Luciano Martins Costa, via Observatório da Imprensa em 11/05/2015
A mídia tradicional do Brasil, ressecada de cérebros por conta da queda na receita publicitária, consegue nos últimos dias a proeza de mergulhar ainda mais fundo no jornalismo de panfleto.
Uma pequena seleção de material destacado pelos jornais de circulação nacional e pelas revistas semanais de informação mostra que o partidarismo recrudesce nas páginas e telas da imprensa. O viés se torna mais explícito provavelmente porque, com as demissões do primeiro trimestre, faltam talentos para dissimular o viés que define as escolhas editoriais.
Comecemos pela intensificada obsessão da Folha de S.Paulo pelo prefeito petista da capital paulista, Fernando Haddad. No feriado de 1º de maio, o jornal estampou, em manchete, o seguinte título: “Gestão Haddad falou com tráfico antes de agir na cracolândia”. O texto que se seguia passava a interpretação de que os assistentes sociais e outros funcionários que atuam na região onde se concentram dependentes de drogas no centro de São Paulo precisam se entender com traficantes para realizar seu trabalho.
Não se trata de uma mentira deslavada, mas de uma aleivosia. De fato, ninguém consegue se aproximar do aglomerado de seres humanos que se amontoam naqueles acampamentos se não tiver alguma conversação com os traficantes. O que o jornal omite é a situação criada pela polícia do Estado, que mantem há quase dez anos uma relação de tolerância controlada com o crime organizado. A manchete da Folha tinha a intenção maliciosa de relacionar a prefeitura petista ao comando da principal facção criminosa que atua em território paulista.
Na segunda-feira (9/5), a mesma Folha traz em manchete reportagem afirmando que o número de consultas na rede de postos de saúde do município caiu 21% em 2014, comparando com os atendimentos do ano anterior. Antes da publicação, a assessoria do prefeito havia informado que a causa é a falta de médicos nas organizações sociais que administram a rede de atendimento, e não a falta de pagamento por parte da prefeitura. O jornal deixou em segundo plano a informação, crucial, de que em 2014 houve uma sobra de mais de R$100 milhões no orçamento específico porque as entidades reduziram o número de consultas, por falta de médicos.
Declarações de uma panela
Outro exemplo interessante é o que move a revista Época, que trocou sua diretoria recentemente, e inaugurou um estilo ainda mais panfletário na cruzada explícita contra o governo federal.
Na semana passada, a publicação da Editora Globo que veio a público no mesmo feriado do Dia do Trabalho havia levado a especulação jornalística ao extremo, na reportagem que tentava associar obras da empreiteira Odebrecht a uma suposta atuação do ex-presidente Lula da Silva como “lobista internacional”. O texto não sobreviveu a dois dias de esclarecimentos, quando a própria fonte citada pela revista, uma procuradora de Brasília, veio a público para declarar que não havia um processo contra o ex-presidente, como dizia a reportagem.
Mas a imprensa não descansa: na semana seguinte, os jornais reproduziam o que se dizia ser um trecho do livro de memórias ditado pelo ex-presidente do Uruguai José Mujica, que, segundo foi publicado, continha uma suposta confissão de Lula da Silva sobre o chamado “mensalão petista”, dizendo que a corrupção era a única forma de governar o Brasil.
A versão dos jornais brasileiros foi desmentida de pronto pelos autores do livro, dois jornalistas que haviam colhido os depoimentos de Mujica, revelando que quem escreveu a reportagem original, reproduzida depois por quase toda a imprensa brasileira, não havia lido o livro.
Assim como surgiu e cresceu como uma onda de repercussões, a mentira ainda sobrevive na segunda-feira, dia 11/5, em nota na coluna de política do Globo, o que revela mais uma vez a homogeneidade da mídia tradicional.
Mas esses exemplos não conseguem superar a patética invenção da revista Época desta semana. Trata-se do perfil de uma panela, eleita “personagem da semana”, em um texto de ficção no qual o equipamento culinário entra em diálogo com o discurso proferido pelo ex-presidente Lula da Silva durante o programa eleitoral do Partido dos Trabalhadores.
A revista procura apresentar o instrumento de protestos como personagem político.
“Pleinpleinplein, tactactac, blimblimblim”, diz a panela.
“Descanse em paz”, diz a lápide no túmulo do jornalismo nacional.
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19 de maio de 2015 às 14:07
OLA! UFA, ALGO REALMENTE DIGNO DE SER LIDO!
18 de maio de 2015 às 19:05
Meses se passaram, anos e décadas se passaram, 499 anos da nossa história se passaram e 500 anos, finalmente, chegaram. Mas a nossa civilização não.
Por quê?
Esta é uma pergunta, cuja resposta cada um de nós deveria buscar. E quem sabe o seu alcance não seja a primeira passada na construção de uma nova sociedade brasileira?
15 de maio de 2015 às 0:40
A imprensa nacional já faliu geral. Lembro que ela caiu em total descrédito internacional na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, quando jornalistas do mundo inteiro vieram aqui e constataram que aquela terra-arrasada toda “pintada” pela nossa imprensa não era uma coisa real. E o Brasil, que algumas publicações chegaram duvidar da capacidade de organizar um evento do porte de uma Copa do Mundo, tornou-se no fim o país-sede da “Copa das Copas”, sendo consagrado pela imprensa internacional como tendo promovido um evento esplendidamente bonito, bem planejado e muito bem executado. Agora, toda vez que alguma publicação séria estrangeira quer fazer uma reportagem sobre algum assunto brasileiro, destaca uma equipe para vir aqui, pois hoje o mundo inteiro sabe que não dá para confiar em nada do que publica nossa imprensa partidária a respeito de qualquer assunto brasileiro. E qualquer leitor de jornal que quiser saber o que realmente se passa em nosso país deve buscar na Internet as publicações estrangeiras sobre as notícias internas do país. Ou deve recorrer à diversidade de fontes da blogosfera, desde que tome alguns cuidados com as fontes escolhidas. Sinto pena da ingenuidade daqueles que pagam mensalmente uma assinatura para serem enganados pelos jornalões todo dia ou para serem ludibriados pelas revistas toda semana.