas, afinal o bicho papão está no continente cheio de senadores que cultuam um clã saxão já ultrapassado pela grande miscelânia de raças.
    No Brasil, a récua de azemolas com síndrome de vira-latas que ataca o governo de Dilma no seu estertor de filhos mimados abandonados pelo pai que nunca os reconheceu, vão engolindo em seco uma realidade que suas mentes tacanhas jamais idealizaram. O BRICS que nasceu gigante, continua crescendo e guardando um segrado que intriga a todos!

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