Alberto Carlos Almeida, via Valor Econômico
Uma das maiores dificuldades do brasileiro é aceitar o Brasil como ele é: quente, úmido e tropical, dentre outras coisas. O próprio brasileiro não aceita ser brasileiro. Não são todos assim, graças a Deus. É uma minoria, com certeza, mas que tem uma influência desproporcional na mídia e nas redes sociais. Há aqueles que gostariam que o clima no Brasil fosse frio. Recentemente, uma conhecida minha postou no Facebook uma frase de satisfação ao desembarcar em Nova Iorque: “Eba, que bom voltar a sentir frio novamente”. Para muitos, o calor traz para o corpo o suor e para a mente, o subdesenvolvimento. Eles se justificam com as teorias pseudocientíficas que associam o sucesso econômico ao clima temperado. Provavelmente, se acham bem informados, mas nunca leram a prova mais cabal contra essa visão no best-seller mundial de Jared Diamond, “Germes, Armas e Aço”.
Quem não gosta do calor que nos faz brasileiros pode também não gostar do Carnaval. As duas coisas não caminham necessariamente juntas, a não ser pelo fato de que, no Brasil, o Carnaval é mais animado nas cidades onde o clima é mais tropical. Creio que uma das coisas que me impedem de me interessar por desfilar em uma escola de samba em São Paulo é que não faz calor no momento do desfile. Desfile de escola de samba vem necessariamente associado a samba, suor e cerveja. A ausência de um desses elementos prejudica o divertimento.
Tenho sobrinhas na faixa dos 15 anos de idade que nunca passaram o Carnaval no Brasil. Acho lamentável. Se, por acaso, seguissem a carreira política, não considero que seria uma boa coisa sermos governados por elas. Para determinado segmento de nossa elite, o Carnaval não passa de um feriado longo que permite esquiar nos Alpes franceses ou em Vail, nos Estados Unidos. Enquanto eles estão no Hemisfério Norte se divertindo ao descer montanhas cobertas de neve, seu país está nas ruas, pulando, cantando, bebendo e fazendo uma demonstração inquestionável de vitalidade. O Carnaval é a comemoração do nada, não há coisa alguma sendo celebrada, como é no Natal, na Páscoa, na festa de São João, nos aniversários, nos casamentos. O Carnaval não tem propósito algum, é a alegria pela alegria. Para um segmento da elite, porém, há um imenso propósito em aproveitar o período para esquiar, tomar vinho e comer fondue.
Recentemente, muitos brasileiros, lamentavelmente, deram repercussão a um artigo de despedida de uma jornalista portuguesa que morou três anos e meio no Rio. Dentre outras coisas ela escreveu, despedindo-se, disse: “A bênção, São Sebastião do Rio de Janeiro, nunca acabarei de agradecer o dom de ficar tão viva, apesar de toda a morte, toda a violência, todo o abandono”. Os brasileiros que deram repercussão à crônica crítica da portuguesa disseram que gostariam de, como ela, poder ir embora do Brasil e muitos disseram o mesmo do Rio. Eles podem, eu mesmo deixei o Rio e me mudei para São Paulo.
O que é mais patético é dar repercussão a uma crítica de uma portuguesa ao Brasil, como se o Brasil não fosse o grande legado que Portugal tenha dado ao mundo. Como se o cartório, tal como conhecemos, existisse não somente em Portugal e no Brasil. A infeliz jornalista lusa poderia ter passado os três anos e meio que ficou no Brasil – em Curitiba, Blumenau, Joinville ou em qualquer cidade de colonização alemã do Vale do Itajaí catarinense. Aliás, os portugueses jovens que vivem sob a égide da Comunidade Europeia se adaptam com facilidade à colonização alemã. Como diz um amigo inglês, o Banco Central Europeu conseguiu realizar o sonho de Hitler por meios pacíficos. Portugal melhorou graças à integração europeia. Parabéns, nós, brasileiros, torcemos por Portugal. O Brasil melhorou e melhora sem a eventual muleta que países vizinhos poderiam nos proporcionar. É isso que os brasileiros deveriam reconhecer, antes de pensarem em repercutir críticas portuguesas (sem trocadilhos) a nós.
Rejeitar o clima tropical, o Carnaval, nossas origens ibéricas, nossa cor predominantemente parda, os inúmeros elementos que formam nossa identidade não nos confere vantagem comparativa alguma sobre outras nacionalidades. Pelo contrário, a vantagem está em reconhecer e saber aproveitar a diferença. Não se trata, jamais, de ser patriota ou nacionalista – aliás, esse é um traço formidável de nossa identidade: não somos nem uma coisa nem outra. Ainda bem. Conhecemos detalhadamente, por meio dos livros, as atrocidades perpetradas pelos atualmente civilizados europeus em nome tanto do nacionalismo quanto do patriotismo. Está aí um mal que nunca se abateu nem se abaterá sobre quem vive em clima tropical. Dizia um amigo meu que é impossível ser fascista no calor do Nordeste. Faz sentido.
Há atualmente o senso comum de que nossos políticos não nos representam, que têm uma vida inteiramente diferente da vida da maioria da população. Os críticos afirmam que os serviços públicos são de péssima qualidade justamente porque os políticos não precisam utilizá-los. Eles não andam de ônibus, não utilizam o SUS e seus carros são blindados. Uma elite que prefere o frio do inverno nova-iorquino ao calor do verão brasileiro, que esquia durante o Carnaval e que apoia críticas lusas ao Brasil também não nos representa. Há uma parte de nossa elite que não gosta de futebol, nunca pulou Carnaval ou passou férias em uma praia nordestina. Não sabem o que estão perdendo. Perde também o Brasil.
Nossa incapacidade de aproveitar a Copa do Mundo tem a ver com isso. Tem a ver com a enorme dificuldade que temos em aceitar que somos brasileiros. É muito simples argumentar pragmaticamente em favor da Copa do Mundo no Brasil. Em primeiro lugar, se toda a energia e todos os recursos investidos na Copa tivessem sido direcionados, por exemplo, para a saúde pública, isso não teria melhorado um milímetro sequer o atendimento à população. Tecnicamente, sabe-se que, para melhorar áreas como saúde, transporte e segurança, são necessários muito mais recursos do que os direcionados para a Copa. Feita a ressalva, poderíamos elencar dezenas de motivos para aceitarmos a Copa, defendê-la e fazer o nosso melhor para que ela seja um sucesso retumbante. Afinal, é muito rara a chance de sediar um evento como esse, e os benefícios de longo prazo para a imagem do país e para o fluxo de turistas estão devidamente comprovados.
Como não nos aceitamos como brasileiros, não estamos tirando proveito disso. É lamentável. Quanto mais brasileiro alguém é, mais essa pessoa é otimista em relação à Copa. Uma proxy de ser brasileiro é gostar de futebol. Quanto mais uma pessoa gosta de futebol, mais brasileira ela é. Faço aqui a ressalva importante de que ser tipicamente brasileiro não exige que se goste de futebol, mas que ajuda, ajuda.
O Instituto Análise dividiu os brasileiros em três grupos quando se trata de gostar de futebol: os apaixonados, os que gostam e os indiferentes. São apaixonados por futebol aqueles que: conversam ou fazem brincadeiras sobre futebol com parentes e amigos, torcem para um time de futebol, torcem para a seleção brasileira, assistem a jogos da seleção durante a Copa do Mundo e veem notícias sobre futebol. Nada menos do que 51% fazem essas cinco coisas. Os que apenas gostam de futebol fazem três ou quatro dessas cinco coisas – são 22% do Brasil. E os que fazem duas, uma ou nenhuma dessas cinco coisas são 27% dos brasileiros.
Pois bem, quanto mais alguém gosta de futebol, mais essa pessoa apoia a Copa do Mundo e a valoriza. Podemos dizer que, quanto mais brasileiro alguém é, mais apoia a Copa. Em primeiro lugar, quanto mais apaixonada por futebol uma pessoa é, mais a Copa no Brasil aumenta o orgulho de ser brasileiro: isso ocorre para 76% dos apaixonados, 71% dos que gostam de futebol e somente para 51% dos indiferentes. Além disso, os apaixonados por futebol, em sua maioria, 61%, consideram que a Copa do Mundo é boa porque traz investimentos e gera empregos. Essa proporção despenca para 37% quando a pessoa é indiferente ao futebol.
Há muita coisa ruim e que precisa melhorar no Brasil. Mas isso não nos faz piores do que nenhum outro país. A história nos ensina que todos os países desenvolvidos – todos, sem exceção – passaram por problemas muito parecidos aos que vivemos hoje. Há estágios de desenvolvimento. O Brasil está em um estágio menos avançado. Nosso PIB per capita é bem menor do que o dos países desenvolvidos. Estamos melhorando, fizemos isso durante todo o século 20. O Brasil foi um dos países que mais cresceram no século passado, e não estamos fazendo feio neste início de século 21.
Não adianta ter pressa, não adianta ficarmos a todo momento nos comparando com Estados Unidos ou Alemanha. É possível alcançar o estágio de desenvolvimento de ambos, mas isso leva tempo e, portanto, exige paciência. No mais, o Carnaval passou e agora vem a Copa. Não vai demorar muito para que ela comece. Para aproveitá-la não é preciso esperar.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de A cabeça do brasileiro.
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Tags: 2014, Black Blocs, Copa do Mundo, France Football, Geraldo Alckmin, Golpe, Luiz Surianni, Manifestações, MST, Pequenas empresas, Rede Globo, Sebrae
4 de fevereiro de 2016 às 21:20
Esse senhor não quer brasileiros, quer estereótipos. A criação da “brasilidade” que ele defende com unhas e dentes foi em grande medida um processo de cima para baixo, recheado de modelos pré-fabricados e empurrados goela abaixo da população. A elite dirigente é exatamente quem busca perpetuar essa visão míope do brasileiro sambista, promíscuo, que adora calor e vive pelo seu time do coração. É uma construção artificial que esconde uma cultura mais antiga e profunda.
E sobre o frio, tive a oportunidade de ir a Europa há algum tempo atrás. O clima geralmente estava abaixo dos 10 graus naquela época do ano. Antes de ir, achei que iria sentir a diferença, mas me surpeendi ao perceber que não estava muito diferente da uma querida cidade do interior de Minas, que visito desde criança.Para esse sociólogo, devemos chutar essa cidade para fora do Brasil, juntamente com parte do sul e sudeste. Não somos brasileiros de verdade para ele. Afinal, onde já se viu fazer frio no Brasl? E pior, onde já se viu alguém gostar do frio que faz?
Da minha parte, prefiro aproveitar o frio do inverno de minha simpática cidade, torcendo para que gente como as sobrinhas do autor algum dia tomem o lugar de uma elite intelectual decadente, que teima em confinar a cultura de um povo a uma estreita cela que ela considera como sendo a verdadeira e única brasilidade.
14 de fevereiro de 2015 às 20:50
Então vai me dizer que a maior parte dos brasileiros não são brasileiros? Sim porque uma pesquisa mostrou que 59% dos brasileiros não gostam de carnaval, ou a outra que mostrou que tem mais gente que não torce pra ninguém do que a maior torcida de time… as pessoas tem personalidades diferentes e gostos diferentes e não são obrigadas a gostar de nada. Não há uma entidade chamada Brasil para descrever o que é precisamente, o que tem é um pedaço de terra cheio de gente e cada uma delas individualmente formam a sociedade.
Eu também odeio calor, porque eu me sinto mal, tenho dor de cabeça e não me dá vontade de fazer nada, creio que você nunca sentiu a pele arder depois de um dia de sol, ficar vermelho e não conseguir encostar em nada porque dói e depois a pele ficar descascando e o alto risco de pegar câncer por causa disso…. Eu não sou obrigado a gostar e as pessoas não são obrigadas a me seguir, agora se tem gente que gosta de sentir como se estivesse sendo cozido vivo, problema delas.
O maior problema do Brasileiro na verdade é essa característica autoritária, de querer impor o pensamento e o comportamento único, claro que sempre ele é o correto, só o que ele faz é que deveria ser feito e também os “intelectuais” que não conhecem porcaria nenhuma e ficam criando um mundo de fantasia na cabeça deles, infelizmente qualquer coisa é chamado de intelectual hoje em dia.
E esse texto exala esquerdopatia, que chega a feder.
5 de fevereiro de 2015 às 11:09
Prezado,sou parda. Detesto futebol, samba e cerveja. Embora parda, não gosto de calor. Por isso não sou brasileira? Sou sim, nasci em solo brasileiro. Mas antes de ter que me caracterizar como brasileira, sou, antes de tudo, um ser humano.
Ah! Não é porque sou parda que tenho que dançar funk e imaginar que posso subir na vida mostrando as nádegas.
Pior que o comentário da jornalista portuguesa é a sua visão de brasilidade.
E, última informação: Não foi uma pseudo ciência e sim um estudo que indicou que os países mais quentes são menos desenvolvidos. O calor da preguiça de trabalhar então é melhor sambar, comemorar o nada que é melhor que estudar e trabalhar.
E viva o Brasil!
30 de janeiro de 2015 às 23:25
Creio que uma das coisas que me impedem de me interessar por desfilar em uma escola de samba em São Paulo é que não faz calor no momento do desfile. Desfile de escola de samba vem necessariamente associado a samba, suor e cerveja. A ausência de um desses elementos prejudica o divertimento.
Resposta ,Querido,São paulo ultimamente anda mais quente que o inferno,nos últimos 3 anos é difícil ficar frio .
Não sou branca e não gosto de carnaval,samba,funk,futebol etc,não é por que eu sou brasileira que eu sou obrigada a gostar disso ,brasileiro se veste mal,é tudo falso,falam que o Brasil é o pais onde se trata todos bem,claro,porque querem de tirar vantagem,brasileiro é malandro,não aceita regras,odeio o jeitinho Brasileiro .
Brasil ,um lugar onde bunda é cultura ,onde musica ruim faz sucesso e novela é mais importante que novela,fora a corrupção absurda .
12 de março de 2014 às 6:54
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