Os 13 primeiros meses da gestão de Fernando Haddad (PT) à frente da mais rica cidade do país parecem ter sido mais difíceis do que ele imaginava.
Via BBC Brasil
O prefeito Fernando Haddad recebeu a reportagem da BBC Brasil em uma manhã de calor escaldante na sala de almoço de seu gabinete, no centro de São Paulo. Em quase uma hora de conversa, o prefeito mostrou entusiasmo com o novo Plano Diretor da cidade, que considera “revolucionário”, e fez duras críticas à elite paulistana, a quem chamou de “pobre de espírito”.
“[Hoje temos] uma elite míope, fazendo carga no Congresso para não votar a renegociação da dívida. [Temos] dezenas de editoriais nos jornais contra a renegociação da dívida”, disse.
Dívida
Com a maior arrecadação do país, São Paulo vê boa parte de seu orçamento seguir para o pagamento de juros de sua dívida com a União. A capital paulista deve R$59 bilhões ao governo federal, o que equivale a mais de um ano do orçamento da prefeitura, de R$50 bilhões.
Assim que venceu as eleições em 2012, Haddad seguiu a Brasília, na tentativa de renegociar a dívida que se arrasta por décadas com a ex-chefe, a presidente Dilma Rousseff, de quem foi ministro da Educação. Até o momento, nada conseguiu.
Os termos que vigoram preveem juros de 9% ao ano. A dívida só cresce e é considerada impagável pela administração municipal. O ex-secretário municipal de Finanças, Mauro Ricardo, calculou em certa ocasião que até 2030, São Paulo terá pago R$170 bilhões e ainda ficará devendo R$215 bilhões à União. Mas Haddad não se dá por vencido.
“Eu termino meu mandato com isso renegociado. Tenho quase certeza disso”, disse o prefeito.
Haddad talvez tivesse certeza absoluta não fosse o impacto que a renegociação traz ao balancete da União, mais especificamente no fechamento das contas do superávit primário.
Com o governo federal fazendo malabarismos para atingir a meta de economia, a renegociação da dívida paulistana e de outros municípios enfrenta obstáculos maiores que o bom relacionamento de Haddad com Dilma.
“Decadência paulistana?”
Questionado pela reportagem se São Paulo não teria entrado em um ciclo de “decadência” nos últimos anos, ao ver limitado o seu poder de investimento em um momento que o país e outras regiões, como o Rio de Janeiro, tiveram crescimento expressivo, Haddad disse que, se quisesse, “São Paulo poderia ser uma Xangai”.
A referência à segunda maior cidade da China se explica pelo fato de Xangai ter se reinventado e se tornado uma cidade rica e globalizada nas últimas três décadas.
“Não há cidade no mundo, em um país continental como o Brasil, que responda a 12% do PIB como São Paulo”, disse.
Mais uma vez, Haddad criticou a “falta de comprometimento” da elite econômica da cidade e disse que é preciso evitar que São Paulo se torne uma arena entre “PT e PSDB”.
“Nós não temos em São Paulo um [Michael] Bloomberg [magnata e ex-prefeito de Nova Iorque] que botou do bolso US$650 milhões em Nova Iorque. Aqui não tem um empresário que tenha esse desprendimento”, criticou.
Para Haddad, a elite ilustrada, que tomava iniciativas como construir um museu como o Masp para deixar de legado à cidade, é coisa do passado.
“Hoje infelizmente temos um poder econômico amesquinhado e empobrecido do ponto de vista espiritual, mas muito rico do ponto de vista material”, disse.
“Plano revolucionário”
O tom crítico do prefeito se esvai quando ele fala do Plano Diretor, atualmente em discussão na Câmara Municipal. Haddad diz que a cidade vai ganhar “um desenho urbano que não se tem desde os anos 1930”, quando o então prefeito Prestes Maia construiu o sistema de avenidas que hoje dá forma à região central.
Mas como garantir o sucesso do Plano Diretor com recursos públicos limitados para investimento?
“A grande vantagem do Plano Diretor é que ele organiza o investimento privado. Hoje o investimento privado faz o que quer na cidade. Constrói onde quer. Destrói bairros e cria verdadeiros paliteiros de prédios enormes. Sobrecarrega a infraestrutura da cidade. Nós estamos ordenando a ocupação territorial de maneira revolucionária”, diz Haddad.
As diretrizes do novo Plano Diretor preveem o adensamento de regiões próximas de estações de Metrô e corredores de ônibus, limitando a construção no centro dos bairros.
O plano também prevê o adensamento do entorno das marginais Pinheiros e Tietê, o chamado “Arco do Futuro”, que prevê a instalação de empresas e criação de trabalho em regiões hoje predominantemente residenciais, como a zona leste paulistana.
Haddad defendeu ainda os corredores de ônibus e o bilhete único mensal (por meio do qual os paulistanos poderão, pagando uma quantia fixa por mês, fazer uso ilimitado do transporte coletivo). Questionado se teria vindo trabalhar de ônibus naquela manhã, o prefeito disse colocou “o pé no freio” após problemas de segurança, que não comentou.
Haddad destacou ainda o que vê como realizações de seu governo: exaltou a criação da Corregedoria Municipal, de uma política para usuários de drogas na Cracolândia, citou a construção de calçadas na periferia, dos avanços na educação e na saúde, citando uma série de dados de cabeça, como sempre ocorre aos políticos.
Mas, se por um lado, tais feitos não foram capazes de garantir mais apoio ao prefeito entre os paulistanos, por outro Haddad disse “não se importar” com a popularidade.
“Quero fazer as coisas para o médio e longo prazo”, disse, em um tom quase quixotesco.
Política
Apesar de arremeter contra a elite econômica da cidade, Haddad se mostrou diplomático ao fazer críticas ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), com quem disse ter “uma boa relação institucional”.
O prefeito evitou fazer comentários sobre o escândalo do cartel do Metrô, que joga suspeitas de corrupção sobre lideranças do PSDB. “Tenho acompanhado pelo jornal”, desconversou.
Ao ser questionado sobre o Mensalão, Haddad também preferiu a diplomacia. Ele não respondeu se concorda com a tese de alguns petistas de que lideranças como José Dirceu e José Genoíno seriam “presos políticos” após um julgamento considerado de “exceção”.
“No Brasil temos separação de poderes”. “Não tenho condições de, como chefe do Executivo Municipal, julgar o Supremo Tribunal Federal. É uma falha institucional se eu fizer isso”.
“É claro que eu posso ter uma opinião se foi um julgamento de exceção ou não, mas isso eu reservo para mim”, disse, rapidamente mudando o tema da conversa.
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