Chico Otávio e Tatiana Farah, via O Globo em 26/1/2011 e atualizado em 4/11/2011
Após abrir mão do direito de preferência na compra de um lote de ações da empresa Oliveira Trust Servicer, Furnas Centrais Elétricas pagou pelos mesmos papéis, menos de oito meses depois, R$73 milhões acima do valor original. O negócio, ocorrido entre dezembro de 2007 e julho de 2008, favoreceu a Companhia Energética Serra da Carioca 2, que pertence ao grupo Gallway. Um dos seus diretores, na época, era o ex-presidente da Cedae e ex-funcionário da Telerj Lutero de Castro Cardoso. Outro nome conhecido no grupo é o do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, que se apresenta em negócios como representante da Gallway.
Lutero e Funaro têm ligações com o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB/RJ), a quem é atribuída a indicação do então presidente de Furnas, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde, no período da transação. Lutero, também nome indicado por Cunha para a Cedae, chegou a ter bens bloqueados pela Justiça por operações ilegais na companhia de águas em 2007. Já Funaro, ao ser investigado pela CPI dos Correios, teve de explicar os motivos que o levavam a pagar aluguel, condomínio e outras despesas do apartamento ocupado por Eduardo Cunha no flat Blue Tree Tower, em Brasília, em 2003. Furnas mudou de ideia em oito meses.
O negócio com a Oliveira Trust, registrado em atas de reunião de diretoria obtidas pelo Globo, envolveu a alteração da sociedade montada para construir e explorar a usina hidrelétrica de Serra do Facão, em Goiás. A primeira ata, de 4 de dezembro de 2007, registra a renúncia, por Furnas, ao direito de aquisição da participação da Oliveira Trust, que estava previsto no acordo dos acionistas. Já a ata de 9 de janeiro de 2008 informa a compra do lote pela Companhia Energética Serra da Carioca 2, do grupo Gallway (cuja origem é o paraíso fiscal das Ilhas Virgens britânicas), por um valor total aportado de R$6,96 milhões.
Quase sete meses depois, em outra reunião de diretoria no dia 29 de julho, a diretoria de Furnas aprova a compra deste mesmo lote – que correspondia a 29,89% do capital da Serra do Facão Participações S.A. – por R$80 milhões, uma diferença de mais de R$73 milhões.
A pretexto de evitar o pagamento de custos adicionais decorrentes de correção de valores, a diretoria de Furnas aprova, três semanas depois da realização do negócio com a empresa Serra da Carioca, o “pagamento imediato” da segunda parcela à empresa de Funaro, estimada em R$26 milhões. Estatal alega que sócio fez aporte.
Furnas alegou, em nota à redação, que a diferença entre o valor original e o efetivamente pago pela estatal se deve ao fato de que, neste intervalo (2008), a empresa Serra da Carioca fez um aporte de R$75 milhões na sociedade, “o que justifica integralmente a diferença”.
A estatal, contudo, não forneceu qualquer detalhe sobre o suposto aporte feito pela companhia ligada ao doleiro Lúcio Funaro: “O aporte foi feito pela Serra da Carioca à Serra do Facão Participações; portanto, esse registro deve ser solicitado a eles”, respondeu Furnas.
Sobre as razões de ter dispensado, em dezembro do ano anterior, a opção de compra das ações, a nota informou que “naquela ocasião era necessário manter o caráter privado da Serra do Facão, o que só seria possível se um investidor privado fosse substituído por outro de mesma natureza”.
Para explicar a repentina mudança, meses depois, Furnas alegou que “essa aquisição melhoraria o resultado do negócio para Furnas, considerando-se a alteração de variáveis macroeconômicas no período”, como diz a nota.
Furnas negou ter encontrado problemas para obter o financiamento necessário junto ao BNDES – o banco teria resistido a aprová-lo ao constatar a presença da companhia ligada a Lutero e Funaro no negócio: “Foi um processo normal de negociação para concessão de financiamento desse porte”, diz.
A estatal também negou conhecer o doleiro ou ter ciência da ligação de representantes ou sócios da Serra da Carioca com o deputado federal Eduardo Cunha.
O negócio envolvendo a hidrelétrica de Serra do Facão está citado em documento elaborado por engenheiros de Furnas, este mês, para denunciar o aparelhamento político da estatal pelo PMDB fluminense. O dossiê, de duas páginas e meia, foi encaminhado pelo deputado estadual licenciado e secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar (PT/RJ), ao ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, Luiz Sérgio.
No trecho sobre o caso, os engenheiros sustentam que “um exemplo da atuação dessa rede de influência gerencial foi o prejuízo para Furnas no processo de engenharia financeira da usina de Serra do Facão”. De acordo com os autores, os prejuízos acumulados só nessa operação chegariam a R$100 milhões.
“Ainda que não haja nenhuma prova material, contratações, renovação e não renovação de contratos, liberação de pagamentos, nomeação etc. são feitas, frequentemente e às claras, para atender ao interesse desse ou daquele grupo político. A desfaçatez é amplamente registrada nos corredores da empresa”, diz o texto.
Lúcio Funaro é um nome conhecido na crônica política de Brasília. Uma das muitas transações polêmicas em que se envolveu também teve como cenário o setor elétrico. Outra empresa do grupo Gallway, a Centrais Elétricas de Belém (Cebel), captou dinheiro de três fundos de pensão para construir a central hidrelétrica de Apertadinho, em Rondônia. Porém, a barragem erguida pelos construtores se rompeu, inundou a cidade mais próxima e jogou pelo ralo investimentos de mais de R$100 milhões.
Dos três fundos de pensão prejudicados, um chama atenção: a Prece, caixa de previdência dos funcionários da Cedae, que aprovou a sua participação no período em que Lutero de Castro Cardoso estava à frente da companhia.
Em reação ao documento, Eduardo Cunha acusou o PT de estar por trás das denúncias. Ele nega qualquer tipo de ingerência política em Furnas, embora admita que o PMDB indicou diretores da estatal, juntamente com o PT e o PR. Gallway não está na sede declarada.
A Gallway registra um capital, segundo a Junta Comercial de São Paulo (Jucesp), de R$71,8 milhões, divididos em duas companhias, a Gallway Projetos e Energia do Brasil Ltda., aberta em abril de 2007, e a Gallway Projetos e Energia do Brasil S.A., de 2008. O Globo tentou localizar as empresas nas sedes apresentadas pelos documentos oficiais da Jucesp e da Receita Federal.
Em um dos endereços, na Avenida 9 de Julho, a empresa que ocupa o lugar é a Cingular Fomento Mercantil, do doleiro Lucio Funaro, envolvido em pelo menos dois escândalos nacionais, a CPMI dos Correios e a Operação Satiagraha. A própria Serra da Carioca 2 tem como sede o mesmo endereço, mas os funcionários do prédio não a conhecem. No outro endereço atribuído a Gallway, e que consta como sede em seu site, funciona uma empresa sem vínculo com o grupo. Funcionários do prédio informaram ao jornal que a Gallway deixou o endereço há cerca de um ano.
Na portaria, que ficou de recolher as correspondências para entregar aos antigos locatários, constam os nomes de Funaro, Gallway, Enerbrax e Centrais Elétricas de Belém, as duas últimas concessionárias de energia do grupo Gallway. Os funcionários do edifício, um prédio de escritórios em Pinheiros, informaram que a empresa sequer mandou retirar as correspondências guardadas.
Procurado, Lutero Cardoso não atendeu o pedido de uma entrevista feito pelo repórter. Funaro não foi encontrado. Eduardo Cunha usa Twitter para atacar imprensa.
Desde a publicação pelo Globo, na segunda-feira passada, de reportagem sobre o descontentamento de funcionários de Furnas com a interferência política do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB/RJ) na estatal, o peemedebista tem usado sua página no Twitter para atacar a imprensa e colegas deputados, especialmente do PT. Na segunda-feira, Cunha reagiu à reportagem com a tentativa de vincular o repórter Chico Otávio e O Globo a supostos interesses políticos do PT. Usando de ironia, ameaçou o jornalista com processo. Após se pronunciar sobre o caso, o deputado Jorge Bittar (PT) também virou alvo dos ataques de Cunha na internet. O peemedebista ainda tem reservado espaço em seus comentários para a briga entre PMDB e PT por cargos no governo Dilma.
Leia algumas das frases de Eduardo Cunha postadas no Twitter, da forma como ele escreveu:
Dia 24
“Por que sera que só se preocupam com os do PMDB?? Com a palavra o senhor Chico Otávio”
“O escândalo e o Chico Otávio que além de não colocar a minha versão correta, não nomina quem assina o tal docto (documento) e nem ouve Furnas”
“Esse Fabio Rezende (ex-diretor de Furnas) declarou publicamente que apoiava a eleição do Bittar. O que vcs acham que está por trás disso??”
“Na verdade o docto foi feito pelo Fabio Rezende que nem coragem para assinar teve. Ele não tem aquilo roxo e sim rosado”
“E o Bittar fez o papelão de dar curso a isso sem assumir a autoria. Trata-se de aleivosias que escondem o interesse político”
Dia 25
“O Chico Otávio e O Globo seguem com a campanha de sempre em forma de novela mexicana. Amanhã certamente terá mais.”
“E o Bittar ainda fala na matéria do Globo atacando a gestão. É como eu falo: o apetite de setores do PT por mais cargos é ABSURDO”
“Por que não saem denúncias envolvendo os cargos do PT??????”
“Essa coisa toda já tá enchendo a paciência. É melhor eles assumirem logo que querem o governo todo só para eles e talvez seja pouco.”
“Já repararam só vai para os jornais o pouco que o PMDB tem e querem tirar, Funasa, Sec M Saúde já tirada, Dnocs, Eletrobras , Furnas etc.”
Dia 26
“O Chico Otávio parou hj, o que que houve? Que que deu nele?”
“Muita gente fala que eu brigo muito, mas só sou autêntico. Tem gente que prefere a hipocrisia de fingir que é amigo e bate por trás”
“Eu ao menos falo o que penso e reajo as agressões e não engulo sapos. Cada qual tem o seu temperamento e esse é o meu. Sou leal com os amigos.”
“E serei sempre implacável com os adversários, inimigos e falsos amigos, doa a quem doer.”
“E está muito claro que no RJ e o Bittar e em MG e Fernando Pimentel. São os setores de influência deles que querem tirar do PMDB Furnas”
“A sede de Furnas é no RJ e o Rio não pode perder tanto assim. Já perdeu muito”
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19 de julho de 2015 às 19:54
Bem LEMBRADO!.
18 de julho de 2015 às 18:42
Não sei quem é pior: Cunha, que ataca de frente, mesmo com processos nas costas, ou psdb, que vai pela surdina.