As elites e mídia blindam Eduardo Cunha, porque para elas impor agenda conservadora é mais importante que preservar ambiente democrático.
Guilherme Boulos, via Outras Palavras em 3/7/2015
O declínio da democracia brasileira teve uma noite promissora. Trucidando o regimento, cortando microfones e deixando de lado os ritos mais elementares do Parlamento, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), reverteu em menos de 24 horas a votação sobre a redução da maioridade penal.
Não foi a primeira vez. No fim de maio, havia aplicado a mesma manobra para reverter a derrota da PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que enxerta o financiamento empresarial de campanha na Constituição. Isso em meio ao escândalo das “doações” das empreiteiras na Lava-Jato. Não houve grande alarde. Por que então não tentar de novo?
Dessa vez seria até mais fácil. A construção midiática de que a violência deve ser combatida com maior endurecimento penal cimentou uma ampla opinião social em favor da redução. Tipos como Datena e Marcelo Resende fizeram sua parte.
Mesmo considerando que a reincidência no sistema prisional é três vezes maior que nas instituições para adolescentes. Mesmo sabendo que o Brasil está abaixo da média mundial no que se refere a crimes praticados por menores.
Ao contrário, o Brasil é um dos países em que se mata mais jovens. O Mapa da Violência, divulgado esta semana, mostrou que o número de homicídios contra jovens de 16 e 17 anos ultrapassou dez por dia. Mas, nada disso importa. Era preciso reduzir a maioridade penal. Assim como era preciso aprovar o financiamento das campanhas por empresas. Assim como será preciso rever o modelo de partilha do pré-sal. Vox Cunha, Vox Dei.
Se perderem as votações, vota-se de novo. Simples assim, até ganhar. Ele é o dono da bola e faz questão de deixar isso claro. Conduz as sessões com seu sorriso cínico, deixa a votação correr até assegurar a maioria, telefona da cadeira de presidente para os deputados faltantes, convocando-os. Sem nenhum pudor impõe suas regras ao processo democrático.
Aprovará o que quiser naquela Casa. Sua meta de longo prazo é o parlamentarismo. Daremos um doce aos que acertarem quem ele imagina como primeiro-ministro. Um belo atalho ao poder máximo da República para alguém que não o conseguiria pelo voto popular.
Cunha é bom de bastidores, de lidar com deputados sedentos por pequenas vantagens. Mas uma eleição presidencial é menos recomendada para quem tem telhado de vidro. Talvez alguém resolva falar do escândalo da Telerj, ou da corrupção na Cehab (companhia de habitação do Rio), do flat luxuoso pago por um doleiro, ou ainda dos negócios escandalosos de Furnas. Talvez alguém se recorde que ele é hoje um dos principais investigados na Lava-Jato.
Por enquanto, ele conta com o silêncio complacente da mídia. Nenhuma palavra sobre seu passado e seus procedimentos abusivos. Em relação a Lava-Jato é como se seu nome não estivesse lá. Afinal, está prestando bons serviços aos conservadores de plantão. E segue como um trator, desmoralizando a democracia brasileira.
Aos que aplaudem, não custa lembrar o poema de Bertolt Brecht:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negroEm seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operárioDepois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserávelDepois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importeiAgora estão me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo
Eduardo Cunha avança numa marcha avassaladora. Viola regras democráticas e repete votações a seu gosto. A complacência de hoje poderá ter um preço alto no futuro. Precisa ser barrado, antes que seja tarde para o Brasil.
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13 de julho de 2015 às 21:38
O triste é que os brasileiros comuns não se importam com a Constituição, nada têm de legalismo, apenas de imediatismo. E como são subalfabetizados politicamente, reagem apenas à mídia. Chico Buarque (creio que na peça Calabar) e Tim Maia (em uma composição musical) denunciam os eleitores brasileiros, que votam em candidatos contrários a seus interesses. Nossa ausência de partidos antigos (partidos das repúblicas vizinha atuam desde o século XIX), impedindo aquisição de sentido partidário, nossa tradição de coronelismo na República Velha e de populismo na República Liberal (fechada pelo golpe de 1964) não permitiram a nosso povo amadurecer consciência de classe.
8 de julho de 2015 às 14:25
O “melhor que o dinheiro pode comprar” trata de justificar a grana que nele investiram.
Congresso BBB – Bala, Boi, Bíblia >> este é o congresso que foi eleito de acordo com os inúmeros malabarismos que o corrompido sistema eleitoral para as eleições proporcionais estabelece como legais. E, claro, o são, ainda que corrompidas e pouco éticas, imorais. Mas legais.
Quando a sociedade quiser reverter a situação poderá ser tarde demais.
8 de julho de 2015 às 0:57
O PT não tem ninguém capaz de derrubar esse canalha do Eduardo Cunha? Lula não tem as manhas de mandar esse calhorda para casa ou para a cadeia? Esse pilantra é um tremendo escroque que cometeu vários crimes financeiros e muitas burlas.