Antes de chegar a Fifa, FBI investigou John Lennon, prendeu sindicalistas e conspirou contra políticos.
Paulo Moreira Leite em 5/6/2015
A hipótese de que nem todas as motivações do FBI para investigar a Fifa sejam legítimas nem louváveis não deve surpreender a ninguém. O FBI funciona como uma polícia secreta do governo norte-americano, funciona para servir seus interesses e tem um currículo nem sempre admirável.
Por exemplo: a investigação que deu origem à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974, teve um dirigente do FBI, Mark Felt, como a principal fonte dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernestein, do Washington Post. Felt foi preterido na luta interna por promoções, ficou inconformado e decidiu vingar-se do governo Nixon. Suas análises e informações abriram o caminho para que as investigações chegassem ao Salão Oval da Casa Branca, o que levou Nixon a renúncia para evitar o impeachment.
Nós aprendemos a ter péssimas opiniões sobre Nixon, transformado em alvo predileto da juventude que se mobilizava contra o Vietnã. Mas a retaliação interna de autoridades policiais, que representam um poder armado, é sempre preocupante.
Imagine se em 1999, quando foi impedido de assumir a direção da Polícia Federal por uma questão da grande relevância – a denúncia de que se envolveu em torturas durante o regime militar – o delegado João Batista Campelo decidisse investigar – com ajuda da imprensa – o presidente Fernando Henrique Cardoso, responsável pela indicação e, mais tarde, pelo seu cancelamento.
Todas as proporções guardadas e as imensas distancias políticas e geográficas ocorridas, foi isso o que ocorreu.
John Edgard Hoover, que dirigiu o FBI entre 1935 e 1972, construiu um sistema de poder pessoal que lhe permitia intimidar autoridades diversas, inclusive aquelas eleitas pelo voto popular. Entrou na organização no início da década de 1930, com o país em depressão, dedicando-se a perseguir e prender lideranças operárias envolvidas na luta sindical. Também era responsável pela preparação de dossiês que permitiam expulsar lideranças estrangeiras.
Ao longo dos anos, acumulou tamanha força que transformou o FBI na maior polícia do planeta, com 16 mil funcionários. Pouco antes de Hoover deixar o posto, a organização possuía dados –inclusive impressões digitais – de 200 milhões de pessoas, o equivalente a 7% da população mundial na época.
Depois de perseguir líderes de trabalhadores, o FBI passou a ir atrás de políticos considerados inconvenientes pela direita norte-americana, da qual Hoover era uma força ativa e reconhecida. Nos últimos anos, espionava e bisbilhotava estrelas do cinema e do rock. Um filme biográfico sobre John Lennon revela as vergonhosas tentativas da instituição para impedir que o ex-Beatle conseguisse um visto permanente de residência nos EUA. O argumento nada tinha de criminoso ou coisa parecida. Sua base eram as ideias de Lennon, naquela época um autor de belíssimas canções de protesto.
Num movimento que acompanha a expansão militar dos Estados Unidos nos últimos anos, o FBI tem sido uma força auxiliar para transmitir a outros países opções de trabalho e linhas de atuação típicas do sistema judiciário norte-americano.
A partir de acordos bilaterais entre governos, em várias partes do mundo têm sido aprovadas legislações – anticorrupção e antiterrorismo, por exemplo – que tem como base as leis em vigor nos Estados Unidos.
A organização costuma oferecer cursos de formação e treinamento à policiais e promotores de vários países do mundo – inclusive o Brasil – que assim aprendem a agir e atuar de acordo com métodos e tradições da justiça dos EUA.
Nos meios jurídicos, atribui-se a essa influência o uso cada vez mais frequente de prisões preventivas na detenção de suspeitos – uma banalidade nos EUA, uma novidade em vários lugares, inclusive no Brasil. O mesmo ocorre com as delações premiadas.
A maioria dos brasileiros conhece o FBI dos seriados sobre mafiosos dos tempos da Lei Seca, que a televisão exibia já na década de 1960 – e que tem atualizado em versões que hoje dominam a tevê a cabo.
A operação no futebol prendeu executivos da Fifa, cuja periculosidade dificilmente se pode negar. O histórico da organização e seu lugar essencial nas instituições do Estado norte-americano recomenda que se preste atenção aos interesses políticos e econômicos envolvidos.
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