Fernando Haddad e a derrota do cinismo

Haddad_Positivo01Tentativa de estrangular finanças da Prefeitura de São Paulo em ano de eleição presidencial só obedeceu a interesses eleitorais.

Paulo Moreira Leite

Eleito por 55% dos votos para administrar a maior cidade do país, logo depois da posse o prefeito de São Paulo Fernando Haddad teve uma das mais justas e proveitosas ideias em matéria de finanças públicas: diminuir – e até eliminar – o IPTU pago pelos mais pobres e elevar a parcela desembolsada pelos ricos.

Mas, em dezembro de 2013, um ano depois da vitória, o Tribunal de Justiça deu uma liminar que suspendia a decisão do prefeito. Dias atrás, por 17 votos contra e seis a favor, a liminar foi derrubada.

Vale registrar em primeiro lugar, um fato político de grande relevância: graças a esta decisão, a cidade livrou-se de um ato de ditadura judicial. Não há outra palavra para definir uma medida – liminar! – que passa por cima da decisão soberana de uma população que deu 3,3 milhões de votos para o prefeito. Alegou-se que “faltou debate” para as mudanças no IPTU mas o fato é que, do ponto de vista da democracia, não há argumento que justifique uma decisão como esta.

Com os 17 votos a 6, Haddad recuperou uma das prerrogativas fundamentais do cargo: estabelecer fontes de receita e, com aprovação da Câmara Municipal, traçar metas de trabalho. É uma vitória importante mas nem tudo deve ser motivo de festa.

Vamos ver o que aconteceu: durante um ano de judicialização financeira, a prefeitura ficou sem recursos indispensáveis para Haddad realizar boa parte dos investimentos que pretendia e que foram, através do voto, aprovados pelo eleitorado. A cidade foi prejudicada, em particular os cidadãos que utilizam serviços públicos.

O prefeito teve uma perna política quebrada. Segue um candidato real e fortíssimo à reeleição – mas em condições mais difíceis, em grande parte determinadas pela pedra colocada em seu caminho, justamente no momento em que teria sido possível planejar obras e investimentos que serão exibidos na segunda metade do mandato.

Cabe recordar que, seis meses antes da liminar contra o IPTU, a sede da prefeitura de São Paulo foi alvo de protestos violentos, que ameaçaram arrombar suas portas. As manifestações de junho de 2013 tiveram início, como todos sabem, com manifestações contra o aumento da passagem de ônibus. O estrangulamento financeiro ajudou a estrangular, também, opções políticas de Haddad.

Neste período, a aprovação do PT despencou para níveis absurdos quando se recorda que eleitores petistas sempre tiveram um papel importante na vida política da cidade. Após a democratização, a vitória de Haddad, em 2012, foi a terceira de um candidato do partido, em sete vitórias possíveis, o que não é sinal de pouca coisa.

Esse desfalque financeiro atingiu os paulistanos em 2014, o ano em que Dilma Rousseff iria disputar a reeleição, numa campanha onde teve, em São Paulo, o pior desempenho do partido em muitos anos. Não se trata, obviamente, de imaginar que a queda paulistana de Dilma teve origem em causas municipais. Claro que não. Muitos outros fatores pesaram, é claro. O próprio Haddad cometeu erros por conta própria.

Um ponto não pode ser ignorado, porém.

Em 2002, quando chegou ao Planalto pela primeira vez, a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva contou com a alavanca de Marta Suplicy, que vencera a disputa pela prefeitura, como Haddad, dois anos antes da campanha presidencial. Lula foi o candidato mais votado na capital paulista. Marta não só tinha recursos razoáveis, mas soube aproveitá-los em investimentos que beneficiaram a maioria da população. Em 2006, na reeleição, Lula ficou perto de repetir a maioria. Em 2010, Dilma passou dos 45% mas em 2014 acabou com dez pontos a menos do que ela mesma recebeu em 2010 e 20 a menos de Lula doze anos antes. A candidata foi derrotada em bairros da periferia que, apenas dois anos antes, haviam sido essenciais para a vitória de Haddad.

Para entender ao que houve, é preciso recordar quem estava por trás da campanha contra o IPTU: o PSDB que fez campanha presidencial para Aécio Neves, a Fiesp de Paulo Skaf, os grandes beneficiários diretos da queda da popularidade do prefeito da maior cidade do país.

Você pode achar que o reajuste do IPTU foi derrubado – em nome de causas conservadoras mas aceitáveis no debate político, como a denúncia de todo gasto público, proteção dos direitos individuais dos mais ricos, menor presença do Estado e até para ampliar o debate político. Vamos admitir que em determinados casos as razões mais importantes foram essas.

É bonito para quem pensa dessa forma mas ilusório. A vitória de Haddad também foi uma derrota do cinismo.

Leia também:
Prefeitura de São Paulo isenta 3,1 milhões de famílias de pagamento do IPTU
Fernando Haddad já pode alçar voos mais altos
Em rede social, Fernando Haddad critica policiamento na Cracolândia
Fernando Haddad quer aumentar o salário de médicos e ampliar fiscalização das OSSs
Como Fernando Haddad venceu a corrupção que outros não combateram em São Paulo?
Para professor da USP, gestão de Fernando Haddad pode virar marco em São Paulo
Em ato histórico, prefeito Haddad prioriza minorias no Programa Minha Casa, Minha Vida
Haddad assina decreto para notificar imóveis que não cumprem função social
Entrevista: Haddad, ano 2
Bob Fernandes: Descoberto outro propinoduto da máfia dos fiscais de São Paulo
MP investiga gestões de Serra e Kassab por desvio de R410 bilhões do IPTU
Fernando Haddad: “A elite de São Paulo é míope e pobre de espírito.”
Entrevista com Fernando Haddad: “A Prefeitura estava tomada por corrupção.”
MP abre inquérito civil contra Kassab por receber fortuna da Controlar
Kassab recebeu uma “verdadeira fortuna” da Controlar, diz testemunha da máfia do ISS
Máfia demotucana: A lista dos corruptores do ISS
Máfia demotucana: Planilha aponta que 410 empreendimentos pagaram propina a fiscais
Receita do município de São Paulo sobre R$30 milhões com o fim da máfia dos fiscais
Fernando Haddad: “A máfia não seria descoberta sem a ajuda de Donato.”
Antônio Lassance: Arroubo tucano é pânico
Máfia demotucana: Investigação de propina em São Paulo avança sobre a gestão Serra
Máfia demotucana: Haddad desmente Folha sobre repasse de informações à Polícia Civil
Paulo Moreira Leite: Cardoso, Donato e a fábula da classe dominante
A máfia dos fiscais quer pegar Haddad
Máfia demotucana: Secretário ligado a José Serra será convocado a depor em São Paulo
“Não há como recuar, e não haverá recuo”, avisa prefeito Haddad
Máfia demotucana: Como a mídia protege Serra e Kassab
Máfia demotucana: Quadrilha zerou ISS de 107 prédios em São Paulo
Máfia demotucana: Situação era de degradação, diz Haddad sobre a quadrilha do ISS
MP/SP mira Kassab para livrar José Serra
Máfia demotucana: A dama do achaque abre o jogo
Máfia demotucana: “Arquiva”, manda Kassab
Máfia demotucana: A Folha se considera só um papel pendurado na banca
Máfia demotucana: Líder da quadrilha diz que Kassab sabia do esquema e esperava que ele “ganhasse a eleição”
“O implacável braço direito de Serra” e o caso de corrupção em São Paulo
Seus problemas acabaram: Filie-se ao PSDB
Braço direito de José Serra mandou arquivar denúncias de pagamento de propina para construtoras
Prefeito Haddad e a lição de ética
Após investigações, Haddad manda prender ex-funcionários da gestão Kassab/Serra
Há mais envolvidos no esquema de corrupção do governo Kassab/Serra, diz Haddad
Só depois da posse de Haddad, a Veja percebeu que a cidade de São Paulo está um lixo
Para atacar Haddad, “Estadão” usa foto da guerra do Congo para ilustrar matéria
Desespero: Cabo eleitoral de Serra, Soninha xinga Haddad de “filho da p…” e diz que odeia o povo

Uma resposta to “Fernando Haddad e a derrota do cinismo”

  1. Sylvia Manzano Says:

    Eu acho que p objetivo das tais jornadas de junho eram apenas pra atingir o Haddad.
    Pelo menos no início, com a desculpa dos 0,20.
    Depois foi a globo q praticamente convocava todo mundo pra sair às ruas, talvez por ver nisso uma possibilidade de uma convulsão social tão gue, q inevitavelmente a Dilma precisaria ser substituída pelas Forças Armadas para colocar ordem no país.
    ACho que quem começou com aquela 1ª passeata em SP visava justamente atingir o Haddad, pq se ele estivesse bem avaliado pela população, pavimentaria o caminho pra vitória do Padilha.
    E nisso tudo tem uma coisa que gostaria que alguém me exxplicasse: pq os únicos prejudicados com as tais jornadas foram o Haddad e a Dilma?
    A avaliação da Dilma, que estava cd vez melhor foi detonada.
    Detestei aquela passeata dos 0,20.

Os comentários sem assinatura não serão publicados.

Faça o login usando um destes métodos para comentar:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s


%d blogueiros gostam disto: