Laurindo Lalo Leal Filho, via Correio do Brasil
Hoje quando abrimos jornais, ouvimos o rádio e vemos as tevês comerciais o retrato é de um país à beira do abismo, tudo vai mal. Situação de quase pleno emprego, milhões de pessoas retiradas da miséria pelo Bolsa Família, pacientes atendidos em cidades que nunca haviam visto um médico antes são apenas alguns exemplos do Brasil ignorado pelo jornalismo “independente”.
Em março de 1964, o quadro era semelhante embora houvesse um fantasma a mais, além do descalabro administrativo: o “perigo vermelho” representado pelo comunismo. Para mídia ele estava às nossas portas.
A televisão e demais meios de comunicação se prestavam a esse serviço de doutrinação diária azeitados por fartos recursos vindos de grandes grupos empresariais canalizados por meio do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileira de Ação Democrática (Ibad), em estreita colaboração com a agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA. O principal mensageiro televisivo dos alertas sobre a “manipulação comunista” do governo Goulart era o jornalista Carlos Lacerda. Apesar de afinados ideologicamente com os golpistas, os veículos de comunicação não faziam isso de graça.
Segundo o economista Glycon de Paiva, um dos diretores do Ipes, de 1962 a 1964 foram gastos nesse trabalho de desinformação US$300 mil a cada ano, em valores não corrigidos. Os dados estão no livro O governo João Goulart, as lutas sociais no Brasil 1961-1964, do historiador Moniz Bandeira.
“O Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública, por meio de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e tevê de Assis Chateaubriand, por intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do Ipes), a Folha de S.Paulo (do grupo de Octavio Frias, associado do Ipes), O Estado de S.Paulo e o Jornal da Tarde (do Grupo Mesquita, ligado ao Ipes, que também possuía a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo)” relata René Armand Dreifuss no clássico 1964: a conquista do Estado.
Foi um período longo de preparação do golpe, e quando ele se concretizou a mídia ficou exultante. O Globo estampou manchetes do tipo “Ressurge a democracia”, “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restabelecida”. Sob o título “Bravos militares”, o jornal da família Marinho, no dia 2 de abril de 1964, dizia que não se tratava de um movimento partidário: “Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira”. O Estadão seguia na mesma toada, enfatizando “o aprofundamento do divórcio entre o governo da República e a opinião pública nacional”.
Foram necessários 50 anos para termos a confirmação que o tal divórcio não existia. Pesquisa do Ibope, feita à época, e só agora revelada graças ao trabalho do historiador Luiz Antônio Dias, da PUC de São Paulo mostra que 72% da população brasileira apoiava o governo. Entre os mais pobres, o índice ia para 86%. E se Jango pudesse se candidatar nas eleições seguintes, previstas para 1965, tinha tudo para ser eleito. Pesquisa de março de 1964 dava a ele a maioria das intenções de voto em quase todas as capitais brasileiras. Em São Paulo, a aprovação do seu governo (68%) era superior à do governador Adhemar de Barros (59%) e à do então prefeito da capital, Prestes Maia (38%).
Dados que a mídia nunca mostrou. Para ela interessava apenas construir um imaginário capaz de impulsionar o golpe final contra as instituições democráticas.
Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA/USP.
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Tags: 1964, Ditadura militar, Golpe, João Goulart, Marcha da Família
19 de março de 2014 às 19:05
Para você que se acha bem informado, você que acredita na mídia golpista, você que acredita na seriedade dos bleck block’s nos anonymus, no circo montado pelo STF, em conjunto com a mídia golpista… Leia essa matéria e reflita um pouco antes de colaborar com um novo golpe que seria a repetição da desgraça de 1964, com milhares de pessoas sendo torturados até a morte, podendo inclusive, estar entre eles; seu filho, seu pai, sua mãe, etc… Pense um pouco… Não vai doer nada!!!