Médicos da família avaliam que interesses corporativos sustentam críticas ao programa. “Temos o maior programa de interiorização da medicina do mundo.”
Lido na Carta Maior em 9/7/2015
“Escravos, escravos, escravos!”. Foi sob uma chuva de vaias, xingamentos e hostilização por parte de médicos brasileiros, que profissionais cubanos chegaram em Fortaleza (CE) em agosto de 2013 para integrar o Programa Mais Médicos. A cena, no entanto, não se limitou à capital cearense.
Entidades médicas, políticos conservadores e setores da imprensa encabeçaram a crítica ao Mais Médicos. Durante a implantação, o programa federal abriu vagas para que médicos estrangeiros atuassem no país somente após etapas de inscrição exclusiva para brasileiros. Em resposta às críticas, brasileiros também foram aos aeroportos para manifestar apoio à chegada dos médicos cubanos.
Entre os argumentos, os críticos diziam que os estrangeiros estariam tirando emprego de brasileiros e que bastaria melhorar a estrutura para fazer o atendimento chegar às áreas desassistidas. Apesar dos ataques e das tentativas de inviabilizá-lo, o programa completou na quarta-feira, dia 8/7, dois anos e já é possível avaliar as alterações que ele provocou na estrutura de saúde do país.
“Hoje, o que a gente tem é o maior programa de interiorização da medicina do mundo. Temos 18.240 médicos em 4.058 municípios e em 34 distritos indígenas. Em muitas desses territórios não tínhamos a presença de médicos”, afirma Renata Pacheco, médica e tutora do Mais Médicos.
Na ofensiva mais recente ao programa, os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB/PB) e Aloysio Nunes (PSDB/SP) apresentaram um projeto de decreto legislativo (PDS 33/2015) para sustar o acordo que viabilizou o ingresso de profissionais cubanos no Programa Mais Médicos. O ministro da Saúde, Arthur Chioro, classificou a proposta de “verdadeiro atentado” à saúde.
Atenção primária
Um dos principais argumentos dos profissionais e das entidades que se opõem ao programa é que aumentar o número de médicos não gera melhoras na saúde. Para os críticos, é preciso ter melhor estrutura nos hospitais e planos de carreira.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) e os conselhos regionais de Medicina (CRMs) lançaram um manifesto, no período eleitoral de 2014, indicando problemas na área da saúde e exigindo a não renovação do Mais Médicos. Mesmo com o programa em funcionamento há mais de um ano, as entidades o classificavam como um “instrumento de marketing com fins eleitoreiros”.
Para Rodrigo Cariri, médico e tutor do Mais Médicos, a falta de estrutura e subfinanciamento de saúde são problemas que devem ser enfrentados, mas não se pode negar o impacto que o aumento do número de médicos causou.
“Em cidades de Pernambuco e do Piauí, conseguimos zerar a mortalidade infantil, com as condições que já existem. Então faz diferença, sim, ter médicos formados em atenção primária nas regiões mais afastadas”, avaliou Cariri.
Renata lembra que trazer médicos estrangeiros é uma ação de curto prazo, pois o programa contempla também medidas como abertura de cursos de medicina e formação de mais profissionais da saúde voltados para a atenção primária. “Estamos montando uma estrutura que tem sustentabilidade. Existem ações de curto, médio e longo prazo. A população não podia esperar, então tínhamos que ter médicos para agora. O estudante de medicina leva seis anos para ser formado e tínhamos que resolver esse problema de acesso aos médicos no Brasil”, defendeu.
A médica, que também é professora de medicina na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), avalia que a interiorização dos cursos é fundamental para garantir o atendimento de saúde em regiões historicamente desassistidas. “Abrimos um curso de medicina em Caruaru que está na segunda turma. Temos 160 alunos e recebemos anualmente pelo Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] mais e mais estudantes. Temos também 15 médicos residentes. Essas ações não são tapa-buracos e o Mais Médicos não vai acabar quando os médicos dos outros países forem embora”, destacou.
Papel das entidades
Na avaliação de Renata, as entidades médicas tiveram um papel muito importante na construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e poderiam contribuir para a fiscalização e solução de problemas.
“Os problemas que existem de gestão, infraestrutura, poderiam ser acompanhados pelas entidades, se houvesse de fato o intuito de fiscalizar e contribuir construtivamente com o SUS. Não parece que esse é o sentido, na medida que há um ataque frontal ao programa, que tem falhas, mas também muitas questões positivas e que tem um ganho expressivo no acesso à saúde significativo”, avaliou.
Quando o Mais Médicos foi anunciado em 2013, o Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe) abriu uma sindicância para cassar a licença dos médicos que desejavam ser tutores do Mais Médicos e fazer treinamentos aos estrangeiros, sob a alegação de que eles não agiam de acordo com os interesses da classe.
Rodrigo foi um dos médicos que sofreu essa sindicância, mas o processo foi arquivado, pois se constatou que não havia ilegalidades. Para ele, essas ações, além da oposição constante das entidades médicas, revelou o caráter e os interesses dessas organizações.
“Foi interessante para a sociedade brasileira conhecer o que motiva o movimento médico, que diz existir para proteger o povo e o exercício legal da medicina contra o abuso do poder econômico, mas na verdade é um movimento aliançado com o capital, que não tem compromisso com saúde e está ligado à iniciativa privada e aos planos de saúde”, avaliou.
Direito à saúde
Para Renata Pacheco, além de levar profissionais às áreas que nunca tiveram atenção médica e de formar novos profissionais, voltados principalmente à atenção primária, o Mais Médicos começa a mudar a forma com que a sociedade se relaciona com o direito à saúde.
“Ainda num processo civilizatório de construir a noção para as pessoas que saúde é um direito, não uma mercadoria. Garantir para pessoas que nunca tiveram acesso à saúde uma equipe de médicos, isso por si só é bastante transformador”, diz Renata.
Pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE) apontou que as unidades básicas de saúde foram consideradas a primeira opção na busca de atendimento por 47,9% da população e mais da metade dos lares do país já são cadastrados na estratégia de Saúde da Família.
“A gente fez uma forte aposta simbólica para enfrentar a força do capital na saúde. Há médicos que faturam mais que microempresas. Essa representação simbólica de que o médico é um trabalhador bem-sucedido, que é muitas vezes o motivo da procura grande [pela profissão], deve ser alterada no ensino e no trabalho”, aponta Rodrigo.
A reportagem procurou o Conselho Federal de Medicina, mas não houve retorno até a publicação.
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